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Relações Internacionais

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Apresentação em tema: "Relações Internacionais"— Transcrição da apresentação:

1 Relações Internacionais
Geopolítica e Relações Internacionais

2 Wigth, M., Política de Poder
“Devemos assinalar, em conclusão, que o termo ‘política do poder’ significa, na linguagem corrente, não somente as relações entre potências independentes, mas algo de mais sinistro. De fato, o termo é uma tradução da palavra alemã Machtpolitik, que significa a política da força, ou seja, a condução de relações internacionais por intermédio da força ou da ameaça do uso da força, sem consideração pelo direito ou pela justiça.” Wigth, M., Política de Poder

3 “A política internacional, como toda política, consiste em uma luta pelo poder. Sejam quais forem os fins da política internacional, o poder constitui sempre o objetivo imediato. Os povos e os políticos podem buscar, como fim último, liberdade, segurança, prosperidade ou o poder em si mesmo. Eles podem definir seus objetivos em termos de um ideal religioso, filosófico, econômico ou social. Podem desejar que esse ideal se materialize, quer em virtude de sua força interna, quer graças à intervenção divina ou como o resultado natural do desenvolvimento dos negócios humanos. Podem ainda tentar facilitar sua realização mediante o recurso a meios não políticos, tais como cooperação técnica com outras nações ou organismos internacionais. Contudo, sempre que buscarem realizar o seu objetivo por meio da política internacional, eles estarão lutando por poder.” Morgenthau, H.J., “A Política entre as Nações. A luta pelo poder e pela paz”

4 Kenneth Waltz – “O Homem, o Estado e a Guerra”, 2004.
Na anarquia, não há harmonia automática....O Estado usará a força para alcançar suas metas se, depois de avaliar as perspectivas de sucesso, der mais valor a essas metas do que aos prazeres da paz. Sendo cada Estado o juiz final de sua própria causa, qualquer Estado pode a qualquer momento empregar a força para implementar suas políticas. Como qualquer Estado a qualquer momento pode usar a força, todos os Estados têm de estar constantemente prontos para opor a força à força ou para pagar o preço da fraqueza. As exigências de ação do Estado são impostas, nessa concepção, pelas circunstâncias nas quais todos os Estados se encontram. Kenneth Waltz – “O Homem, o Estado e a Guerra”, 2004.

5 Tese de Livre-Docência, 2005)
Com base nesse princípio, toda iniciativa de um grupo de estados que vise estabelecer uma determinada modalidade de arranjo, ou de concertação no interior do sistema internacional, emprestando-lhe de algum modo formas de regulação (governança) e objetivos comuns, mesmo que sejam expressos em acordos - temporários ou permanentes, limitados ou amplos - só poderá obter sucesso caso sobrevenham algumas das seguintes condições. Em primeiro lugar - e este é um pressuposto inegociável – quando todos os membros do sistema de estados concordarem em respeitar a soberania e a independência dos demais. Em segundo, quando esses estados definirem um campo de entendimentos em torno de um ou mais objetivos comuns que, malgrado a inevitável renúncia de parcelas das suas respectivas soberanias (ou das suas reservas de poder) nessa empreitada, poderão decidir por fazê-lo, por entenderem que, na hipótese de que se tais objetivos forem alcançados, pelo esforço compartilhado, os seus eventuais ganhos poderão superar essas presumidas perdas. (Wanderley M. Costa – “Política e Território em Tempos de Mudanças Globais”, Tese de Livre-Docência, 2005)

6 Em terceiro, na hipótese de que um ou um grupo de estados sejam compelidos, nos casos de derrotas militares ou mediante mecanismos de coerção explícita ou dissuasão de uma ou mais potências, a aceitar eventuais acordos contendo potenciais ou reais impactos na diminuição do seu poder no cenário internacional. Em quarto, quando tais processos de entendimento não só possuam potencial de contribuir para a limitação do uso recíproco da força e a manutenção da paz (também um dos princípios desse sistema), como também coincidam em linhas gerais com os objetivos desse ou de um grupo de estados. (Idem, idem)

7 Trata-se, portanto, pelo menos na aparência, da recorrência histórica de um círculo de fogo do qual o sistema internacional não consegue escapar, ou seja, de que apesar dos inegáveis avanços obtidos nas últimas décadas em direção à construção de uma comunidade internacional baseada em valores e interesses comuns (a paz, a segurança, a liberdade, a justiça e o bem estar material, por exemplo), a idéia de uma convivência pacífica e duradoura entre os povos ainda depende, fundamentalmente, de um jogo político-estratégico com poucos atores, regras antigas, consolidadas e em geral não escritas, do qual essa comunidade – expressa em indivíduos e em sociedade civil - participa muito pouco. É um quadro político marcado pela ambigüidade, ou seja, pela complexa combinação entre progresso e persistência, à imagem dos processos de orogênese e de erosão que ao longo das eras geológicas modificam, desgastam e modelam o relevo, mas que, por mais intensos que sejam, são incapazes de afetar o núcleo duro da terra. O hard core dessas relações políticas entre estados-nações – e especialmente no que se refere às grandes potências – continuaria sendo, desse modo, essencialmente uma política de poder que se expressa concretamente na possibilidade sempre presente do emprego da força militar, seja sob a forma de mecanismos de dissuasão, seja pela coerção, ou seja, o uso da força. (Idem, idem)

8 De acordo com uma abordagem ligeiramente distinta dessas duas anteriores, conhecida como racionalista (alguns preferem chamá-la de weberiana), é notável a percepção de que, em não havendo uma autoridade central nesse sistema, cresce a importância do papel atual de um conjunto de valores que tenderiam a influenciar a ordem internacional, sobretudo mediante a ação das suas instituições multilaterais, os quais expressariam metas ou um sentido de interesses comuns, regras comuns e compromissos com instituições comuns entre os estados, que poderão ser instrumentais (derivadas de um cálculo baseado na sua análise do cenário externo) ou, simplesmente, motivados pela sua adesão a um conjunto de valores internacionais que coincidam com os da sua própria sociedade nacional. Desse campo de valores supranacionais derivam, por exemplo, os fundamentos do direito internacional que expressam, dentre outros, o princípio da igualdade entre os estados. (Idem, idem)

9 Joseph Nye – Compreender os Conflitos Internacionais, 2000
Ainda assim, determinados aspectos em torno da política internacional mantiveram-se os mesmos ao longo dos tempos. O relato de Tucídides sobre o combate entre Esparta e Atenas na Guerra do Peloponeso, 2500 anos atrás, revela semelhanças misteriosas com o conflito israelo-árabe após O mundo no final do século XX é um estranho cocktail de continuidade e mudança. Alguns aspectos da política internacional não se alteraram desde Tulcídides. Existe uma determinada lógica de hostilidade, um dilema de segurança que acompanha a política entre Estados. Alianças, equilíbrios de poder e escolhas de políticas entre a guerra e o compromisso permaneceram semelhantes ao longo dos milênios. Por outro lado, Tulcídedes não teve de se preocupar com armas nucleares, a camada de ozono ou o aquecimento global. A tarefa dos estudantes de política internacional é a de construir a partir do passado sem serem por ele aprisionados, de compreender tanto as continuidades como as mudanças. Temos de apreender as teorias tradicionais e adaptá-las depois às circunstâncias atuais. Joseph Nye – Compreender os Conflitos Internacionais, 2000

10 A política internacional transformar-se-ia se os estados independentes fossem abolidos, mas o governo mundial não se encontra ao virar da esquina. Os povos que vivem em quase 200 estados neste globo desejam a independência, culturas separadas e línguas diferentes. Nas verdade, o nacionalismo e a exigência de independência dos estados, em vez de terem esvaído, aumentaram. Em vez de menos estados, este novo século irá provavelmente assistir ao aparecimento de mais. Um governo mundial não resolveria automaticamente o problema da guerra. A maioria das guerras atuais são guerras civis ou étnicas. Desta forma, quando hoje falamos de política internacional, referimo-nos habitualmente a este sistema de estado territorial e definimos política internacional como a política na ausência de um soberano comum, a política entre entidades sem um poder acima delas. Idem, idem

11 A Sociedade Anárquica (Hedley Bull)
Sustenta-se em geral que a existência da sociedade internacional é desmentida em razão da anarquia, ou seja, da ausência de governo ou de regras. É óbvio que, ao contrário dos indivíduos que vivem no seu interior, os estados soberanos não estão sujeitos a um governo comum, e que neste sentido existe uma "anarquia internacional" - expressão que Goldsworthy Lowes Dickinson tornou famosa. No moderno debate sobre as relações internacionais um tema persistente tem sido o fato de que, devido a essa anarquia, os estados não formariam na verdade um tipo de sociedade, o que só poderia acontecer se eles estivessem sujeitos a uma autoridade comum.

12 Um apoio intelectual importante a essa doutrina é o que chamei de analogia interna, o argumento transferido da experiência dos indivíduos na sociedade nacional para a experiência dos estados: estes, da mesma forma que os indivíduos, só são capazes de uma vida social ordenada se, nas palavras de Hobbes, sentem respeito e temor em relação a um poder comum." No caso do próprio Hobbes e dos seus sucessores, a analogia com a sociedade nacional assume simplesmente a forma da afirmativa de que os estados, ou os príncipes soberanos, como os indivíduos que vivem fora da jurisdição de um governo, encontram-se no estado natural, que é o estado de guerra. Para Hobbes, e outros pensadores dessa escola, não deveria ou poderia existir um contrato social dos estados que pusesse fim à anarquia internacional.

13 Das três características principais atribuídas por Hobbes ao estado de natureza só a terceira poderia ser aplicada às relações internacionais no mundo moderno - a existência de um "estado de guerra", no sentido de que há uma disposição da parte de todos os estados de fazer a guerra contra todos os demais. Com efeito, mesmo quando estão em paz, os estados soberanos mostram a disposição de guerrear entre si, na medida em que todos se preparam para a guerra e consideram que a guerra é uma das opções que se abrem para eles.

14 Tem-se argumentado que em todas as sociedades a ordem é uma forma de conduta que sustenta os objetivos primários ou elementares da vida social. Neste sentido a ordem é mantida por um senso de interesses comuns nesses objetivos elementares ou primários, por regras que prescrevem a forma de conduta que os sustentam e por instituições que tornam essas regras efetivas. Em qualquer sociedade a ordem é mantida não só pelo senso de interesses comuns de criar ordem ou em evitar a desordem, mas por regras que explicitam quais os tipos de conduta que são compatíveis com a ordem pública. Assim, o objetivo da segurança contra a violência é sustentada por regras que restringem o uso da violência; o objetivo da estabilidade dos acordos, pela regra de que os acordos devem ser cumpridos; e a meta da estabilidade da posse, pela regra de que os direitos à propriedade, pública ou privada, devem ser respeitados. Essas regras podem ter o status de lei, moral, costume ou etiqueta; ou ainda, simplesmente de regras de procedimento - as "regras do jogo".

15 A manutenção da ordem na sociedade internacional tem como ponto de partida o desenvolvimento, entre os estados, de um sentido dos interesses comuns como meta elementar da vida social. Por mais diferentes e conflitantes que sejam esses interesses, os estados têm em comum a visão dessas metas como instrumentais. Sua percepção dos interesses comuns pode derivar do temor da violência irrestrita, da instabilidade dos acordos ou da insegurança da sua independência ou soberania. Pode ter origem em um cálculo racional do desejo dos estados de aceitar restrições recíprocas à sua liberdade de ação, como pode basear-se também no tratamento dessas metas como valiosas em si mesmos, e não apenas como um meio para alcançar determinado fim: pode expressar um sentido de comunidade de valores, assim como de interesses comuns.

16 Ordem Internacional A manutenção da ordem na sociedade internacional tem como ponto de partida o desenvolvimento, entre os estados, de um sentido dos interesses comuns como meta elementar da vida social. Por mais diferentes e conflitantes que sejam esses interesses, os estados têm em comum a visão dessas metas como instrumentais. Sua percepção dos interesses comuns pode derivar do temor da violência irrestrita, da instabilidade dos acordos ou da insegurança da sua independência ou soberania. Pode ter origem em um cálculo racional do desejo dos estados de aceitar restrições recíprocas à sua liberdade de ação, como pode basear-se também no tratamento dessas metas como valiosas em si mesmos, e não apenas como um meio para alcançar determinado fim: pode expressar um sentido de comunidade de valores, assim como de interesses comuns.

17 A Ordem Internacional Estados Nacionais Sistema Internacional
Empresas Transnacionais ONGs Organizações Religiosas Grupos Terroristas Subsistema Jurídico Subsistema Institucional Configuração Geopolítica Carta da ONU Legislação Internacional Convenções/Tratados/Acordos Cortes Internacionais ONU OMC Blocos Regionais O espaço interestatal O espaço internacional Rede de Relações

18 As regras de coexistência incluem também aquelas que prescrevem a conduta para sustentar o objetivo da estabilização do controle ou jurisdição de cada estado sobre o seu próprio território e a sua população. No centro desse complexo de regras está o princípio de que todos os estados aceitam o dever de respeitar reciprocamente a soberania ou jurisdição suprema de todos os demais estados sobre o seu domínio territorial e os seus cidadãos. Um corolário, ou quase corolário, desta regra fundamental é o de que os estados não devem intervir pela força ou ditatorialmente nos assuntos internos dos demais. Outra regra é a que estabelece a "igualdade" de todos os estados, no sentido de que tenham os mesmos direitos de soberania. Em terceiro lugar há o complexo de regras que regulam a cooperação entre os estados, em escala universal ou mais limitada, além da que é indispensável para a simples coexistência. Ele inclui regras que facilitam a cooperação, não apenas política e estratégica, mas também social e econômica. A expansão, neste século, das normas legais sobre a cooperação entre os estados no campo econômico, social, ambiental e das comunicações exemplifica o papel das regras de cooperação, assunto que será examinado no capítulo 6.

19 Se as idéias da justiça entre os estados ou internacional têm um papel dominante nas circunstâncias atuais da política mundial, em que os estados são os atores mais importantes, e as idéias de justiça humana têm um papel menos importante, a noção de justiça mundial ou cosmopolita desempenha um papel ainda menor. A sociedade ou comunidade mundial, cujo bem comum ela pretende definir, por ora só existe como uma idéia ou um mito. É óbvio que a ordem internacional existente não satisfaz algumas das aspirações de justiça mais profundas e que contam com o apoio mais amplo. Com relação ao cenário internacional contemporâneo, ele é marcado não só pelo conflito entre os estados preocupados fundamentalmente com a preservação da ordem e aqueles que atribuem prioridade às mudanças justas, como observou o professor Mazrui, mas também pela tensão inerente entre a ordem proporcionada pelo sistema e pela sociedade dos estados e as várias aspirações por justiça presentes na política mundial, manifestadas persistentemente de uma maneira ou de outra.

20 Na sociedade internacional, como em outras sociedades, o sentido da existência de interesses comuns nos objetivos elementares da vida social não proporciona, em si mesmo, uma orientação precisa sobre as modalidades de conduta consistentes com esses objetivos; esta é a função das regras. Regras que podem ter status de direito internacional, norma moral, costume ou prática estabelecida; como podem ser simplesmente regras operacionais, "regras do jogo" desenvolvidas sem um acordo formal e até mesmo sem comunicação verbal entre as partes. Não é incomum que uma regra surja, em princípio, em caráter operacional, para tornar-se prática estabelecida e, tendo atingido a condição de princípio moral, incorporar-se finalmente de forma explícita em uma convenção legal. Esta parece ter sido a gênese, por exemplo, de muitas das regras que hoje fazem parte de tratados ou convenções multilaterais sobre a guerra, as relações diplomáticas e consulares e o direito marítimo.

21 As idéias da justiça mundial ou cosmopolita só são realizáveis (se o são) no contexto de uma sociedade mundial ou cosmopolita. O quadro da ordem internacional não é favorável às demandas pela justiça humana, que representa presentemente um ingrediente muito poderoso da política mundial. A sociedade internacional reconhece a noção dos deveres e direitos humanos que podem ser levantados contra o estado a que um determinado indivíduo pertence, mas se sente inibida de implementá-la, fazendo-o só de forma seletiva e distorcida. Conforme observa o professor Marzui, se assim fosse, a Carta das Nações Unidas daria um lugar de honra aos direitos humanos em lugar da preservação da paz e da segurança.

22 No atual contexto da ordem internacional há outro obstáculo à realização da justiça humana. Quando as questões relativas à justiça humana ganham uma posição preeminente na agenda da discussão política mundial, isto se deve ao fato de que determinados estados adotam a política de levantar esses temas. Terminada a Primeira Guerra Mundial o mundo ouviu falar na culpa do Kaiser pela guerra, e depois da Segunda Guerra Mundial testemunhou o julgamento e a punição de líderes e militares alemães e japoneses por crimes de guerra e crimes contra a paz. Mas não houve julgamento e punição dos líderes e militares norte-americanos, ingleses e soviéticos que, prima facie podem ter tido a mesma culpa de Göering, Yamamoto e outros em desrespeitar suas obrigações humanitárias. O que não significa que a idéia de julgar e punir criminosos de guerra mediante um processo internacional seja injusta ou imprópria, mas o certo é que ela é aplicada seletivamente. O fato de que essas pessoas, e não outras, foram processadas pelas potências vitoriosas foi um mero acontecimento no âmbito da política de poder.

23 A ordem internacional não proporciona nenhuma proteção geral e abrangente dos direitos humanos, mas somente uma proteção seletiva determinada não pelos méritos de cada caso, mas pelas circunstâncias variáveis da política internacional. Há ainda outro obstáculo. Mesmo nos casos em que a sociedade internacional permite uma ação orientada para a realização da justiça humana, em conseqüência das circunstâncias flutuantes da política internacional, a ação não é exercida diretamente sobre determinados indivíduos, mas por meio da mediação de estados soberanos, que a adapta a seus próprios objetivos.

24 Considere-se, por exemplo, o papel desempenhado na ordem internacional pela instituição do equilíbrio de poder. É uma instituição que pode violar as noções corriqueiras de justiça ao sancionar a guerra contra um estado cujo poder ameaça tornar-se preponderante, sem haver praticado qualquer transgressão legal ou moral, sacrificando os interesses dos pequenos estados, que podem ser absorvidos ou fracionados para servir aos interesses do equilíbrio de poder; ou, no caso do "equilíbrio do terror" - sua variante contemporânea - pelo aumento e a exploração do risco da destruição. Apesar de tudo, trata-se de uma instituição que tem hoje e teve no passado um papel fundamental na preservação da ordem no sistema internacional.

25 Considere-se também o papel de outra instituição: a guerra
Considere-se também o papel de outra instituição: a guerra. A guerra desempenha também um papel fundamental na manutenção da ordem internacional, no fortalecimento do direito internacional, na preservação do equilíbrio de poder e na realização de mudanças consideradas consensualmente como justas. Ao mesmo tempo, a guerra pode ser um meio para subverter as regras do direito internacional, para prejudicar o equilíbrio de poder e impedir mudanças justas, ou para promover mudanças que sejam injustas. Por outro lado, a guerra é um meio que, uma vez empregado, justa ou injustamente, pode desenvolver um momentum próprio, deixando de ser um instrumento administrado por aqueles que a iniciaram, transformando-os e modificando de forma surpreendente a situação em que se encontram.

26 Consideremos novamente o direito internacional
Consideremos novamente o direito internacional. Ele santifica o status quo sem proporcionar um processo legislativo pelo qual suas normas possam ser alteradas pelo consentimento geral, provocando assim pressões para que a lei seja violada em nome da justiça. Em seguida, quando ocorre essa violação, e uma nova situação é criada pelo triunfo não necessariamente da justiça, mas da força, o direito internacional passa a aceitá-la como legítima, e aceita também os meios empregados para efetuá-la. No dizer de Mazrui, o direito internacional condena a agressão, mas quando ela tem êxito deixa de ser condenada.

27 Além disso, contrariamente a muitas idéias superficiais sobre o assunto, essa tendência do direito internacional para se acomodar à política de poder não é um defeito infeliz mas remediável, que pudesse ser corrigido pelas boas obras de algum professor de direito internacional, de espírito elevado, ou por algum relatório engenhoso de uma Comissão de Direito Internacional. Há muitos motivos para acreditar que esta característica do direito internacional, que o coloca em conflito com a justiça elementar, é essencial para o seu funcionamento; que se deixasse de existir o direito internacional perderia todo contato com a realidade, inviabilizando o seu papel.

28 Em terceiro lugar há a posição liberal ou progressista, que sempre representou uma matriz importante no pensamento sobre a política externa no Ocidente. Talvez sem negá-la completamente ela reluta em aceitar a idéia de que haja, necessariamente, na política mundial um conflito entre a ordem e a justiça, e está sempre em busca de modos de conciliar esses dois valores. Está claro que as exigências de preservação da ordem e de promoção de mudanças justas na política mundial não se excluem mutuamente, e que poderá, às vezes, haver condições de conciliá-las. Para ser duradouro, qualquer regime que proporcione ordem na política mundial precisará responder, pelo menos em certa medida, às demandas por mudanças justas. Em conseqüência, uma busca esclarecida da ordem levará em conta essas demandas. Da mesma forma, a exigência de mudanças justas precisará levar em conta a manutenção da ordem internacional. Com efeito, mudanças realizadas só estarão garantidas se forem incorporadas em algum regime que proporcione ordem à sociedade internacional.

29 Algumas vezes é possível provocar urna mudança considerada justa com o assentimento das partes afetadas e, neste caso, não haverá qualquer prejuízo para os fundamentos da ordem internacional. A liberação dos povos africanos e asiáticos dos impérios coloniais europeus foi acompanhada por violência e desordem, e aqueles que lutaram contra o domínio colonial subordinaram conscientemente a ordem à justiça. O conflito entre a ordem internacional e as exigências de mudanças justas surjam nos casos em que não há esse consenso sobre o que a justiça implica, e quando pressionar pela justiça significa reabrir questões que o pacto da coexistência dos estados não permite que sejam abertas e discutidas. Assim, por exemplo, se houvesse consenso nas Nações Unidas, incluindo todas as grandes potências, em favor da intervenção militar na África do Sul destinada a assegurar a auto-determinação e os direitos políticos da população negra, uma tal intervenção poderia não ser considerada uma ameaça à ordem internacional, sendo vista até mesmo como um reforço a essa ordem por confirmar um novo grau de solidariedade moral entre os estados.

30 Considere-se por outro lado a função exercida na manutenção da ordem internacional pela posição especial das grandes potências. Elas contribuem para a ordem internacional mantendo os sistemas locais de hegemonia dentro dos quais a ordem é imposta a partir de cima, colaborando para administrar o equilíbrio global de poder e, de tempos em tempos, impondo sua vontade coletiva a outros estados. Quando prestam esses serviços à ordem internacional as grandes potências o fazem ao preço de uma injustiça sistemática com relação aos direitos dos estados menores: a injustiça sentida pelos estados que estiveram sob a hegemonia soviética na Europa Oriental ou que se encontram sob a hegemonia norte-americana no Caribe. Injustiça que foi incorporada à Carta das Nações Unidas, quando prescreve um sistema de segurança coletiva que não pode funcionar contra as grandes potências, a mesma injustiça sofrida pelas pequenas potências quando as grandes entram em acordo para chegar a uma decisão que contraria os interesses dos pequenos. Em um plano abstrato, não há incompatibilidade geral entre a ordem, no sentido em que foi aqui definida, e a justiça em qualquer um dos sentidos em que a consideramos neste trabalho.

31 Pode-se dizer que a preservação do equilíbrio do poder preencheu três funções históricas no moderno sistema de estados: A existência de um equilíbrio de poder geral abrangendo a totalidade do sistema internacional serviu para impedir que o sistema fosse transformado, pela conquista, em um império universal. Em determinadas regiões, a existência de equilíbrio de poder localizado serviu para proteger a independência dos estados, impedindo que fossem absorvidos ou dominados por uma potência localmente preponderante. Quando houve equilíbrio de poder geral ou local surgiram as condições para o funcionamento de outras instituições das quais dependem a ordem internacional (diplomacia, guerra, direito internacional, administração pelas grandes potências).

32 É verdade que as tentativas de criar um equilíbrio de poder nem sempre resultaram na preservação da paz. No entanto, a principal função do equilíbrio de poder não é preservar a paz, mas sim preservar o próprio sistema de estados. A manutenção do equilíbrio de poder exige a guerra, quando ela é o único meio de deter a expansão de um estado potencialmente dominante. Pode-se argumentar, porém, que a preservação da paz é um objetivo subsidiário do equilíbrio de poder. Quando o equilíbrio de poder é estável (isto é, se tem características que permitem a sua persistência) pode tornar desnecessário o recurso a uma guerra preventiva.

33 Constitui um paradoxo do princípio do equilíbrio do poder o fato de que, embora a existência desse equilíbrio seja uma condição essencial para o funcionamento do direito internacional, os passos necessários para mantê-lo implicam, muitas vezes, violação de normas do direito internacional. No entanto, enquanto o direito internacional depende, para a sua própria existência do funcionamento, de um sistema de regras sobre o equilíbrio de poder, a preservação de tal equilíbrio exige, freqüentemente, que essas regras sejam violadas. No entanto, a preservação do equilíbrio de poder exige o uso ou a ameaça do emprego da força em resposta ao aumento do poder de um estado, tenha ou não havido violação das normas legais. As guerras iniciadas com o objetivo de restaurar o equilíbrio de poder, as ameaças de guerra para mantê-lo, as intervenções militares nos assuntos internos de um estado para combater a influência do poder de um terceiro estado, tenha ou não havido violação de normas legais, fazem com que as exigências do equilíbrio de poder entrem em conflito com os imperativos do direito internacional.

34 Direito Internacional
A definição do direito internacional que propusemos o descreve como um conjunto de regras que governam a interação recíproca não só dos estados como de outros agentes no campo da política internacional. No século XIX aceitava-se habitualmente a afirmativa de que só os estados eram sujeitos do direito internacional, qualquer que fosse a função desempenhada na política internacional por outros atores (por exemplo: por indivíduos, por outros grupos que não o Estado, ou organizações internacionais e intergovernamentais), estes não podiam ser sujeitos do direito internacional, mas apenas seus objetos. Atualmente, porém, muitos juristas consideram que esses atores são também sujeitos do direito internacional, assim como os estados. Em outras palavras, não só são afetados pelas normas do direito internacional como têm direitos e deveres que lhes são atribuídos por essas normas.

35 Na definição dada, o direito internacional é considerado como um conjunto de regras com status de lei. Não há dúvida de que há regras que os estados e os outros agentes da política internacional consideram reciprocamente obrigatórias. É por isso que podemos dizer que existe uma "sociedade internacional". No entanto, há controvérsia sobre se essas normas, ou algumas delas, têm realmente o status de lei. Ao longo de toda a história moderna, tem havido uma tradição intelectual que procura negar a natureza propriamente "legal" do direito internacional, com base na consideração de que uma característica essencial da lei é ser o produto de sanções, da força ou coerção. A origem dessa tradição deriva de Hobbes, para quem 'não há lei quando falta um poder comum"." Isto não significa, porém, que o direito internacional não mereça ser chamado de "lei". Essa conclusão é rejeitada por dois grupos teóricos: o grupo que argumenta que, embora não exista um governo mundial, o direito internacional baseia-se em sanções, na força ou na coerção e o grupo que aceita que, na verdade, falta esta base mas contestam a afirmação de que a lei precisa ser definida em termos de coerção.

36 De acordo com Kelsen, dentro do estado, a lei é implementada por uma autoridade central que tem essa responsabilidade. Em contraste, na sociedade internacional as sanções são aplicadas individualmente por seus membros, de acordo com o princípio da autodefesa, e incluem retaliações e a própria guerra. Podem ser aplicadas não só pelo estado vitimado imediatamente pela violação da lei mas por outros estados que lhe prestem ajuda para esse fim. Tais atos de represália ou de guerra destinados a aplicar a lei internacional representam ações em nome da comunidade. Ke1sen defende a idéia de que, como em certos sistemas de direito primitivo em que as sanções são autorizadas pela aceitação geral do princípio da "vingança de sangue", existe no direito internacional o elemento essencial da coerção, em virtude do desejo e da capacidade dos membros da sociedade de fazer valer seus direitos mediante o recurso à autodefesa. Para ele, o princípio da autodefesa existe também na sociedade nacional ou local, na medida em que, embora a implementação da lei caiba primordialmente ao mecanismo "centralizado" do estado, os cidadãos guardam certos direitos elementares de autodefesa. Kelsen reconhece também que a sociedade internacional pode conter alguns elementos de implementação centralizada, tais como os mecanismos de segurança coletiva da Liga das Nações e das Nações Unidas.

37 De fato, a eficácia do direito na sociedade internacional depende de medidas de autodefesa. Na ausência de uma autoridade central com poder preponderante, algumas regras do direito internacional são sustentadas por medidas de autodefesa tomadas individualmente pelos estados, inclusive a ameaça e o emprego da força. Quando um estado recorre à autodefesa, porque está sujeito a um ataque ou a uma ameaça de ataque, e o seu direito à independência corre perigo, podemos admitir não só que ele está defendendo seus direitos mas também que esses direitos não podem ser sustentados de outra forma. Embora nem todas as regras do direito internacional dependam, para a sua efetividade, de atos coercitivos de autodefesa, em conjunto, o sistema do direito internacional pode depender desse recurso. Por isso há uma vinculação estreita entre a eficácia do direito na sociedade internacional e o funcionamento do equilíbrio de poder.

38 No entanto, a idéia de que o direito internacional pode ser apropriadamente chamado de "lei" tem importantes conseqüências práticas, e o debate sobre este ponto não é irrelevante ou estéril. Como atividade prática, o direito internacional tem muito em comum com a lei interna. A linguagem e os procedimentos são muito semelhantes. A moderna profissão do advogado abrange o direito internacional ao lado do direito interno de determinados países. A atividade dos que trabalham com o direito internacional público e privado (estadistas e seus consultores jurídicos, os tribunais nacionais e internacionais, as assembléias internacionais) desenvolve-se com base na premissa de que as regras envolvidas são regras com força de lei. Se os direitos e deveres afirmados por essas regras fossem considerados apenas normas de moralidade ou de etiqueta, todo o corpus dessa atividade não poderia existir. Quaisquer que sejam as dificuldades teóricas implicadas, o fato de se acreditar que tais regras têm o status de lei torna possível um conjunto de atividades que desempenham papel importante na sociedade internacional.

39 Indubitavelmente há uma coincidência substancial entre a conduta internacional e a que é prescrita pelas regras do direito internacional. Se fosse possível ou útil realizar um estudo quantitativo da obediência às regras do direito internacional ele provavelmente mostraria que a maior parte dos estados obedecem, a maior parte do tempo, à maioria dessas regras. Qualquer estado que viva em paz com pelo menos um outro estado, mantendo com ele relações diplomáticas, intercambiando dinheiro, bens e viajantes, ou que faça um acordo com outro estado, estará envolvido constantemente com a obediência às regras do direito internacional. Embora estejam errados ao argumentar que o direito internacional não tem eficácia, os que assim o fazem têm razão quando insistem que o respeito pela lei não é em si mesmo o principal motivo que explica a conformidade da conduta com o que é prescrito pelo direito. () direito internacional é uma realidade social, uma vez que implica um grau de aceitação muito importante das suas regras. O que não significa, porém, que seja um agente poderoso ou uma força motivadora da política mundial.

40 Os estados obedecem ao direito internacional em parte por hábito ou inércia. Eles são programados, por assim dizer, para funcionar dentro de um quadro de princípios estabelecidos. À medida que tal conformidade com a lei é um produto de deliberação ou cálculo, ela resulta de três tipos de motivação. Em primeiro lugar, a obediência pode ser conseqüência do fato de que, além de ser uma exigência legal, a ação ordenada pela lei seja considerada valiosa, mandatória ou obrigatória, como um fim em si mesmo, como parte de um conjunto mais amplo de valores ou ainda como meio para a realização desses valores. As normas aplicadas primordialmente, por essa razão, são conhecidas, às vezes, como "direito internacional da comunidade". Às vezes, o argumento de que os estados só obedecem a lei por motivos ulteriores, ou só o fazem quando a lei coincide com os seus próprios interesses, é usado como se fosse o bastante para desmoralizar a pretensão do direito internacional de ser levado a sério. Naturalmente, esse argumento não procede. A importância do direito internacional não repousa sobre a disposição dos estados de seguir esses princípios em detrimento dos seus próprios interesses, mas no fato de que eles, com muita freqüência, consideram do seu interesse comportar-se de acordo com as normas do direito internacional. "

41 Qual é o papel da lei em relação à ordem internacional
Qual é o papel da lei em relação à ordem internacional? A primeira função do direito internacional tem sido identificar a noção de uma sociedade de estados soberanos, como supremo princípio normativo da organização política da humanidade. É o que chamamos, no Capítulo 2, de princípio fundamental ou constituinte da política mundial na era atual. Durante a presente fase do sistema moderno de estados a ordem tem sido alcançada, na grande sociedade composta pela espécie humana, por meio da aceitação geral do princípio de que os homens e a superfície da Terra estão divididos em estados, cada um deles com a sua esfera de autoridade, unidos por um conjunto de normas comuns. No entanto, não é só pela imposição de restrições à conduta que o direito internacional ajuda a promover a aceitação das regras básicas da sociedade internacional. De modo especial, o direito internacional proporciona um meio pelo qual os estados podem anunciar suas intenções com respeito ao assunto em questão, oferece uma garantia mútua sobre a futura política a ser adotada, especifica precisamente qual a natureza do acordo, sua extensão e seus limites e , além disso, confere solenidade ao acordo, criando assim a expectativa da sua permanência.

42 Muitas autoridades reconhecem também o status de sujeitos do direito internacional a outras entidades além dos estados. Entre essas entidades estão as Nações Unidas e outras organizações intergovernamentais de âmbito universal ou quase universal, as organizações intergovernamentais regionais e as organizações internacionais não governamentais, como associações profissionais e científicas, fundações não lucrativas e organizações econômicas multinacionais. Segundo algumas autoridades, o fato de que os estados deixaram de ser os únicos sujeitos do direito internacional, compartilhando agora essa condição ao lado dos indivíduos e outros grupos, anuncia uma mudança em relação ao que, no passado, era o direito entre os estados. Haveria assim um direito da comunidade mundial, ou estaríamos nos aproximando desse direito. Philip Jessup escreveu sobre a transição do direito internacional para o "direito transnacional", ou direito que regula todos os eventos ou ações que transcendem as fronteiras nacionais, quer envolvam estados, indivíduos, organizações internacionais, empresas ou outros atores.

43 Com relação à mudança na abrangência do direito internacional, está claro que desde a Segunda Guerra Mundial tem havido um enorme crescimento da parte desse direito que regula temas econômicos, sociais, de comunicações e ambientais, diferentemente dos assuntos políticos e estratégicos, que no passado representaram o seu foco principal. Levada logicamente ao extremo, a doutrina dos direitos humanos e responsabilidades diante do direito internacional é subversiva com relação ao princípio de que a humanidade deve ser organizada como sociedade de estados soberanos. Com efeito, se os direitos de cada indivíduo podem ser afirmados no cenário político mundial, contrariando as exigências de seu estado, e se esses deveres podem ser proclamados independentemente da sua situação como funcionário ou cidadão desse estado, então a soberania do estado exercida sobre os seus cidadãos, que implica dever de obediência, é contestada, e a estrutura da sociedade dos estados soberanos é posta em cheque. Abre-se assim o caminho para a subversão da sociedade dos estados soberanos, em nome de um princípio alternativo de organização de uma sociedade cosmopolita.

44 Da mesma forma, a noção de que os órgãos internacionais ou "supra-nacionais" estão sujeitos ao direito internacional traz em si as sementes da subversão da sociedade dos estados soberanos, em favor do princípio de organização segundo o qual as instituições internacionais (ou um conjunto dessas instituições) deslocam os estados soberanos como principais titulares de direitos e deveres no cenário político mundial. A ampliação do escopo do direito internacional, de modo a abranger temas econômicos, sociais, de comunicações e ambientais, representa um fortalecimento da contribuição do direito à ordem internacional, no sentido de que ele' proporciona um meio de tratar novas ameaças a essa ordem. O crescente' impacto recíproco da política dos estados nesses campos é uma fonte de conflitos e desordem que as normas legais internacionais podem conter. Se o direito internacional não reagisse a esses desenvolvimentos, ampliando a sua abrangência, seriam ainda maiores as ameaças à ordem internacional derivadas do aumento da interdependência nos campos econômico, social, de comunicações e ambiental.

45 GEOPOLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS Da Guerra Fria à Uni-Multipolaridade

46 Como reconhecido por todos os analistas da cena internacional, a ordem
mundial alterou-se radicalmente com os resultados da Segunda Guerra Mundial, quando dois processos de magnitude mundial atingem o núcleo e a periferia desse sistema. Primeiro, devido à configuração geopolítica que resultou dos acordos do pós-guerra (Conferência de Yalta), quando as duas maiores potências (circunstancialmente) aliadas no conflito estabeleceram os termos da partilha das suas respectivas esferas de influências. A União Soviética ampliou o seu domínio e estendeu-o até o centro da Europa (incluindo a porção oriental da Alemanha), enquanto os EUA assumiam o controle estratégico da porção ocidental do continente, do Atlântico e de boa parte da Bacia do Pacífico, após infligir ali uma pesada derrota às forças japonesas. Com o novo equilíbrio de poder envolvendo essas duas superpotências constituía-se, assim, essa nova ordem, desta feita de natureza bipolar, uma configuração geopolítica inédita na história das relações políticas entre as nações do mundo.

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54 Guerra Fria

55 Guerra da Coréia (1953) Os países não-alinhados (1955) Invasão da Hungria (1956) Guerra de Suez (1956) Crise dos Mísseis (1962) Guerra do Vietnã (1966) Invasão da Tchecoeslováquia (1968) América Latina – golpes

56 Outro aspecto que deve ser destacado nesse período do pós-guerra é a
intensificação da crise e, na prática, o colapso do antigo e desgastado sistema colonial, processo estimulado pela combinação da ruína econômica e militar das metrópoles e pela rápida politização dos movimentos internos de diversos países, sobretudo no continente africano. Para alguns desses países, estavam dadas as condições para deflagrarem os seus movimentos de libertação nacional, mesclando-os mais ou menos explicitamente com projetos políticos inspirados no crescimento da influência do socialismo. Como resultado desses movimentos de emancipação, mais intensos durante os anos sessenta, a ONU que se consolidara no seu papel de estrutura funcional desse novo sistema, passou de 51 países-membros, quando da sua criação em 1945, para 120, em 1970.

57 A criação da ONU em 1945 expressou a dupla face dessas transformações na política internacional. A primeira, porque representou a mais importante experiência de institucionalização desse sistema que superava desse modo a sua natureza de simples concertação interestatal. A segunda porque essa institucionalização mantinha e explicitava o novo equilíbrio de poder, no qual ficava preservado o papel proeminente das grandes potências, ao lado do reconhecimento formal do princípio que assegura a igualdade entre todos os estados soberanos, independentemente do seu poder.

58 A evolução das relações internacionais no século XX
Até 1919 De 1919 a 1945 De 1945 a 1990 De 2001 a 2010

59 O Mundo em 1945 – segundo a ONU
Países fundadores da ONU Outros territórios dependentes Países filiados à ONU após a criação do órgão Estados sob tratado especial com membro da ONU Territórios que em 1949 estavam sob administração da ONU Estados não-membros Territórios administrados pelo mandato da Liga das Nações Fonte:Organização das Nações Unidas

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61 Adesão à ONU (número de países)

62 O Mundo hoje – segundo a ONU
Estados membros Territórios sem administração própria Estados não-membros Estados observadores não-membro da ONU Fonte:Organização das Nações Unidas

63 Tomando o contexto político mundial do período 1945-1970 como sendo
emblemático da constituição do que denominamos de uma ordem mundial contemporânea, cabe sublinhar alguns dos pressupostos e características predominantes dessa ordem, tentando apreender, ao menos, a sua peculiar natureza essencialmente bipolar e os contornos da sua transição atual. Os clássicos da teoria das relações internacionais modernas expressam um razoável consenso quanto aos seus pressupostos essenciais e, de modo geral, formularam as suas teorias justamente no ambiente político que se constituiu a partir dos anos trinta do século passado. Para eles, uma ordem internacional é a expressão das relações entre estados soberanos que operam as suas políticas externas com um duplo objetivo: em primeiro lugar, para assegurar – acima de tudo – os seus próprios interesses nacionais e; em segundo, para operar politicamente com vistas à manutenção de um equilíbrio de poder para, com ele, lograr operar em relativa segurança as suas políticas exclusivas ou aquelas compartilhadas com os seus aliados circunstanciais ou permanentes.

64 Durante esse período de quatro décadas de características sem precedentes na história humana, o mundo como um todo esteve submetido às incertezas e aos riscos de um quadro de equilíbrio estratégico-militar que, na hipótese de que pudesse ser rompido por uma das partes, poderia ser desencadeado um conflito armado de proporções inéditas, envolvendo o emprego de artefatos termonucleares de enorme capacidade de destruição, cujas escala e conseqüências para toda a humanidade jamais foram devidamente estimadas por qualquer especialista. Daí que, do ponto de vista da história moderna das relações internacionais baseadas em um sistema de estados e em princípios como o equilíbrio do poder, a explosão das duas bombas atômicas pelos EUA em Hiroshima e Nagasaki, no Japão, em 1945, constituem eventos que simbolizam o início de uma nova era para o mundo. Alçada a um novo patamar com a tecnologia nuclear, a corrida armamentista entre as potências significava desta feita, pela primeira vez, a possibilidade concreta de que em um eventual conflito entre elas a própria sobrevivência da espécie estaria ameaçada.

65 O ápice dessa corrida nuclear e das tensões ocorreu entre o início dos
anos cinqüenta o final dos anos sessenta, durante o qual se sucederam diversos episódios que abalaram seriamente a estabilidade internacional e a segurança coletiva na escala mundial. Em 1949 a União Soviética promovia com sucesso o primeiro teste da sua bomba nuclear. Em 1951 os EUA testaram o seu primeiro artefato termonuclear, ou a bomba de hidrogênio, seguidos pela União Soviética, em Neste mesmo ano, a Grã-Bretanha entrará nesse clube e, em 1957 já possui também a sua bomba de hidrogênio, seguida pela França (1960 e 1968) e pela China (1964 e 1967).

66 Dentre todas elas, a Europa Ocidental foi a que mais duramente sofreu
os efeitos diretos dessas rivalidades, já que as fronteiras entre as áreas sob o domínio dos dois pólos de poder foram estabelecidas justamente na sua porção centro-oriental (mais uma vez), repartindo a Alemanha em duas (incluindo a sua antiga Capital, Berlim) mediante limites fortificados e com as tropas militares de cada lado postadas de forma agressiva nesse palco de tensões e conflitos potenciais. A Europa também representou o pretexto e o foco das preocupações das duas grandes potências, quando estas estruturaram as alianças militares correspondentes a cada um dos blocos antagônicos, a OTAN e o Pacto de Varsóvia. Finalmente, será nesse continente que cada um dos lados também instalará ali parte relevante do seu poder de fogo, com destaque para os artefatos nucleares posicionados em mísseis de médio alcance e direcionados para atingir não apenas o continente europeu, como também parte da Ásia e a América. Episódios como a guerra da Coréia, de 1952 a 1954, a Revolução Cubana, em 1959, a chamada crise da Baía dos Porcos em Cuba (tentativa da URSS de instalar ali uma bateria de mísseis), em 1962, a guerra do Vietnã ( ) e a eclosão de inúmeros movimentos nacionais de descolonização na África e na Ásia, são representativos das situações nas quais as fricções de intensidades variadas se repetiram, envolvendo boa parte das regiões do mundo, especialmente nas bordas dos respectivos sistemas político-territoriais de influência de cada um das potências mundiais.

67 A maioria dos analistas dessa ordem internacional atribui justamente a essa permanente e eficaz política de contenção praticada sistematicamente pelas superpotências, a relativa estabilidade mundial durante os anos da vigência da Guerra Fria, pois, diferentemente de outros períodos históricos, nos quais o equilíbrio de poder e a estabilidade sempre dependeram dos movimentos nem sempre previsíveis de um grupo de grandes potências européias com projetos políticos em geral pouco convergentes, nesse caso, os riscos globais de um confronto nuclear terminaram por se constituir, paradoxalmente, na melhor garantia da paz, conforme assinala Raymond Aron: “Sem dúvida o efeito mais visível do armamento termonuclear foi dissuadir as duas superpotências de chegar à guerra total, incitando-as à moderação, obrigando-as a respeitar mutuamente seus interesses vitais. A tese otimista da paz pelo terror (ou pelo menos, a limitação das guerras pelo medo ao apocalipse termonuclear), fundamenta-se na experiência da humanidade desde o fim da Segunda Grande Guerra.”

68 Apesar dessa aparência de inflexibilidade, abrangência, eficiência, estabilidade e perenidade demonstrada pela ordem bipolar sustentada no período da Guerra Fria, ela também estava sujeita, como as outras que a precederam, às forças de dissolução associadas à imprevisibilidade da dinâmica da política internacional, sempre presentes ao longo da história dos estados modernos. No caso em particular, como podem e devem ser procurados e examinados os pontos vitais de vulnerabilidade e ineficiência desse sistema internacional ou, posto em outros termos, as suas linhas de fratura mais expostas, e as suas próprias contradições que o desgastariam nas suas áreas vitais e acabariam por conduzi-lo, afinal, a um irreversível processo de desestabilização e à sua posterior bancarrota?

69 A questão crucial é que em sistemas desse tipo há um preço a pagar, imposto pelo sistemático funcionamento dessa lógica: a cada passo nessa expansão, tenderão a crescer na mesma proporção os desafios representados pelo controle e a gestão dos territórios, populações e sistemas culturais e políticos crescentemente diversificados. Agrava esse quadro, o fato de que esse crescimento também ampliará as distâncias entre a periferia e o hard core desses mega-impérios. Especialmente em sistemas comandados por uma explícita política de poder, ou seja, pela preponderância da força militar, é previsível que o exercício de um controle permanente em territórios remotos requererá uma logística complexa e de grande escala, em condições, portanto, de enfrentar os movimentos centrífugos, ou seja, as reivindicações por autonomia de todos os tipos, as rebeliões, ou mais explicitamente as revoltas separatistas, muitas delas ocorrendo justamente nas bordas do seu largo espaço de domínio. Em suma, para arranjos político-territoriais com tais características é praticamente inescapável que a sua expansão e manutenção promovam, ao mesmo tempo, o desenvolvimento das contra-forças e dos fatores que poderão um dia minar as suas bases, conduzindo-os ao declínio e à sua própria dissolução.

70 Em segundo, em nenhum sistema internacional sob a hegemonia de uma ou mais potências a sua expansão e consolidação resultou no desaparecimento das chamadas médias potências ou potências regionais, fato que demonstra, em última hipótese, que a construção e a manutenção de um equilíbrio entre os principais pólos de poder possam ter que conviver com um eventual e indesejável processo de descentralização que poderá expressar-se mediante a dissonância ou a aspirações e projetos de “autonomia estratégica” de uma ou mais delas. Guardadas as devidas proporções, uma potência média envolvida em um projeto de construção da sua autonomia no interior de um sistema marcado pela inflexibilidade, não deixa de representar, no presente, o papel equivalente ao de um reino, de um principado ou de uma “província rebelde” no âmbito dos antigos impérios. Daí que seria praticamente impossível para uma ordem internacional contemporânea – como a bipolar, por exemplo - evitar que pudessem florescer nas suas fímbrias e bordas experiências de diversos tipos e intensidades, compreendendo novos e antigos estados de expressão média, e que de algum modo estivessem envolvidos com projetos nacionais de projeção do poder nos seus respectivos contextos regionais.

71 Trata-se de processo que revela, mesmo que muitas vezes de forma sutil, a forte tendência de desenvolver um movimento policêntrico nas camadas inferiores àquela na qual operam com exclusividade as potências de primeira ordem.

72 Em terceiro, é lógica e empiricamente improvável que uma ordem internacional contemporânea como a bipolar, que era formada por uma grande, hierarquizada e diversificada constelação de estados soberanos (muitos dos quais com a independência recém-conquistada), pudesse ser estruturada e comandada à moda dos antigos sistemas de tipo imperial, isto é, a partir de um nível máximo de rigidez que pudesse se refletir horizontalmente – em toda a extensão do espaço político mundial – e verticalmente – em todas as camadas da hierarquia de poder político dos estados. A rigor, uma estrutura de rigidez absoluta como essa só poderia ser concebida enquanto um modelo teórico puramente imaginário, pois nenhum sistema político – nacional ou internacional – desse tipo teria condições reais de existência.

73 Ainda que fosse possível uma experiência em que ele pudesse ali ser eventualmente testado, construindo-o intencionalmente em uma situação-limite de máxima contração, ou seja, segundo a lógica e os elementos típicos de um estado unitário, hiper-centralizado e absolutamente totalitário, por exemplo, os resultados demonstrariam a ocorrência de condições nas quais se manteriam ou seriam alavancados movimentos de natureza excêntrica e de diversas intensidades nessa estrutura, na qual as fissuras não tardariam a se fazer presentes. Em síntese, esse hipotético modelo político-territorial não prosperaria, pois a natureza intrinsecamente diversa e dinâmica dos arranjos político-culturais locais e regionais se encarregaria com o tempo de inviabilizá-lo, na prática. Caso se tentasse transpor esse modelo para os sistemas internacionais, demonstrar-se-ia ainda mais evidente a sua inadequação teórica e prática, pois nesses casos a inspiração e a força motriz dos movimentos excêntricos e a ocorrência das inevitáveis fissuras na sua estrutura político-territorial, derivarão não apenas de princípios e aspirações de autonomia sob diversas formas, mas em um nível superior de complexidade, da própria soberania dos estados.

74 Martin Wight sintetiza de forma simples e contundente esse movimento:
“Eles eram militarmente ineficazes, mas enquanto os blocos comunista e ocidental estivessem em equilíbrio no que se refere ao poderio atômico, eles poderiam esperar, de alguma forma, manejar o equilíbrio de poder. Censuravam, contudo, mais o imperialismo ocidental, que haviam experimentado, do que o imperialismo soviético, que só conheciam por dele terem ouvido falar. Tinham a tendência de identificar as potências ocidentais com o passado, e as potências comunistas, com todas as suas falhas, com o futuro, ao qual eles próprios pertenceriam. Eram também revolucionários, reivindicavam uma mudança no status quo, pois guardavam rancor da diferença cada vez maior entre os padrões de vida deles próprios e da minoria privilegiada da espécie humana que vivia na América do norte e na Europa Ocidental, que constitui um sexto da população mundial, mas que possui um terço da riqueza. Isto lhes deu uma comunhão de perspectiva com as potências comunistas contra o Ocidente conservador, além de um duplo padrão para julgar as duas grandes potências, o que acabou por se tornar mais um fator na guerra fria.”

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76 A primeira é que na história das relações entre política e território, talvez nenhum outro período tenha ilustrado de forma mais eloqüente a predominância de um generalizado quadro de disjunções entre fronteiras políticas e fronteiras étnico-culturais. Nesse processo, grupos étnicos de todos os tipos e inúmeras comunidades tribais primitivas africanos que jamais haviam colocado para si próprios o imperativo de se constituírem em comunidades políticas nacionais territorialmente definidas, mediante fronteiras precisas (naquele seu significado que possuem para o estado soberano europeu clássico), acabaram sendo segregadas ou confinadas – com o emprego de mecanismos explícitos de coerção externa - em compartimentos territoriais diversos e sob o domínio de uma ou mais administrações coloniais. Com isso, segundo a sua lógica e de modo arbitrário, o domínio colonial implantou na África uma particular configuração geopolítica que se sobrepôs de modo cruel a uma diversidade cultural que abrangia 700 grupos étnicos e línguas.

77 Segundo Michel Foucher, que elaborou um notável estudo sobre esses e outros temas relacionados às questões fronteiriças em todo o mundo, mais da metade de todas as fronteiras da África e da Ásia foram implantadas pela Inglaterra e pela França, as duas mais importantes potências coloniais de todos os tempos e quase 90% do total desses traçados na África foram feitos entre 1895 e 1910, ou seja, em um período de apenas quinze anos.

78 A segunda reforça a nossa convicção de que todas as fronteiras nacionais são artificiais por excelência, uma qualidade que lhes é intrínseca, e que é demonstrada sistematicamente pelos fatos que acompanham a história da constituição dos estados soberanos e das relações que estes estabelecem entre si – o sistema de estados ou o sistema internacional – um processo que indica a predominância da natureza política das fronteiras ou, mais especificamente, da sua natureza geopolítica.

79 Logo, que elas constituem linhas e zonas com estabilidade e perenidade relativas e, por vezes, provisórias, pois sempre serão o resultado dos direitos conquistados (a maior parte deles pela violência das guerras) adquiridos ou acordados por dois ou mais estados. Por conseguinte, as fronteiras são configurações ao mesmo tempo jurídicas e geopolíticas por excelência, pois os seus traçados sempre dependerão de resultados mutuamente acordados mediante tratados específicos. Em suma, sejam elas rígidas, fortificadas, flexíveis, porosas ou abertas, as fronteiras tendem a manter esse seu significado primordial para o exercício da soberania dos estados nacionais.

80 Colonização da África

81 Descolonização da África

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83 Asia divided: conflict in the middle of the nineteenth century
Fonte: World Bank, 2009

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85 Essa identidade terceiro-mundista que de certo modo opunha-se à lógica de poder do sistema bipolar fortaleceu-se e a original estratégia política desse grupo de países culminou com a realização da importante Conferência Afro-Asiática de Bandung, em 1955, na qual foi explicitada essa posição frente às questões políticas e de desenvolvimento em geral no mundo e, sobretudo, foram lançadas ali as raízes do que viria a se constituir no movimento dos países não-alinhados (fundado em 1962) e na criação do chamado Grupo dos 77 na política internacional. Outro evento que provocou um forte abalo nos fundamentos desse sistema foi representado pela revolução socialista na China, país que em 1949, tornou-se uma República Socialista, após mais de uma década de guerra civil com forte conteúdo ideológico. Apesar de tratar-se ainda de um país pobre e basicamente camponês, muitos analistas da cena internacional rapidamente observaram que pela sua grande dimensão territorial, população numerosa, força militar expressiva e um regime político altamente centralizado, estava emergindo uma nova potência regional na Ásia com amplas possibilidades – e certamente com aspirações políticas - de atuar de modo decisivo no cenário internacional.

86 Assim, enquanto em uma das frentes de atuação, concentrava-se em um claro esforço de posicionar-se de forma autônoma face às duas potências hegemônicas, em outra, explicitava sem rodeios os seus objetivos de hegemonia no seu espaço geopolítico regional. Neste caso, e em um movimento que tirava evidente proveito da sua vantagem comparativa diante do Japão - o seu proverbial oponente na região e que havia sido praticamente destruído pela guerra – a China projetou rapidamente as suas políticas de poder no Sudeste Asiático, envolvendo-se diretamente na Guerra da Coréia ( ) e na Guerra do Vietnã ( ), em ambas alinhando-se incondicionalmente às forças comunistas. No primeiro evento, postou-se ao lado da URSS em apoio aos comunistas do norte, enfrentando as tropas norte-americanas e seus aliados, ali enviadas sob o manto institucional do Conselho de Segurança da ONU. No segundo, apoiou abertamente a frente popular liderada pelos comunistas, forjada nas lutas nacionais de libertação contra a França e, em seguida, contra a intervenção norte-americana.

87 Países Não-Alinhados

88 A origem do Movimento pode ser encontrada na Conferência Ásia-África realizada em Bandung, Indonésia, em A convite dos primeiros-ministros da Birmânia (hoje Mianmar), do Ceilão (hoje Sri Lanka), da Índia, da Indonésia e do Paquistão, dirigentes de 29 países, quase todos ex-colônias dos dois continentes, reuniram-se para debater preocupações comuns e coordenar posições no campo das relações internacionais. O primeiro-ministro indiano Jawaharlal Nehru, juntamente com os primeiros-ministros Sukarno (da Indonésia) e Gamal Abdel Nasser (Egito), presidiu a sessão. No encontro, líderes do então assim chamado Terceiro Mundo puderam compartilhar as suas dificuldades em resistir às pressões das grandes potências, em manter a sua independência e em opor-se ao colonialismo e ao neocolonialismo.

89 Os acontecimentos dessa época revelam que estava em curso um duplo movimento de largo espectro e longa duração e que seria capaz de moldar a configuração básica das relações internacionais contemporâneas. O primeiro, é aquele representado pela acelerada mundialização dos processos especificamente econômicos, políticos, político-territoriais e estratégico militares, decorrente do alargamento, sem precedentes na história, do número e da capacidade de ação dos estados-nações a partir dos anos cinqüenta. O segundo, é aquele associado à formidável diferenciação do espaço político mundial que apesar da sua rigidez, decorrente de uma ordem bipolar nos aspectos essenciais da repartição e do equilíbrio de poder vigentes, tornou-se viável pelo desenvolvimento simultâneo de uma estrutura razoavelmente hierarquizada e nem sempre coordenada, graças, sobretudo, à existência de uma órbita próxima ao centro, ocupada pelas potências médias e regionais e por outra – periférica - ocupada por mais de uma centena de novos estados, a maioria dos quais com as suas independências recém-conquistadas.

90 Além disso, a combinação entre as histórias regionais particulares e esse processo de mundialização hierarquizada produziu, também, uma nova regionalização do mundo, do ponto de vista econômico e político-territorial. Ela impulsionou mudanças baseadas em antigas relações de solidariedade, de competição ou de animosidades entre grupos, nações, dinastias e impérios, e que foram substituídas por aquelas vinculadas à nova configuração política mundial, na qual passou a predominar, além das grandes potências com o seu antagonismo estrutural, uma constelação de estados soberanos com as suas novas redes de relações políticas que serão a expressão, em cada caso, dos seus alinhamentos e das posições e prioridades estratégicas nas suas respectivas regiões.

91 Esse processo de mudanças vai intensificar-se nos anos setenta, marcados por um conjunto de eventos de grande repercussão internacional. Em 1972 ocorre a primeira alteração de monta na antiga e rígida estrutura do sistema bipolar com a celebração do acordo bilateral – diplomático, político e comercial - entre os EUA e a China, um evento que tem sido considerado como um dos mais notáveis das relações internacionais contemporâneas, já que representou a aproximação das duas grandes potências com notórias rivalidades no plano regional asiático e pavimentou, assim, o longo caminho da distensão política mundial e da integração chinesa na economia mundial, processos que se intensificariam a partir da década seguinte.

92 O terceiro é simbolizado pelo início das negociações entre as duas grandes potências visando o controle e a limitação das suas armas nucleares, em um explícito movimento na direção de uma distensão – a détente - nessa ordem internacional, desde o início da Guerra Fria. Sob esse aspecto, deve-se registrar o importante papel da ONU nesse processo, com diversas iniciativas, como a criação da Comissão de Energia Atômica, em 1946 e da Agência Internacional de Energia Atômica, em 1956, culminando pelo Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, em 1968, que passou a vigorar em 1970. É nesse novo ambiente, que a partir de meados da década, os EUA e a União Soviética iniciam as negociações bilaterais visando à redução dos seus respectivos arsenais (o SALT), inaugurando o período da chamada “coexistência pacífica” entre as duas potências em especial durante o governo de Richard Nixon nos EUA. O quarto pode ser associado ao notável crescimento econômico da Europa Ocidental, impulsionado principalmente pelo apoio norte-americano na sua reconstrução do pós-guerra - o Plano Marshall – e pelos efeitos positivos da constituição do Mercado Comum Europeu, formalizado em Neste caso, os papéis políticos proeminentes da França e da Alemanha foram decisivos, motivadas que estavam, sobretudo, por uma estratégia comum que visava superar a sua secular rivalidade no continente e, ao mesmo tempo, estabelecer uma audaciosa articulação política e econômica que lhes assegurasse condições para construir, no futuro, um projeto próprio na sua região de referência.

93 Em outros termos, definia-se ali um projeto particularmente europeu que, malgrado as limitações impostas pela sua sensível posição de fronteira entre os dois principais pólos de poder (ou especialmente por isso), pudesse vir a se constituir mais tarde em um caminho próprio de autonomia estratégica. O quinto é representado, como já mencionado, pelo surgimento de novas potências médias e a sua projeção política e estratégica nas respectivas regiões, fato que confirmou uma tendência que se esboçara desde os anos cinqüenta e que é um aspecto destacado do já citado processo de diferenciação do espaço político mundial.

94 Além da China, no Sudeste Asiático, devem ser registrados os casos da Índia, da Turquia, da África do Sul e do Brasil, um grupo de países que pela sua expressão econômica, importância política ou político estratégica, ou mesmo pela combinação dessas vantagens comparativas, passou a exercer papéis de liderança regional, chegando alguns deles a capitanear processos futuros de constituição de blocos regionais de comércio ou de integração mais ampla.

95 É inegável, portanto, que diversas nações e regiões do mundo (a Europa, o Japão e alguns países do Sudeste Asiático e da América do Sul, principalmente) que souberam tirar proveito de uma situação internacional onde elas pouco contavam em termos dos encargos estratégico-militares de manutenção da ordem, puderam beneficiar-se da nova onda de investimentos de capitais industriais a partir dos anos sessenta e iniciar ciclos mais ou menos dinâmicos de desenvolvimento econômico e de modernização em geral.

96 Esse processo de transformações da ordem mundial contemporânea
teve a sua culminância com os eventos políticos que abalaram os seus pilares durante os anos oitenta e particularmente na passagem para os anos noventa. Como temos tentado apontar nesta breve análise da sua evolução, é mister que especialmente em se tratando dos fenômenos da política internacional, a observação e a análise dos mais decisivos vetores de mudanças que nela operam não se restrinjam aos momentos da sua plena manifestação, ou eclosão, como se estivéssemos diante dos eventos sísmicos que subitamente atingem a crosta terrestre.

97 Na modalidade de evento dessa amplitude também deve ser incluída a
propagação dos impactos causados pela entrada em cena de um novo ator na política internacional, que está associado aos primeiros sinais do que se poderia hoje denominar sociedade civil internacional, um dos fenômenos mais significativos das transformações dessa passagem de século e de milênio. Algumas características desse processo têm sido exaustivamente apontadas pelos analistas da nossa época. Trata-se da emergência de grupos e movimentos políticos que estão estreitamente relacionados à consolidação da democracia nos países centrais do mundo ocidental ou capitalista a partir dos anos sessenta – principalmente - e como decorrência, do fortalecimento das suas próprias sociedades civis nacionais, processo que de modo geral se expandirá para a periferia desse sistema durante os anos oitenta e noventa.

98 Ao mesmo tempo, a revolução das comunicações de massa na escala
mundial contribuiu para que esse processo envolvesse a disseminação de valores políticos (que Kant chamaria de civilizacionais) que, ao transpor as fronteiras nacionais, viessem a constituir valores universais – como a própria democracia e os direitos humanos, por exemplo - que formaram a base comum que ainda hoje impulsiona esse novo e ampliado ator político coletivo que passou a atuar crescentemente sob a forma de um movimento transnacional. Uma das suas raízes pode ser encontrada, ainda nos anos setenta, nos movimentos de parcelas variadas das sociedades nacionais de contestação ao envolvimento dos seus países com as guerras, nos quais se tornaram emblemáticas as jornadas de protesto dos estudantes norte-americanos contra a guerra do Vietnã.

99 No final da década de setenta, ampliou-se também consideravelmente
na Europa o sentimento de rejeição à corrida armamentista – sobretudo a nuclear – envolvendo especialmente a juventude da Alemanha, da França e da Inglaterra. Esse sentimento plasmou nos jovens desses países um vigoroso movimento pela paz em três anos seguidos (de 1980 a 1982), com jornadas memoráveis envolvendo milhões de participantes - provavelmente os maiores movimentos de massa da época - e com objetivos políticos abrangentes: o desarmamento em geral, a retirada imediata dos mísseis nucleares da Europa e especialmente da Alemanha e a autonomia dos países do continente frente à rivalidade das duas grandes potências.

100 Ao eleger os riscos globais da ameaça nuclear como o seu foco principal, essa mobilização estava expressando, também, a ampliação de uma consciência ecológica que já se esboçara na Conferência Mundial de Meio Ambiente promovida pela ONU em Estocolmo, em 1976, e que se consolidaria na década seguinte como mais um dos temas globais que deram impulso à atuação dessa nova sociedade civil na escala mundial. Na esteira desse formidável movimento pela paz dos jovens europeus, nascia na Alemanha o Partido Verde, considerada a primeira organização política no mundo com tais características e, ao mesmo tempo, surgiram as Organizações Não-Governamentais no Continente e nos EUA, cujo campo de atuação se concentraria principalmente nos temas do meio ambiente e dos direitos humanos.

101 Nos países integrantes das regiões de influência direta dos EUA, como a
América do Sul e o Sudeste Asiático, diversos movimentos a partir do final dos anos setenta foram deflagrados pelas sociedades civis nacionais tendo como foco a democratização dos seus respectivos regimes políticos, processo nos quais se destacaram países como o Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Peru, Coréia do Sul, Indonésia, Filipinas e Tailândia. Tais movimentos expressavam, no seu conjunto, uma extraordinária experiência política que significava, no fundo, a tentativa de reversão de uma estrutura de domínio estratégico-militar e de controle político-ideológico conduzido por essa grande potência nessas regiões periféricas do mundo, estabelecida na esteira da armação geopolítica do pós-guerra, enquanto parte da sua sofisticada estratégia de contenção face à ameaça comunista.

102 A Crise da Ordem Bipolar e a Transição para a Ordem Global
Esse ambiente de efervescência da política internacional do final dos anos setenta e ao longo dos oitenta atingiu duramente o chamado mundo socialista sob a esfera de influência direta da União Soviética. Nessa grande potência, em especial, a ascensão ao poder de um grupo liderado por Mikchail Gorbachov estava disposto a iniciar reformas políticas e econômicas estruturais – a Glasnot e a Perestroika - que fossem capazes de promover um processo de acelerada modernização do país e que era, a seu ver, a única alternativa que lhes restava para enfrentar as crescentes ameaças de declínio e de dissolução, representadas, sobretudo, pelos movimentos centrífugos das suas diversas repúblicas, regiões e povos diversos, os descontentamentos da população com as crises de abastecimento e as condições de vida, a ausência de liberdades políticas e o atraso e a crise de setores vitais da sua economia, como era o caso da agricultura.

103 O auge da crise e a conseqüente dissolução desse sistema envolveram
primeiramente a sua órbita de influência direta, conhecida como o Leste Europeu. Iniciou-se pela Iugoslávia, uma república federativa socialista sui generis integrada por cinco antigas nacionalidades dos Bálcãs que se associaram após a Segunda Guerra Mundial, e que foi violentamente abalada e desintegrada pelas rivalidades entre as diversas facções após a perda do seu líder histórico, Joseph Tito. Na Polônia, fortalecia-se a mobilização política nacional, em torno das aspirações de autonomia, simbolizada no chamado movimento operário Solidariedade, nascido nos estaleiros de Gdanski e, posteriormente, concretizada na eleição de Lech Valessa para Presidente do país. Na Tcheco-Eslováquia e na Hungria também eram registrados diversos movimentos de descontentamento com os seus respectivos regimes políticos e o domínio soviético, enquanto que na Romênia, seu burlesco e decadente governo ditatorial agonizava a olhos vistos.

104 Estimulados pela abertura política e a crise da principal potência do
Bloco, os movimentos nacionais de contestação a esses regimes alcançaram níveis incontroláveis a partir de 1988, quando se transformaram rapidamente em mobilização de multidões que forçaram os seus governos a promover diversas e infrutíferas tentativas de reformas políticas. Sem poder contar com o apoio de Moscou e carentes de qualquer forma de legitimidade interna, caíram um após o outro, engolfados que foram por uma fulminante, abrangente e pacífica onda de rupturas políticas e ideológicas sem precedentes na história política mundial, no qual se tornaram emblemáticos – por toda a sua carga de significados históricos e políticos – eventos como o colapso da Alemanha Oriental, a queda do Muro de Berlim, a retirada das tropas do Pacto de Varsóvia e o início da reunificação alemã, em 1989.

105 Os dois anos seguintes foram marcados pelo aprofundamento do quadro de crise da União Soviética, até o seu colapso formal, em dezembro de Fracassava, assim, a tentativa (tardia) de implantar as reformas estruturais e com isso, desintegrava-se a enorme federação socialista de 15 repúblicas e regiões e que envolvera durante setenta anos mais de uma centena de povos em um território com 22 milhões de Km2. Com isso, a federação russa volta a ocupar a sua antiga posição geopolítica na Eurásia e, ao mesmo tempo, todo o sistema de estados-nações inicia a sua lenta e complexa transição do socialismo para a economia de mercado.

106 Um grupo de antigos e novos liberais norte-americanos mais entusiasmados com esses acontecimentos decidiu tornar público de imediato a sua justificada euforia, e isso foi feito de forma emblemática pela rápida manifestação de um dos mais conhecidos e controvertidos desses scholars, o norte-americano Francis Fukuyama. Ainda em 1989, o ano-chave desses eventos, ele publicou um paper na revista The National Interest (The End of History?) mais tarde transformado em livro, no qual expõe a sua interpretação sobre o conjunto das transformações especificamente no campo dos valores e das instituições políticas que estavam de algum modo afetando o mundo como um todo.

107 No lado oposto desse campo de debates, os intelectuais de esquerda
em geral, e especialmente os marxistas ortodoxos, declararam-se perplexos e, alguns deles, preferiram calar-se, interromper ou refrear a sua reflexão e a sua até então intensa produção. O exemplo de Immanuel Wallerstein é típico desse comportamento. Afinal, trata-se de intelectual altamente criativo, discípulo das idéias de Fernand Braudel e com uma extensa e qualificada obra sobre o capitalismo contemporâneo e que havia, por exemplo, proposto e desenvolvido os notáveis conceitos de economia-mundo e de sistema-mundo. Ao que tudo indica, entretanto, ele não possuía essas mesmas virtudes acadêmicas no campo das análises das sempre complexas e imprevisíveis questões da política. Basta mencionar que menos de uma década antes do colapso do socialismo real, ele afirmava que sendo o capitalismo e a burguesia forças combinadas e mundiais, a sua destruição deveria envolver a criação de um movimento político operário de escala transnacional.

108 Como vimos, superada a Guerra Fria, as idéias liberais renovaram-se,
os seus intelectuais de modo geral abandonaram o esquematismo do velho liberalismo realista, mas eles ainda evitam as utopias da paz universal kantiana. Esse novo liberalismo é certamente mais universalizante e pacifista que aquele dos clássicos e esse analista renovado é, sobretudo, um atento observador da crescente complexidade de um mundo que além de mais globalizado, demonstra a crescente importância das instituições para o funcionamento de uma ordem democrática interna e que se projeta de forma crescentemente abrangente nas relações externas.

109 O seu mais conhecido e prestigiado representante na atualidade é
Joseph Nye, autor de diversos livros e papers que têm sido publicados regularmente em revistas de grande prestígio da área como a Foreign Affairs. Ele aprofunda a noção dos neo-realistas de que na atualidade há uma forte tendência de que se aproximem mais as relações entre o que se desenvolve no interior das sociedades nacionais democráticas e no âmbito específico das políticas internacionais. Além disso, põe em relevo a enorme complexidade atual da nova ordem mundial que combina a atuação de macro-processos como a globalização econômica e o crescimento nas últimas décadas de um sistema que integra os estados e os novos atores políticos. Sustenta por isso que para melhor compreender esse novo mundo, é preciso “inverter” as postulações sacralizadas e os desgastados modelos realistas, que permanecem presos à antiga tríade que comandaria as relações internacionais:

110 “Os estados não são os únicos atores importantes – os
atores transnacionais a operarem através das fronteiras são igualmente intervenientes importantes; a força não é o único instrumento significativo – a manipulação econômica e a utilização de instituições internacionais são os instrumentos mais importantes; a segurança não é um fim dominante – o bem estar é o objetivo dominante. Podemos apelidar este mundo anti-realista de interdependência complexa”.

111 A análise das novas formas assumidas pela política internacional e a
emergência de uma ordem global na virada dos anos oitenta para noventa, também foram temas examinados por diversos autores da chamada Escola Construtivista, cuja característica principal é a sua conhecida tendência universalista de raiz kantiana e a sua oposição geral ao realismo. Sob certo aspecto, o próprio Joseph Nye e muitos outros analistas da atualidade, como o prestigiado Robert Keohane, também poderiam ser considerados como representantes das diversas vertentes do que se denomina genericamente de construtivismo. De modo geral, os seus integrantes distinguem-se pela dedicação ao estudo dos temas relacionados à complexidade dos mecanismos de regulação internacional e, dentre eles, especialmente aqueles edificados nos últimos anos no âmbito das instituições multilaterais ou supranacionais.

112 Sob a liderança intelectual de James Rosenau, um intelectual que pode ser considerado como o seu pioneiro, ainda no início dos anos noventa, um grupo desses especialistas publicou dois trabalhos que são considerados os mais representativos desse pensamento sobre a ordem internacional. Na apresentação da sua segunda coletânea, publicada em 1992, era evidente o entusiasmo de Rosenau com os novos tempos que vislumbrava para as relações internacionais:

113 fronteiras (e os muros que as selam) desaparecem, quando nas
“No momento em que as hegemonias declinam, as fronteiras (e os muros que as selam) desaparecem, quando nas cidades de todo o mundo as praças estão repletas de cidadãos que desafiam as autoridades, quando as alianças militares perdem sua viabilidade (para mencionar apenas algumas das muitas mudanças que estão transformando a política mundial), as perspectivas da ordem e da governança mundiais tornaram-se um tema transcendente... Sente-se que o curso da história chegou a um ponto de mutação, oportunidade para que o movimento no sentido da cooperação pacífica, da expansão dos direitos humanos e da elevação dos padrões de vida são pouco menos evidentes do que as perspectivas de um agravamento dos conflitos de grupos, a deterioração dos sistemas sociais e das condições ambientais“.

114 Por essa percepção, uma nova ordem global requer um novo sistema de
regulação que certamente envolveria aqueles que se encontram em funcionamento, como os estados nacionais e as suas constituições e as instituições multilaterais e as suas regras, mas também o estabelecimento de formas alternativas de concertação política internacional que sejam capazes de incluir os novos atores globais e os seus temas diversos, como as organizações não-governamentais e, por exemplo, os direitos humanos e o meio ambiente. Essa governança global, ele argumenta, também é necessária para assegurar o funcionamento do novo sistema político mundial, já que no caso dos governos nacionais, uma parte da sua autoridade tem sido transferida para as entidades sub-nacionais e, quanto às instituições internacionais, elas certamente não se encontram preparadas para assumir os novos desafios colocados pela globalização.

115 Para ele, a transição atual pode ser examinada em seu duplo significado: se ela for observada unicamente em seus aspectos sistêmicos tradicionais, isto é, como sendo ainda um prevalecente sistema anárquico de estados soberanos, poder-se-á concluir que estaria havendo apenas uma mudança de forma, isto é, que os estados na atual conjuntura apenas teriam diminuído a sua agressividade potencial no relacionamento com os demais e demonstrando, assim, uma maior disposição para a cooperação entre eles. Inversamente, se o sistema for examinado naquilo que possui de inovador, observar-se-á uma mudança de qualidade nessa ordem, decorrente da menor ênfase na “competência dos estados, na globalização das economias nacionais, na fragmentação das sociedades em subgrupos étnicos, religiosos, políticos, lingüísticos e de nacionalidade, no advento dos temas transnacionais que levam à criação de autoridades desse nível...”. São processos que estariam induzindo – ou conduzindo - os estados para um novo tipo de comportamento, com uma atuação, de certo modo, menos impositiva.

116 A pedra de toque da análise dos construtivistas, portanto, é a sua
compreensão de que independentemente da forma definitiva assumida pela nova ordem mundial, o sistema internacional clássico baseado exclusivamente nas relações inter-estatais encontra-se em declínio e é imperativo substituí-lo por formas de governança que correspondam mais adequadamente às novas exigências globais. Não se trata, como poderia parecer à primeira vista, de imaginar um sistema no qual os estados fossem alijados ou substituídos por outras organizações públicas ou privadas, ou mesmo submetidos a um hipotético “governo mundial”. Eles continuariam sendo os atores mais relevantes da política internacional, mas tendo que atuar cada vez mais em um ambiente institucional mundial governado por uma abrangente e complexa teia de instituições, normas jurídicas, compromissos e, além disso, com a atuação de uma “sociedade civil” que se movimentaria de forma cada vez mais organizada - e ruidosa - em torno especificamente das questões dessa escala (global). Mark Zacher, um outro especialista desse grupo, ressalta que um dos fatos incontestáveis da atualidade é que os estados já se encontram há algum tempo enredados em sistemas diversos de controle, ou em formas diversas de constrangimentos que limitam consideravelmente as suas soberanias:

117 “De uma perspectiva puramente legal, os estados mantém,
: “De uma perspectiva puramente legal, os estados mantém, ainda, o direito soberano de não estarem obrigados por qualquer acordo internacional apoiado pela maioria ou até mesmo por todos os outros estados. No entanto, na prática, eles se encontram cada vez mais emaranhados em uma rede de interdependência e de arranjos regulatórios ou de colaboração, da qual geralmente não se podem livrar. Esse quadro confirma o julgamento de Harold Jacobsen de que ‘a analogia apropriada para descrever o sistema político global contemporâneo é a de estados presos em redes de organizações internacionais’....E igualmente não é mais válido descrever o sistema internacional em termos de bolas de bilhar colidindo umas com as outras, a não ser que se imaginem essas bolas ligadas por cordões de resina, limitando o seu movimento em qualquer direção. Na verdade, o sistema internacional, como o processo de transformação histórica, pode ser descrito como viscoso.”

118 A esse respeito, e na linha de análise do autor, podemos acrescentar
que segundo dados da ONU, entre 1946 e 2003 foram firmados pelos estados mais de Tratados Internacionais, sendo que 32 deles constituem grandes acordos multilaterais, celebrados, em sua maioria, na última década e meia e abrangendo as áreas dos direitos humanos, desarmamento, meio ambiente, saúde humana, refugiados políticos, legislação marítima, direito penal, corrupção, crime organizado e terrorismo. Como se pode ver, são tratados que refletem claramente os temas típicos dessa nova ordem.

119 A ONU e o Equilíbrio do Poder
Assembléia Geral: 193 países-membros Conselho de Segurança: 15 membros Permanentes com direito de veto: 5 (EUA, Rússia, China, Reino Unido e França); Proposta de Reforma do CS: 25 países-membros, sendo 11 permanentes

120

121 O Conselho de Segurança das Nações Unidas é um órgão da Organização das Nações Unidas cujo mandato é zelar pela manutenção da paz e da segurança internacional. É o único órgão do sistema internacional capaz de adotar decisões obrigatórias para todos os Estados-membros da ONU, podendo inclusive autorizar intervenção militar para garantir a execução de suas resoluções. O Conselho é conhecido também por autorizar o desdobramento de operações de manutenção da paz e missões políticas especiais. O Conselho de Segurança é composto por 15 membros, sendo 5 membros permanentes com poder de veto: os Estados Unidos, a França, o Reino Unido, a Rússia (ex-União Soviética) e a República Popular da China. Os demais 10 membros são eleitos pela Assembleia Geral para mandatos de 2 anos. Uma resolução do Conselho de Segurança é aprovada se tiver maioria de 9 dos quinze membros, inclusive os cinco membros permanentes. Um voto negativo de um membro permanente configura um veto à resolução. A abstenção de um membro permanente não configura veto.

122 Existem discussões sobre a reformulação do Conselho de Segurança, que apresenta um desequilíbrio em seus membros na nova ordem mundial. O desequilíbrio de forças se deve, principalmente, à ausência do Japão e da Alemanha (respectivamente, terceira e quarta maiores economias do planeta), nações que, por terem sido derrotadas na Segunda Guerra Mundial, ficaram fora do núcleo do Conselho. Alemanha, Brasil, Japão e Índia formaram o G-4 e apresentaram uma proposta para expandir o Conselho para 25 membros, com mais cinco permanentes além dos atuais. Os novos membros permanentes seriam assim divididos: Dois membros da Ásia (Japão e Índia); Um membro da América Latina (Brasil); Um membro da Europa Central (Alemanha); Um membro da África.

123 Nos últimos anos, um grupo de autores nos EUA, liderados por Robert
Keohane, tem procurado aprofundar essa visão que pode ser genericamente identificada com o construtivismo, mas que seria mais propriamente uma espécie de neo-construtivismo. Eles apontam, por exemplo, a importância das fortes tendências atuais de articulação entre as novas instituições democráticas que estariam moldando tanto as políticas nacionais como as internacionais. Para esses analistas, é evidente que se encontra em curso em boa parte dos países democráticos do mundo e nas suas relações internacionais, o que chamam de um novo institucionalismo político, que tem sido basicamente ilustrado, por exemplo, pela multiplicação e a eficácia das normas jurídicas que regulam as relações entre os estados, as empresas e as organizações em geral, bem como pela criação ou a consolidação de instituições jurídicas multilaterais, a exemplo das Cortes de Justiça internacionais e, especialmente, a européia que é tomada como emblemática nesse caso.

124 Em síntese, para os adeptos dessa visão sobre a ordem internacional a partir das suas tendências de globalização, tanto pela sua evolução ao longo das últimas décadas, quanto pelo conjunto de mudanças em curso naquela conjuntura, estavam dadas as premissas e as condições políticas e institucionais básicas para a construção de uma nova concertação na qual pudesse edificar-se um sistema de governança global que fosse capaz de assegurar níveis mais elevados de gestão dessa ordem, vis-a-vis aqueles referenciados exclusivamente ao antigo sistema de estados, fossem eles bipolares ou multipolares.

125 Essa euforia e o otimismo decorrentes daquele clima de “pós-guerra” e da aparentemente incontestável vitória do liberalismo ocidental e das teorias construtivistas nas relações internacionais, não eram compartilhados por alguns analistas daquela conjuntura, fossem eles velhos ou novos realistas ou construtivistas menos entusiasmados que os seus colegas mais radicais. Esse era o caso de Samuel Huntington, um dos mais prestigiados analistas internacionais do seu país e que se tornaria o mais polêmico dentre o grupo dos céticos com relação a esse novo cenário mundial.

126 Ainda no calor dos eventos do colapso da Guerra Fria, ele veio a público para contrariar essa tendência de otimismo e apontar com grande convicção (como fizera o seu conterrâneo Isahia Bowman oitenta anos antes) os novos e potenciais cenários de crises e de riscos para o Ocidente e especialmente os EUA na nova ordem internacional que apenas se esboçava. Em 1993, ele publicou um paper na revista Foreign Affairs (The Clash of Civilizations) que teve repercussão equivalente ao de Halford Mackinder em 1904, em parte pela originalidade e ousadia das suas análises e também porque os leitores estavam diante de um intelectual, que reconhecidamente conservador, possuía sólida experiência adquirida em muitos anos de pesquisas sobre as relações internacionais. Estimulado pelos comentários críticos e pelo apoio às suas idéias, o autor transformou aquele artigo em livro, que foi publicado em 1996.

127 Em trabalho anterior Huntington mostrara-se de acordo com a idéia de
que com o fim da Guerra Fria, o mundo ingressara (ou reingressara) em uma ordem multipolar. Diversamente da antiga moldura das relações internacionais, entretanto, ele detecta uma qualidade nova na política mundial, na qual os fatores político-culturais ou civilizacionais adquiriram, pela primeira vez, uma importância extraordinária na história da humanidade, ou seja, emergira nessa transição um mundo ao mesmo tempo multipolar e multicivilizacional.

128 Nesse cenário, ele adverte, o fato do Ocidente e das idéias liberais que lhes correspondem mostrarem-se vitoriosos (uma crítica a Fukuyama) em um contexto mais geral, não o livra das ameaças de outras regiões e povos do mundo que, segundo ele não se engajarão em conflitos movidos pelos valores e as ideologias que estavam implícitas ou explícitas na confrontação entre os EUA e a União Soviética, mas pelos seus respectivos e particulares conjuntos de valores, ressentimentos ou pela simples resistência ao avanço ocidental sobre o mundo e as suas culturas e civilizações.

129 Para ele, ao contrário das expectativas de paz duradoura desses anos,
as incertezas e os perigos representados pelas tendências de desintegração e re-agregação, os conflitos locais e nacionais de natureza étnica e religiosa, a violência e as práticas de genocídio, tudo isso agravado pela demonstrada incapacidade da ONU e da única superpotência de assegurarem a ordem nas diversas regiões do mundo, são todos os acontecimentos que, combinados, rapidamente compuseram um cenário que apenas confirmava as suas sombrias previsões no seu paper de três anos atrás.

130 Além do mais, argumenta, esse quadro de insegurança e de potencial anarquia estava agravado pelo fato de que apesar dos estados que emergiram nesse Pós-Guerra Fria ainda se comportarem basicamente em torno de objetivos de poder e de constituir os atores principais nos assuntos mundiais, eles enfrentam condições extremamente adversas nessa nova ordem, já que passaram a ser submetidos às novas e poderosas forças da globalização e a ter assim as suas soberanias expostas continuamente aos desgastes das pressões internacionais, principalmente aquelas provenientes das grandes empresas e dos organismos supranacionais. Nesse novo cenário, aumentam os riscos potenciais e reais à segurança individual e coletiva, pois o enfraquecimento dos estados em geral impede-os de enfrentá-los de modo efetivo, tolhidos que se encontram nos seus espaços de manobra e nas condições de ação na política externa. Enfim, os estados encontram-se agora diante de inevitável redução do seu poder e, portanto, da sua antiga e proverbial capacidade de ordenar e regular em geral ou, no limite, de oferecer a indispensável proteção às populações ou de prevenir e solucionar os conflitos nos seus respectivos territórios e nas suas regiões de influência.

131 Por essa sua via de análise, agrava esse quadro o fato de que em muitos casos, a política externa dos estados também estaria sendo moldada por valores culturais e civilizacionais51, isto é, eles agora tenderão a adotar um novo comportamento e a estabelecer as suas estratégias de alinhamentos e antagonismos não apenas em função dos seus clássicos cálculos de poder, mas também, dos laços de solidariedade que mantêm com os demais no sistema internacional. Sob essa perspectiva, portanto, o mundo estaria mais precisamente transitando de um sistema bipolar para um sistema claramente multipolar e multicivilizacional, no qual, de um lado, posicionar-se-ia o Ocidente (que ele considera em declínio) e, de outro, o resto do mundo em expansão e crescentemente organizado a partir dos valores e objetivos das suas seis ou sete civilizações atualmente dominantes. Não há, portanto, elementos que sustentem o clima de otimismo reinante em círculos da elite ocidental, à qual ele dá o nome de Cultura de Davos, que denota uma compreensão a seu ver parcial e equivocada, baseada no pressuposto de que os homens de empresa, governo e instituições - e a sua cultura - que ali se reúnem anualmente representariam de fato a complexidade cultural do mundo contemporâneo.


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