SOBRE IDÉIAS E PÃES MARIO SERGIO CORTELLA (1999)

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Transcrição da apresentação:

SOBRE IDÉIAS E PÃES MARIO SERGIO CORTELLA (1999) Em meados dos anos 70 do nosso século, dois caciques da nação xavante vieram, de avião, visitar a cidade de São Paulo; a visão aérea noturna de uma megalópode (com sua “floresta” de prédios) os impressionou sobremaneira (tal como, para nós, é inesquecível e confusa a paisagem amazônica). Foram dormir em um hotel e, no dia seguinte, levados para passear. Aonde levá-los, senão para ver o diferente, o exótico, o inédito? Andaram de metrô (recém- inaugurado), caminharam pela Av. Paulista (com suas Catedrais financeiras altíssimas), visitaram um Shopping Center (só havia dois naquele tempo) e, por fim, foram conhecer um dos prédios históricos paulistanos na região central que abriga um imenso mercado municipal (entreposto de frutas, legumes e cereais).

A ida ao mercado tinha a finalidade de surpreendê-los com um cenário paradisíaco: alimentos acumulados em grande quantidade. Como, naquela época, eles quase não usassem o dinheiro como mediação para qualidade de vida, o alimento farto representava uma riqueza incomensurável. Entraram, deram dois passos no interior do prédio e, subitamente, estacaram boquiabertos com o cenários: pilhas e pilhas de alface, de cenoura, de tomate, de laranja, etc. Começaram a andar entre as pilhas e caixas, em meio àquele ruído de vozes, folhas e frutos esmagados e caídos no piso, um movimento incessante.

De repente, um deles viu algo que nenhum e nenhuma de nós veria, pois não chamaria nossa atenção. Ele apontou e disse: O que ele esta fazendo? “Ele” era um menino de 10 anos de idade, negro, pobre (nós o saberíamos, pelas vestimentas), que no chão catava verduras e frutas amassadas, estragadas e sujas, e as colocava em um saquinho plástico. A resposta foi a “óbvia”: Ele está pegando comida.

O cacique continuou passeando, calado (provavelmente tentando compreender a resposta dada); depois de uns 10 minutinhos, voltou à carga: Não entendi. Porque o menino está pegando aquela comida podre se tem tanta coisa boa nas pilhas e nas caixas? Outra resposta evidente: Por que para pegar nas pilhas precisa ter dinheiro. Insiste o xavante (já irritante, pois está escavando onde a injustiça sangra): E por que ele não tem dinheiro? Réplica enfadonha do civilizado: Por que ele é criança? Torna o índio: E o pai dele? Tem dinheiro? Outra obviedade: Não, não tem. Questão final: Então não entendi de novo. Por que você que é grande tem dinheiro e o pai do menino, que também e, não tem? A única saída possível foi responder: Porque aqui é assim!

Os índios pediram para ir embora, não apenas do mercado, mas da cidade Os índios pediram para ir embora, não apenas do mercado, mas da cidade. Não tiveram uma revolta ética, mas cultural; não captaram um dos modos de organização de nossa cultura. Não conseguiram compreender essa situação tão “normal”: se uma criança tem fome e não tem dinheiro, come comida estragada. Para que pudessem aceitar mais tranquilamente o “por que aqui é assim” teriam que ter sido formados e formadores da nossa sociedade, frequentado nossas instituições sociais e, também, nossas escolas; teriam que ter sido “civilizados”.

A intenção do relato anterior não é moralista nem deseja propor um “modelo indígena de existência”; é ressaltar aquela que, no nosso entender, é a maior tarefa dos educadores e das educadoras, na junção entre a epistemologia e a política: o esforço de destruição do “porque aqui é assim”.

A ruptura do “porque aqui é assim” principia pela recusa à ditadura dos fatos consumados e à ditadura fatalista de um presente que aparenta ser invencível, tamanhos são os obstáculos cotidianos com os quais nos deparamos.

É preciso, em Educação, reinventar, em conjunto, uma ética da rebeldia, uma ética que reafirme nossa possibilidade de dizer não e que valorize a inconformidade docente.

Não é mero acaso que a primeira palavra, de fato, que um ser humano aprende a dizer e a entender é o não. Seja oral ou gestualmente, o não é a fundação a partir da qual se constrói nossa principal característica: a liberdade, a capacidade de ultrapassar as determinações da natureza e das situações presumidamente limitantes. Só quem é capaz de dizer o não pode dizer sim, isto é, pode escolher e acatar deliberadamente o curso das circunstâncias e das exigências externas e internas.

Ser humano é ser junto. É necessário negar a afirmação liberticida de que “a minha liberdade acaba quando começa a do outro”. A minha liberdade acaba quando acaba a do outro; se algum humano ou humana não é livre, ninguém é livre.

Se alguém não for livre da fome, ninguém é livre da fome Se alguém não for livre da fome, ninguém é livre da fome. Se algum homem ou mulher não for livre da discriminação, ninguém é livre da discriminação. Se alguma criança não for livre da falta de escola, de família, de lazer, ninguém é livre.

A educação e a Escola são os lugares nos quais podemos dizer e exercer mais fortemente o nosso não. Não à miséria; não à injustiça; não à contradição humano versus humano; não à Ciência exclusivista; não ao poder opressor.

Afinal das contas, por que somos educadores e educadoras Afinal das contas, por que somos educadores e educadoras? Porque dedicarmos toda uma existência a essa atividade cansativa, econômica e socialmente prejudicada e desvalorizada, entremeada de percalços?

Há um ditado chinês que diz que, se dois homens vem andando por uma estrada, cada um carregando um pão, e, ao se encontrarem, eles trocam os pães, cada homem vai embora com um; porém, se dois homens vêm andando por uma estrada, cada um carregando uma idéia, e, ao se encontrarem, eles trocam as idéias, cada homem vai embora com duas.

Quem sabe é esse mesmo o sentido do nosso fazer: repartir idéias, para todos terem pão...