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Constitucionalismo monárquico português Rupturas e continuidades

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Apresentação em tema: "Constitucionalismo monárquico português Rupturas e continuidades"— Transcrição da apresentação:

1 Constitucionalismo monárquico português Rupturas e continuidades
A historiografia da Revolução tem-na glorificado como um acto de ruptura. Ficando, nesse sentido, prisioneira da imagem que a maior parte dos revolucionários faziam da própria revolução. Para uma discussão, em geral, do assunto, há bibliografia geral: v.g. Spang, Rebecca L.   Paradigms and Paranoia: How modern is the French Revolution?   in: The American Historical Review, 108 (2003), S        No domínio da história constitucional, tende a encarar-se o novo constitucionalismo como algo de inaugural, sem raízes no Antigo Regime nem continuidades de Antigo Regime na leitura das novas ideias. A crítica mais  original à historiografia constitucional comum foi feita por Fernando Martinez Perez, "Ley expresa, clara y terminante". Orden normativo y paradigma jurisdiccional en el primer constitucionalismo español", Historia constitucional. Revista electronica de historia constitucional, 3(Junho 2002), ( )).

2 Continuidades no constitucionalismo ibérico
Supervivência do conceito anterior de soberania como poder supremo, mas não exclusivo; “Em nome da Santíssima Trindade; “no desprezo dos direitos [... do cidadão], e no esquecimento das leis fundamentais da Monarquia”; Supervivência da ideia de auto-regulação dos corpos políticos (como a Igreja, ou a família, cada qual absoluto nos limites das suas atribuições [jurisdição]), que a ordem constitucional devia incorporar [“direitos de cada, titulação real]; Concepção da legislação, não como um acto de vontade arbitrária, mas como a revelação de uma ordem anterior e indisponível, como uma deliberação de tipo "judiciário" (englobando um "conhecimento de causa" e um "contraditório“)  Assimilação das cortes a um "grande conselho" de Antigo Regime, decidindo segundo o mesmo processo de confronto de "votos“; Supervivência da ideia de que a tradição (não a natureza) gera situações jurídicas (algumas delas constitucionais, que as novas constituições devem reconhecer ou com as quais se devem acomodar) (ex.: continuação da dinastia, titulação do Rei, leis fundamentais);

3 Continuidades no constitucionalismo ibérico
Entendimento das atribuições dos poderes, não como resultado de uma definição apriorística, baseada na natureza do Estado - como grande sujeito que "quer", "executa" e "delibera" -, mas como resultado de uma distribuição histórico-concreta de competências; Supervivência da ideia de que a manutenção da constituição está, sobretudo, na reserva das jurisdições [“dos direitos de cada um”], quer das pré-constitucionais, quer das dos novos "poderes” (monarquia limitada), garantida por um sistema de contrapesos e de controlos (checks and balances, como na Constituição inglesa); Supervivência da ideia de que qualquer acto do poder pressupõe o acertamento prévio dos direitos envolvidos, pelo que a administração não se pode fazer sem um momento jurisdicional; Identificação dos direitos particulares (não necessariamente individuais) com direitos historicamente radicados (adquiridos por uso, por concessão, geral ou particular), e não abstractamente naturais  Daí que os direitos não sejam absolutamente invioláveis, mas violáveis desde que se observasse o processo juridicamente devido (de acordo com a natureza da sua génese e, por isso, não necessariamente jurisdicional).

4 O preâmbulo da Constituição de 1822
“D. João por Graça de Deus, e pela Constituição da Monarquia, Rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves daquém e dalém mar em África, etc. Faço saber a todos os meus súbditos que as Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes decretaram, e Eu aceitei, e jurei a seguinte [...] EM NOME DA SANTÍSSIMA E INDIVISÍVEL TRINDADE. As Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes na Nação Portuguesa, intimamente convencidas de que as desgraças públicas, que tanto a tem oprimido e ainda oprimem, tiveram a sua origem no desprezo dos direitos do cidadão, e no esquecimento das leis fundamentais da Monarquia; e havendo outrossim considerado, que somente pelo restabelecimento destas leis, ampliadas e reformadas, pode conse­guir-se a prosperidade da mesma Nação, e precaver-se, que ela não torne a cair no abismo, de que a salvou a heróica virtude de seus filhos; decretam a seguinte Constituição Política, a fim de assegurar os direitos de cada um, e o bem geral de todos os Portugueses”.

5 História da Revolução de 1820 e da Constituição de 1822
24 de Agosto de 1824. Um movimento militar proclama a Junta de Governo do Porto, encarregada de convocar Cortes para se fazer uma constituição que, mantendo a religião e a dinastia, remediasse os males do Reino. O governo acede (Instruções de 31.10), sendo obrigado por um pronunciamento militar a adoptar um sistema directo de sufrágio, igual ao da Constituição de Cadiz (arts. 27 a 103; Instruções de 22.11). As eleições tiveram lugar em Dezembro de 1820 (no ultramar, prolongaram-se até inícios de 1822). O Projecto de Bases da Constituição (1821) é apresentado como resultado da reflexão sobre o antigo direito público português, mais do que sobre teorias políticas modernas. A nova Constituição como “regeneração" da memória da constituição tradicional, “ampliada e reformada”.

6 A Nação, soberania, povo e rei
A Nação como "a união de todos os portugueses" (art. 20). Soberania e Nação. ARTIGO 26º— A soberania reside essencialmente em a Nação. Não pode, porém, ser exercitada senão pelos seus representantes legalmente eleitos. Nenhum indivíduo ou corporação exerce autoridade púbica, que se não derive da mesma Nação. ARTIGO 27º — A Nação é livre e independente, e não pode ser património de ninguém. A ela somente pertence fazer, pelos seus Deputados juntos em Cortes, a sua Constituição ou Lei Funda­mental, sem dependência de sanção do Rei. “Nação” e “Povo”  desvaloriza a participação política universal. Nação e rei: Art.º 121º — A autoridade do Rei provém da Nação, e é indivisível e inalienável.

7 O sistema eleitoral Excluem-se do voto:
(i) os menores de 25 anos (ou, se casados, de 2 anos; (ii) as mulheres; (iii) os sujeitos ao pátrio poder, como as filhos-família, independentemente da idade, a menos que exercessem ofícios públicos; (iv) os criados de servir que não vivam em casa separada dos patrões (art. 33, II e III); (v) os submetidos à autoridade religiosa regular, i.e., os que vivam em comunidades monásticas; (vi) os socialmente inúteis, que nada aportavam à república, como os vadios (art. 33, IV); aos quais se acrescentariam, no futuro, os analfabetos adultos (art. 33, VI). A oposição entre liberdade dos antigos, caracterizada pela "participação política" dos "cidadãos activos", e a liberdade dos modernos, caracterizada pela garantia de não intromissão do Estado na esfera dos direitos individuais (Benjamin Constant, 1819). Do lado dos que podiam ser eleitos, as restrições ainda eram maiores. Exige-se renda suficiente, excluem-se aqueles cujas inclinações naturais (falta de senso, irresponsabilidade) ou vinculações sociais podem importar diminuição da liberdade de opinião: os falidos, os que servem empregos da Casa Real, os libertos. Excluem-se os estrangeiros, ainda que naturalizados, pela presumível falta daquele amor à pátria, como coisa orgânica, que só os naturais de origem podem ter.

8 Fontes da Constituição de 1822
Carta constitucional francesa de 1814 Constituição espanhola de 1812 (Constituição de Cadiz). Bases da Constituição (1821)

9 Liberdade Como dependência exclusiva da lei (liberdade republicana); Como resistência (liberdade "liberal" ou "dos modernos"); Como participação (liberdade "dos antigos") Repercussão sobre a relação entre “lei” e “direitos”.

10 Soberania Consiste no facto de: a Nação não ser património de ninguém, em só poder ser representada politicamente pelos seus representantes eleitos e em ter o exclusivo do poder constituinte e legislativo (cf. arts. 26 e 27)  A soberania manifesta-se, antes de tudo, no primado da lei, como expressão da autodeterminação da Nação (cf. art. 104: "Lei é a vontade dos cidadãos declarada pela unanimidade ou pluralidade dos votos dos seus representantes juntos em Cortes, precedendo discussão pública").

11 Lei e direito Os representantes eleitos da Nação têm o exclusivo da legislação (arts. 27, 102, 105, 110).  Embora não de fixar o direito. De facto, a Constituição não definia as fontes de direito, deixando esta atribuição livre nas mãos dos juízes. Em Portugal, o conglomerado de ordens normativas que constituíam o direito estava definido na Lei da Boa Razão, de Porém, como esta era imprecisa na identificação concreta das fontes direito, a definição destas era feita quase livremente pela doutrina ou, caso a caso, pelos julgadores.

12 Manifestações do primado da lei
Vinculação de todos os poderes, agentes e actividades do Estado em relação à lei: o poder executivo tem como finalidade "fazer executar as leis" (art. 122); os impostos não são obrigatórios se não tiverem sido votados em cortes (arts. 224, 234); os funcionários não são proprietários dos seus ofícios (art. 13), respondendo pelas violações da constituição e das leis (art. 14); as câmaras estão devem obediência às leis nas matérias de governo administrativo e económico (arts. 216, 218); os direitos individuais são reconhecidos, “nos limites da lei”.

13 Igualdade perante a lei (art. 9)
Por ora, ainda não se declaram contrários à Constituição outros aspectos da desigualdade própria da sociedade de ordens: como os direitos senhoriais; a desigualdade dos sexos; a relevância legal da religião; os títulos nobiliárquicos, a escravatura).

14 Divisão de poderes Carácter funcional à defesa da liberdade. Consistindo a liberdade na "exacta observância das leis" (art. 2), a questão da divisão de poderes - que a doutrina constitucional com origem em Montesquieu e na experiência constitucional inglesa considerara como pedra de toque do constitucionalismo moderno - passa necessariamente para um segundo plano.

15 Poder legislativo Uma única câmara, eleita de acordo com o sistema eleitoral já descrito (arts. 32 ss.). As legislaturas duravam dois anos (art. 41), com sessões anuais de três meses (art. 83). Cada deputado representava toda a Nação (art. 94). As atribuições essenciais das Cortes eram as legislativas (a iniciativa, discussão e votação das leis, sua interpretação e revogação; o controlo da observância da Constituição e das leis) Mas também de governo: a promoção do bem geral da Nação; a fixação anual dos efectivos militares; a fixação anual dos impostos e as despesas públicas; a criação e supressão de empregos públicos, bem como a fixação dos respectivos ordenados; a avaliação da responsabilidade (política, criminal e cível) dos secretários de Estado e demais funcionários (arts. 102 e 103 e ss.).

16 Poder executivo O poder executivo (residual ...) residia no rei e tinha como atribuições gerais "fazer executar as leis; expedir os decretos, instruções e regulamentos adequados a esse fim e prover tudo o que for concernente à segurança interna a externa do Estado, na forma da Constituição" (art. 122). Esta fórmula genérica concedia ao executivo um âmbito muito vasto de atribuições, em parte concorrente com algumas das atribuições confiadas ao Legislativo; Os resíduos da royal prerogative ou do princípio monárquico.

17 Poder judicial A Constituição revela, nesta matéria, uma tensão entre dois pólos. Por um lado, o de garantir a independência dos tribunais, que corresponde à ideia do seu papel central na defesa do sistema constitucional e na defesa pública, imparcial e neutra dos direitos dos cidadãos. Mas, por outro lado, a Constituição coloca os juizes e oficiais de justiça sob estrita vigilância, quanto a abusos e prevaricações, o que corresponde à imagem popular de uma justiça arbitrária, corrupta e corporativa. Medidas suplementares visavam aumentar a confiança popular na justiça. Uma delas era o júri eleito (cf. art. 178), julgando sobre a matéria de facto, previsto, tanto para as causas criminais - expressa e especialmente referida é a sua intervenção no julgamento dos delitos de abuso da liberdade de imprensa -, como para as cíveis. Paradoxalmente, nenhuma disposição obrigava os juízes a julgarem segundo a lei.

18 Carta Constitucional (1826). História da Carta
A Carta constitucional esteve em vigor durante 84 anos, até ao fim da monarquia, embora com lapsos: insurreição miguelista ( ); reposição em vigor da Constituição de 1822, depois da Revolução de Setembro ( vigência da Constituição de 1838 ( ). e modificações, que resultaram das várias revisões constitucionais que originaram outros tantos actos adicionais: , , , “DOM PEDRO POR GRAÇA DE DEUS, Rei de Portugal e dos Algarves, etc. Faço Saber a todos os Meus Súbditos Portugueses, que Sou Servido Decretar Dar e Mandar jurar imediatamente pelas Três Ordens do Estado a Carta Constitucional abaixo transcrita, a qual de ora em diante regerá esses Meus Reinos e Domínios, e que é do teor seguinte:”

19 Fontes formais e materiais da Carta Constituconal
A Carta constitucional é promulgada sob o impacto filosofia política liberal-aristocrática de Benjamin Constant e de François Guizot. Não há referência à sede da soberania, embora ela implicitamente resida na Nação, representada pelo Rei e as Cortes Gerais – cf. The King in the Parliament). Todavia, a vontade do Rei foi o suficiente para a outorga da Constituição.

20 A cidadania A Carta mantém a generalização da cidadania a todos os nacionais (agora entendidos como todos os nascidos em território português, do Reino ou dos seus domínios, arts. 1 e 7) (o que incluiria, nomeadamente, as populações não europeias das colónias). No entanto, esta generalização corresponde apenas à generalização da capacidade de gozo dos direitos civis, cuja base a Carta define como sendo "a liberdade, a segurança individual e a propriedade" e que garante a todos os cidadãos (art. 145). Porém, já ao tratar dos direitos de participação política, a Carta assume implicitamente a distinção de B. Constant entre cidadãos activos e cidadãos passivos. Apenas reconhece direitos políticos (pelo menos na sua vertente de direitos eleitorais, cf. artº 63) - a alguns: nomeadamente em função da sua renda (Cf. arts. 65 a 68 (de 100$00 para ser eleitor a 400$00 para ser elegível como deputado). O sufrágio indirecto, consagrado nestes artigos da Carta (só substituído pelo sufrágio directo pelo Acto adicional de 1852) era outro meio de "filtrar" a vontade dos menos capazes pela mediação dos mais capazes.

21 Os direitos e a Constituição.
No seu último artigo, a Carta garante os direitos civis e políticos: "Art A inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Portugueses, que têm por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Reino, pela maneira seguinte". Concepção de direitos próxima do modelo liberal da Europa continental Os direitos são garantidos, e não criados pela Constituição ("têm por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade". São os direitos da sociedade natural, fundados na própria natureza do homem, mas tutelados, agora, pela sociedade civil. Esta tutela legal é dada, ao mesmo tempo, pela Constituição e pelas leis ordinárias, designadamente pelas leis civis e pelas leis penais. "Art A inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Portugueses, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Reino, pela maneira seguinte: [...]".

22 A garantia de direitos O primeiro dos meios de garantia de direitos era - na continuação do direito de Antigo Regime - a garantia, em relação ao Estado, das esferas jurídicas dos particulares protegidas pelo direito (pelas leis), assegurando a sua intangibilidade ou, pelo menos, o dever de indemnizar por parte dos poderes públicos que as ofendam. Quanto ao âmbito (aos actos administrativos recorríveis e ao fundamento e resultado do recurso), o recurso contencioso contra actos da administração era, apenas, um contencioso "de legalidade", escapando-lhe o domínio dos actos do poder que, ofendendo direitos, não pudessem ser arguidos de ilegalidade, ou seja, que se situassem no domínio das opções politicas ("poder discricionário da administração"). E, por outro lado, o recurso produziria apenas a anulação do acto administrativo recorrido, e nunca a sua substituição por um outro correspondente à legalidade (ou seja, tratava-se de um recurso de mera anulação).

23 A garantia da legalidade
Numa primeira fase (Decreto nº 23, 1832), a possibilidade de apelo reduzia-se aos actos administrativos lesivos de direitos patrimoniais. Em 1835 (CL 35.4), as questões contenciosas (relativas, portanto a ofensas de direitos pela administração) são devolvidas aos tribunais comuns, solução que se mantém com o Código Administrativo de 1836. O Código Administrativo cabralista de 1842 organizou de novo tribunais administrativos para conhecer dos recursos dos actos da administração; embora agora com fundamento em qualquer tipo de ilegalidade, mesmo que não se ofendessem direitos patrimoniais. Em 1870, o Conselho de Estado político separou-se do administrativo, dando-se a este o nome de Supremo Tribunal Administrativo. Esta tibieza no reconhecimento de direitos dos cidadãos contra o Estado e na institucionalização de meios de os tornar efectivos era o produto de uma longa tradição. Não tanto a tradição do direito comum do Antigo Regime. Mas, sobretudo, a tradição combinada do absolutismo monárquico setecentista (e, mesmo, oitocentista) e do jacobinismo revolucionário. Perante o interesse público - fosse ele representado pelo rei ou pelo parlamento - o indivíduo poucos direitos teria.

24 A garantia da constitucionalidade. Fundamentos
O princípio mais comummente aceite era o de que o poder estava limitado pela Constituição: A Carta tinha sido outorgada pelo rei, como representante da Nação (cf. art. 12), nele residindo o poder constituinte originário e o dever primeiro de "observar e fazer observar a Constituição" (art. 76) Daí que: (i) as cortes não pudessem alterar a constituição sem o acordo do rei, que devia sempre sancionar as reformas constitucionais, (ii) a necessidade de sanção real das leis constituísse a primeira defesa em relação à omnipotência do legislativo.

25 A garantia da constitucionalidade. Argumentos literais.
(i) o art. 140, ao estabelecer um processo legislativo especial para alterar as matérias constitucionais da Carta, implicitamente separava o poder constituinte do poder legislativo ordinário, retirando a este último a faculdade de emitir leis anti-constitucionais; (ii) o art. 139 dispunha que "as cortes gerais no princípio das suas sessões examinarão se a Constituição do Reino tem sido exactamente observada, para prover como for justo"; (iii) as autoridades e titulares de cargos públicos tinham que jurar "cumprir e fazer cumprir a Constituição"; (iv) todo o Cidadão podia "apresentar por escrito ao Poder Legislativo, e ao Executivo reclamações, queixas ou petições, e até expor qualquer infracção da Constituição, requerendo perante a autoridade a efectiva responsabilidade dos infractores" (art. 145, § 28)

26 A questão especial da inconstitucionalidade das leis
Podia dizer-se que uma decisão das cortes que obtivesse maioria parlamentar e sanção real tinha passado por dois crivos de apreciação da sua constitucionalidade, ambos eles revestidos da dignidade de representantes da Nação (as cortes e o rei). Como o rei detinha também o poder moderador, "chave de toda a organização política", a quem competia velar "incessantemente sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos", e que a sanção das leis era uma atribuição deste poder (e não do executivo, cf. art. 74, § 3), a firmeza das leis aprovadas pelo rei ainda ficava mais reforçada. Percebe-se, portanto, que se manifestasse uma resistência séria em admitir que outro órgão de soberania - nomeadamente, os tribunais - pudessem invalidar ou desaplicar por inconstitucional um acto legislativo   O único controlo do legislativo seria, portanto, político.

27 As garantias institucionais da constitucionalidade
Desde os anos '30 que alguma jurisprudência e alguma doutrina propunham um controle judicial difuso da constitucionalidade. Isto não representava nenhuma inovação em relação aos sistema de controlo da legitimidade das leis e dos actos de poder em vigor no Antigo Regime. Os argumentos doutrinais: Os juízes, como todas as autoridades públicas, tinham jurado - no acto de posse "cumprir, e fazer cumprir" a Carta e, por isso, não deviam poder aplicar legislação que a contrariasse, do ponto de vista material, orgânico ou formal. A jurisprudência variou, sendo difícil avaliar a orientação dominante na prática judicial quotidiana: se (i) o acatamento da lei inconstitucional, se (ii) a sua desaplicação, por contrariar a constituição (desde logo a constituição formal, mas também a constituição material).

28 A divisão de poderes A Carta foi uma das poucas constituições oitocentistas que se afastou da clássica tripartição de poderes. Partindo do princípio de que "a divisão e harmonia dos Poderes Políticos é o princípio conservador dos Direitos dos Cidadãos, e o mais seguro meio de fazer efectivas as garantias" (art. 10), a Carta estabelece quatro poderes (o legislativo, o moderador, o executivo e o judicial), dos quais um (o moderador) é definido como "a chave de toda a organização política" (art. 71) todos menos um (o judicial) estão nas mãos dos "representantes da Nação portuguesa" ("o rei e as cortes gerais", art. 12).

29 O poder moderador. Competências
No sistema da Carta (art. 74), as atribuições do poder moderador são: a nomeação de pares sem número fixo; a convocação extraordinária das cortes "quando assim o pede o Bem do Reino", a sua prorrogação, adiamento ou dissolução; a sanção dos decretos das cortes, para que tenham força de Lei; a livre nomeação e demissão dos ministros; o perdão de penas e a amnistia.

30 Poder moderador. Críticas
No entanto, esta hegemonia do poder moderador supunha o prestígio da instituição real. Na sua falta, surgem críticas de natureza teórica, questionando a hierarquização dos poderes do Estado sob a hegemonia do rei. Uns pronunciam-se, ou pela supremacia do legislativo, de acordo com a lógica representativa, ou do judicial, como poder naturalmente especializado na resolução de diferendos. Outros críticam a confusão entre funções do Executivo e funções do Moderador que, na prática, significavam a rentabilização pelo executivo das prerrogativas do poder moderador. De facto, depois do estabelecimento do rotativismo parlamentar (maxime nos anos ; mas sobretudo ), a existência de um poder moderador, mal se justificava, até porque o Acto Adicional de 1896 sujeitou os actos do poder moderador à referenda ministerial.

31 O poder legislativo. A Câmara dos Deputados.
O poder legislativo residia nas cortes e no rei ("[…] compete às Cortes, com a sanção do rei", art. 13). As cortes compunham-se de duas câmaras - a Câmara dos Pares e a Câmara dos Deputados. A Câmara dos Deputados era constituída por um número de deputados - originalmente nomeados por eleição indirecta (art. 63) e censitária - proporcional à população das circunscrições eleitorais. A eleição indirecta era apresentada como uma forma de compatibilizar um certo alargamento do direito de sufrágio com a fiabilidade das escolhas: o povo participava, mas apenas confiando a pessoas mais capazes a designação definitiva dos seus representantes. A Carta (bem como a Const. de 1838) estabelecia um sufrágio restrito, em que o direito de voto apenas era concedido aos maiores de 25 anos que tivessem um rendimento mínimo de $00. Para dar uma ideia do que isto podia significar, um elemento de referência: uma jorna diária, pelos meados do séc., era de c. 650 rs... Em termos europeus, não se tratava de um valor muito elevado. O Acto Adicional de 1852 inaugurou um outro modelo, em que o rendimento mínimo podia ser suprido por habilitações literárias mínimas ou, mais tarde (1878), também pela qualidade de chefe de família. Em qualquer caso, o universo dos votantes, pelo menos até 1878, ficava muito aquém de abranger toda a população.

32 O poder legislativo. A Câmara dos Pares.
A Câmara dos Pares era, originariamente, constituída por pares vitalícios e hereditários, nomeados pelo rei, sem número fixo (art. 39). Embora correspondesse a um modelo muito comum nos Estados europeus, a sua justificação era problemática. Alguns autores - como o monárquico conservador Royer Collard - justificavam-na como "auxiliar do rei, para as ondas democráticas não abalarem constantemente o trono". Outros - como François Guizot - relacionavam a sua existência com o facto de, na sociedade, alguns cidadãos terem sempre "uma maior autoridade do que os outros, pela riqueza, pelo esplendor de nascimento, pelos merecimentos ou pela reputação […] estes cidadãos formam uma ordem social distinta, e por isso deve-se-Ihes dar na constituição lugar que ocupam na sociedade".

33 O poder executivo. O poder executivo residia no rei, que o exercia pelos seus ministros (ou "secretários") de Estado (art. 75).   Todas as suas atribuições eram da responsabilidade do rei. No entanto, sendo este inviolável e sagrado (art. 72), era necessário que alguém assumisse a responsabilidade política e até criminal dos seus actos. Era esta a finalidade do instituto da referenda ministerial (art. 102), que obrigava os ministros a referendar e assinar "todos os actos do poder executivo, sem o que não poderão ter execução". Esta assinatura responsabilizava o ministro pelo acto praticado, em termos de este nem sequer se poder eximir invocando a ordem real (art. 105); mas limitava o poder do rei, ao exigir a cooperação de um ministro. Embora isto não transpareça da ordem de enumeração do art. 75 da Carta, o núcleo mais permanente das atribuições do executivo é o "governo" e, dentro deste, a "administração".

34 Poder executivo ou poder governamental (i) ?
As atribuições do governo vêm referidas nos §§ 3 e 4 (nomeação de magistrados e funcionários), 12 (expedição “de decretos, instruções e regulamentos adequados à boa execução das Leis” e 13 (“prover a tudo que for concernente à segurança interna [e externa] do Estado, na forma da Constituição”). De facto, quem ler desatentamente a enumeração de funções do art. 75, ficará com a ideia de que o executivo se limitava a assegurar passivamente as clássicas funções de execução das leis e de defesa. Isto estava, porém, bem longe de ser verdade.

35 Poder executivo ou poder governamental (ii) ?
As outras atribuições do executivo eram: Convocar as novas Cortes Gerais ordinárias; teoricamente, esta atribuição devia competir ao poder moderador] (§ 1.°); Nomear ou prover dignidades eclesiásticas e nomear magistrados e demais empregos civis, políticos, militares e diplomáticos (§§ 2, 3, 4, 5 e 6); Dirigir a política externa (§§ 7, 8 e 9); Conceder Cartas de naturalização e distinções (§§ 10 e 11); § 13.° - Decretar a aplicação dos rendimentos destinados pelas Cortes nos vários ramos da Pública Administração; § 14.° - Conceder ou negar o beneplácito aos documentos eclesiásticos […] que se não opuserem à Constituição, e precedendo aprovação das Cortes, se contiverem disposição geral.

36 Poder executivo ou poder governamental (iii) ?
Uma vez passada a onda fisiocrática – que era, sobretudo, uma reclamação de liberdade cidadã perante a organização corporativa e, depois, perante o Estado de polícia, o Estado liberal continental – cujo protótipo (e não a excepção) é o Estado administrativo e empreendedor do I Império francês – encarregou-se da função de estabelecer a ordem e de garantir a estabilidade, o que não excluía um pronunciado dirigismo económico, social e político. Neste sentido, a função dita “executiva” transformou-se progressivamente numa função autonomamente “activa” e politicamente dominante: quase todos os actos do Estado eram, na verdade, actos executivos, descontados os comparativamente raros actos legislativos e os – dispersos e de impacto essencialmente inter partes - actos judiciais. Isto já era assim no momento em que a Carta surgiu. Mas, durante a sua longa vigência, sê-lo-á cada vez mais, nomeadamente quando o Estado se passa a ocupar de tarefas de fomento metropolitano e colonial, da educação e, até, de assistência e de regulação industrial. Também na constituição inglesa haveria que distinguir uma “constituição teórica”, dominada pelo princípio dos checks and balances e uma “constituição prática”, em que ao governo vinham a caber atribuições materialmente legislativas.

37 Governo e parlamento Com o progresso do parlamentarismo, foi-se estabelecendo o princípio da responsabilidade do governo perante as câmaras e a consequente necessidade de que ele reflectisse o equilíbrio das forças políticas no parlamento. Este relevo do parlamento era, porém, mitigada pelo princípio monárquico ou “prerrogativa régia”, correspondente à existência do poder moderador, que dava uma certa margem de imposição de um executivo sobre o legislativo (governos sem apoio parlamentar, nomeação de pares para que o governo tivesse maioria na câmara alta, adiamento ou dissolução da Câmara dos Deputados). O governo praticava actos normativos que cabiam, em teoria, ao poder legislativo: decretos “com força de lei” (ou decretos ditatoriais), a que as cortes raramente negavam a ratificação e que os tribunais costumavam aceitar como válidos; decretos emitidos pelo governo por delegação legislativa das cortes; regulamentos inovadores (a distinção entre “lei” e “regulamento” era difícil). Para além dos actos normativos, o executivo tomava decisões casuístas, ao abrigo da lei ou no âmbito dos seus poderes discricionários. Desde cedo, que parte destes actos (os actos políticos) foram qualificados como insindicáveis quanto á sua legalidade. Isto queria dizer era que, doravante, também o governo podia propor finalidades ao Estado com aquela liberdade que, até então, fora privativa do legislador. O que constituía uma evolução político-constitucional notável.

38 A governamentalização do poder
O que agora se verifica, porém, é que nem o parlamento tem a possibilidade de fiscalizar toda a frenética actividade governativa, nem pode escapar aos poderes de condicionamento de que o governo dispõe, nomeando funcionários, gerindo a atribuição de benesses, lançando melhoramentos, apoiando empresas, concedendo serviços. “O nosso governo parlamentar enferma de três vícios: O excessivo predomínio do poder executivo; a má constituição do parlamento; a defeituosa organização dos partidos políticos. O excessivo predomínio do poder executivo determina a subordinação do parlamento e tira-lhe toda a independência para fiscalizar os actos deste poder. Desse excessivo predomínio do poder executivo na nossa vida politica, é que resultam as frequentes ditaduras e delegações das funções legis­lativas no governo. É necessário reforçar o poder legislativo e para isso encontramos suficientes três disposições da proposta de 14 de marco de 1900: a reunião das cortes por direito próprio, a restrição da faculdade da sua dissolução e a não aplicação pelo poder judicial dos decretos, regulamentos ou ordens do governo que não sejam conformes às leis […] É certo que alguns escritores, como Poinsard, mostram-se favoráveis à aplicação entre nós do regímen simplesmente representativo, não atendendo afinal a que o mal de toda a nossa vida constitucional tem sido o excessivo predomínio do poder executivo, que aquele regímen ainda viria a fortificar […]  (Marnoco e Sousa, Direito político […], cit.,, 386).

39 “A encarnação institucional do Estado”
Embora a Carta não estabelecesse o número de secretarias de Estado (ao contrário do que acontecia na Constituição de 1822 [Negócios do Reino, Justiça, Fazenda, Guerra, Marinha e Negócios Estrangeiros]), logo em 1834, D. Pedro II provê as seis secretarias de Estado tradicionais. Em 1852 (30.8), cria-se a Secretaria de Estado das Obras Públicas, Comércio e Indústria, correspondendo ao novo ênfase posto nas políticas de “fomento” do fontismo. Em 1870 (22.6), Saldanha cria, em ditadura, o Ministério da Instrução Pública (que é efémero). Crescimento do aparelho de Estado, em termos financeiros e humanos.

40 Crescimento do número de funcionários

41 Crescimento do número de funcionários (sem militares)

42 Crescimento do número de funcionários (sem militares)

43 Os partidos e a gestão dos funcionários funcionários
“A regeneração quando subiu ao poder em 1871 [… foi …] renovando o pessoal das secretarias, promoven­do reformas, criando lugares, determinando aposentações, concedendo benefícios. O partido progressista entrando para o poder encontrou este estado de coisas que devia respeitar, e respeitaria do certo, se os beneficiados da rege­neração cumprissem o seu dever, que era completa abstenção no acto eleitoral. Este dever foi-lhes recomendado expressamente com a devida cominação de penas. Como o dever não foi cumprido, os efeitos fizeram-se sentir. Nada mais natural; nada mais justo”, António Cândido Ribeiro da Costa, Discurso proferido na Câmara dos Senhores Deputados nas sessões de 17 e 18 de Fevereiro de 1880, Lisboa, 1880(p. 31). O mecanismo está bem descrito. O fundo de postos burocráticos era utilizado pelos governos para distribuir benesses e para suscitar o empenhamento partidário dos beneficiados. O crescimento dos efectivos burocráticos potenciava ainda a importância política desta troca

44 Dependência dos funcionários

45 Dependência dos funcionários
Quanto ao carácter dependente e precário das classes médias e inferiores do funcionalismo, estes funcionários seriam mal pagos, crivados de deduções (que atingiam, em média, 40 % dos proventos), apenas podendo sobreviver com base em benesses distribuídas superiormente (comissões, gratificações, horas extraordinárias, «serões» e abonos vários). Os próprios funcionários administrativos superiores (directores-gerais e chefes de repartição) estariam dependentes, pelos mesmos mecanismos, dos titulares das pastas (ibid.). Para além de que o ingresso e progresso na carreira se faziam, em geral, por mecanismos de escolha, garantindo novas fidelidades. O funcionário nem sequer estava garantido contra um despedimento arbitrário ou «punitivo», pois se entendia que o funcionário não tinha direito ao lugar, podendo ser despedido por necessidades do serviço. “Para se obter a melhor execução da lei, é necessário que os executores dela sejam responsáveis pelos seus actos: as garantias da sociedade e do individuo dependem mais da fiel execução da lei, do que da sua bondade absoluta. A boa execução da lei depende igualmente da competência, saber, zelo e honradez dos seus executores; e para que estes requisitos sejam uma realidade é indispensável que o ministro possa livremente escolher os subalternos, e demiti-los sem prévio julgamento; para que o chefe de cada ramo da administração seja responsável é necessário que ele possa tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados” (António Pereira Jardim, Princípios de finanças [...], Coimbra, 1873).

46 Centro e periferia: pluralismo e descentralização.
Em geral, estabelece-se como axioma que os poderes dos vários órgãos e agentes do Estado não são originários, como consequências naturais das suas funções ou estatuto, mas antes provenientes de um acto de dele­gação dos órgãos de soberania. A ideia de delegação constitui, doravante, facto, um princípio essencialmente contemporâneo de construção do aparelho de Estado. Esta nova ideia é visível quando confrontado com o discurso da descentralização, pois por aí se vê de forma particularmente clara a distinção entre o sistema pluralista do Antigo Regime, recusado, e o sistema monista descentralizado, agora proposto. «O Estado, que tinha por base os municípios, era um corpo formado de membros desconexos, a que faltava a vida de relação, a unidade e a harmonia, que só podem provir da aplicação de princípios gerais estribados na justiça e no direito, e inspirados pelo interesse comum [...]. O municipalismo multi-forme, incoerente, individualista, privilegiado e bárbaro da idade media não era a descentralização administrativa, era o fraccionamento do Pais em circunscrições isoladas e às vezes hostis [...] era a negação de todos os princípios gerais de direito politico, civil e criminal, a condenação de toda a economia publica, a supressão de todo o viver nacional, o menosprezo de todos os interesses gerais, e o impedimento de todo o progresso e civilização da sociedade.» (Joaquim Thomaz Lobo d’Ávila, põe em destaque, nos seus importantes Estudos de Administração , 1874, p. 19). No entanto, a questão da centralização / descentralização não tinha uma única leitura. Foi antes uma questão polémica que percorreu todo o séc. XIX

47 Sociologismo, institucionalismo e descentralização
O institucionalismo dos finais do séc. XIX reforça as ideias descentralizadoras. Era por meio dela que se produziria uma repartição das funções da administração pública entre: 1. órgão da administração do Estado, centrais e locais; 2. autarquias territoriais; 3. autarquias institucionais; 4. particulares, por concessão. São estas as influências que se fazem já sentir na obra de José Frederico Laranjo, quando afirma que, para que haja descentralização administrativa, é preciso que haja o exercício livre das atribuições dos corpos locais por eles mesmos, sem ingerência do governo, além da inspecção, para submeter os seus actos ao poder judicial, quando eles contrariem as leis. De qualquer modo, e apesar de uma contínua corrente doutrinal anti-centralizadora – por vezes com alguma expressão legislativa, como nas reformas de 1836 e no Código administrativo de , a estadualização da vida política não cessou de se acentuar. A nova organização do poder governativo encontrava-se muito mais apta, apesar da debilidade das suas extensões periféricas, a desempenhar as funções de uma administração activa, pelo progresso das suas estruturas e organização no sentido de uma administração deste tipo

48 A redução dos poderes periféricos – os senhores de terras
Os senhorios não constituíam já, do ponto de vista político, o mais importante concorrente da coroa. Na verdade, no sistema político português do Antigo Regime, os senhores apenas gozavam da jurisdição intermédia. Em 1792, extingue-se a jurisdição dos donatários - no sentido em que estes a tinham no Antigo Regime, isto é, como jurisdição intermédia -, embora saiam reforçados os seus poderes de nomear ou confirmar justiças locais, agora atribuídos genericamente, com o que se abole um anterior princípio de que a eleição das justiças era, em geral, dos povos. O poder senhorial perde em relação à coroa, mas ganha algo em relação ao poder municipal. Finalmente, as constituições (Const. 1822, tit. V; Carta, tit. VI) e a reforma judiciária (Dec. nº 24, de 16 de Maio de 1832) acabam de vez com as jurisdições dos donatários.

49 A redução dos poderes periféricos – a Igreja
No Antigo Regime, a jurisdição eclesiástica incluía a sua autonomia de governo e a existência de um foro espiritual (que abarcava causas de natureza temporal). Quanto à nomeação de bispos: os bispos estavam sujeitos à inspecção do governo gozando, em contrapartida, de honras, prerrogativas (v.g., eram conselheiros, pares, grandes do Reino, vogais natos, órgãos administrativos) e remuneração civil. Quanto aos párocos, eles eram considerados, durante o regime constitucional monárquico, como empregados espirituais e civis, pelo que a sua nomeação resultava da apresentação régia. As suas funções espirituais são o governo interno da sua comunidade paroquial; vastas funções civis, abrangendo campos como as operações eleitorais, o recrutamento militar, a colaboração na administração civil das freguesisa Quanto ao foro eclesiástico. Em 1821, foi abolido o Conselho-Geral do Santo Ofício e as devassas do ordinário. Em 1832, a Reforma Judiciária (Decreto n.º 24, de 16 de Maio) extingue o foro eclesiástico nas causas temporais ou de foro misto (artigo 117); mesmo nas espirituais, a competência punitiva dos bispos é limitada a penas espirituais, pelo Decreto de 19 de Julho de 1833.

50 A redução dos poderes periféricos – a Igreja
Em todo o caso, houve alguns domínios da jurisdição da Igreja que, durante todo o século XIX, se mantiveram intactos. Um deles foi o da competência jurisdicional da Igreja em matéria de casamentos católicos, dominantes no País, que continuaram, mesmo depois do Código Civil, a ser regulados, no plano das relações pessoais, pelo direito canónico. Outra reserva jurisdicional - agora ao nível do direito «vivido», que não do «direito oficial» - diz respeito ao papel das autoridades eclesiásticas (sobretudo os párocos, mas também as confrarias ou irmandades) como ordenadoras da vida colectiva e como mediadoras «informais» de conflitos nas comunidades rurais, sobretudo no Norte do País.

51 A redução dos poderes periféricos – Concelhos ou Municípios
Para as correntes revolucionárias, o poder das câmaras tradicionais era um dos alvos a abater. Nas cortes vintistas, as posições oscilaram entre os que as queriam manter, mas «democratizadas», e os que as queriam substituir, mais ou menos clara­mente, por órgãos periféricos do Estado. Esta última foi a orientação que prevaleceu (administradores gerais). As reformas financeira, administrativa e judicial de Mouzinho da Silveira, de , estabelece um novo sistema, em que as câmaras são despojadas de todos os poderes executivos, confiados agora a funcionários governamentais, e em que a elaboração de posturas passa a carecer de aprovação superior . Esta foi a orientação que prevaleceu até ao fim da monarquia. Em síntese, importa dizer, quanto a este aspecto, que com a política de centralização administrativa se obtêm dois resultados. Por um lado, desarticula-se um pólo periférico de poder. Mas, por outro, cria-se um dispositivo político: ao tornar disponíveis para o poder central algumas milhares de cargos públicos distritais e concelhios, atribui-se ao poder central a possibilidade de disciplinar pela positiva, comprando fidelidades com cargos e alargando, assim, a rede da sua influência social.

52 O Poder judicial A Carta constitucional de 1826 parece limitar um pouco mais a esfera de autonomia dos juízes, ao estabelecer, art. 119, que “Os jurados prenunciam-se sobre o facto, e os juízes aplicam a lei” (sublinhado meu). O artigo, porém, parece ter em vista, não tanto a questão das fontes de direito, mas antes a distinção entre as funções dos jurados e dos juízes. Tanto mais que a responsabilização dos juízes continua a limitar-se a casos de “abusos do poder e prevaricações”, ou a “delitos e erros de ofício” (arts. 123 e 131). No entanto, há outros indícios que apontam neste sentido de um entendimento da função de julgar como dependendo de critérios mais alargados do que a simples observância da lei. O desenho constitucional do poder judicial não oferece grandes singularidades. Os princípios clássicos da independência judicial - garantida, nomeadamente, pela inamovibilidade (ou perpetuidade) dos juízes -, do julgamento por júri, da responsabilidade dos agentes da justiça, da publicidade e simplificação processual, da garantia do foro natural e da garantia de recurso estão consagrados.

53 O Poder judicial O sentimento antiletrado polarizou-se em três questões - a da admissão do júri, a do âmbito das instituições não judiciais de resolução de conflitos e a das magistraturas electiva. Quanto ao júri – a questão politicamente mais emblemática - ele era considerado pelo pensamento liberal como uma das garantias basilares da liberdade civil. Por isso, foi admitido facilmente em 1822, como instância de apuramento dos factos, tanto nas causas cíveis (onde a sua intervenção foi, todavia, menos pacífica) como nas causas crime. A reforma judicial de Mouzinho (Decreto nº 24, de ), tornou obrigatória a sua intervenção em todas as causas, na decisão da matéria de facto. A limitação das funções do júri à apreciação da matéria de facto era, já de si, uma solução moderada, pois deixava aos juízes de direito aspectos decisivos da questão. Todavia, o júri - sobretudo no cível - era objecto de críticas severas, baseadas no tecnicismo das questões jurídicas e na falta de aptidão dos leigos para lidar com elas, mesmo nos aspectos de facto. O desenho constitucional do poder judicial não oferece grandes singularidades. Os princípios clássicos da independência judicial - garantida, nomeadamente, pela inamovibilidade (ou perpetuidade) dos juízes -, do julgamento por júri, da responsabilidade dos agentes da justiça, da publicidade e simplificação processual, da garantia do foro natural e da garantia de recurso estão consagrados.

54 A independência dos tribunais – a teoria e a prática
Apesar de todas as garantias de independência da magistratura, a opinião corrente não era tão lisonjeira. Céptico quanto ao alcance real das excelências da magistratura cartista, nomeadamente quanto à sua independência, se mostra, por exemplo, Trindade Coelho: "O poder judicial é independente (Carta, art. 118.°); e sem embargo das causas legais que conspiram contra a independência do poder judicial, este é, ainda hoje, um dos mais respeitáveis do Estado. Com efeito, a independência do poder judicial vai sendo mais nominal do que efectiva. Os magistrados que o constituem não só são nomeados pelo poder executivo, art. 75.° § 3.°, mas são colocados nesta ou naquela comarca (melhor ou pior sob o ponto de vista económico ou da situação geográfica) à mercê, exclusivamente, da vontade do respectivo ministro, ou seja do poder executivo; e conquanto inamovíveis durante seis anos, salvo nos casos e termos legais, tem-se visto alterar a classificação de uma ou outra comarca só para o efeito de desalojar dela o respectivo juiz, que por algum motivo não agrada à política. Acresce que os juízes se vêem forçados a fazer obra constantemente por decretos inconstitucionais do poder executivo, para evitarem o ser incomodados; - que as suas sentenças em matéria crime podem ser revogadas pela acção privativa do poder moderador; - que as suas próprias decisões em matéria cível são, não raro, contrariadas pelo executivo, quando tais decisões afectam o Estado em beneficio dos direitos do cidadão; - que em relação a várias categorias de funcionários a acção judicial criminal depende de autorizações do governo, Código Administrativo, art. 431.° (garantia administrativa); etc. – E, como se tudo isto não bastasse, a própria função de julgar tem sido cometida, não só a tribunais e estações especiais de variadíssimas categorias, estranhas ao poder judicial, mas inclusive a funcionários do poder executivo, de bem inferior situação na escala hierárquica, e portanto sem habilitações" 


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