Carregar apresentação
A apresentação está carregando. Por favor, espere
PublicouEric Calixto Alterado mais de 10 anos atrás
1
É uma vila de pescadores perdida em nenhum lugar,
o enfado misturado com o ar, cada novo dia já nascendo velho,
2
as mesmas palavras ocas,
os mesmos gestos vazios, os mesmos corpos opacos, a excitação do amor sendo algo de que ninguém mais se lembrava...
3
Aconteceu que, num dia como todos os outros, um menino viu uma forma estranha flutuando longe no mar. E ele gritou. Todos correram.
4
Num lugar como aquele até uma forma estranha é motivo de festa.
5
E ali ficaram na praia, olhando, esperando.
Até que o mar, sem pressa, trouxe a coisa e a colocou na areia.
6
Para o desapontamento de todos:
era um homem morto. Todos os homens mortos são parecidos porque há apenas uma coisa a se fazer com eles: enterrar.
7
E, naquela vila, o costume era que as mulheres preparassem os mortos para o sepultamento.
8
Assim, carregaram o cadáver para uma casa, as mulheres dentro, os homens fora.
9
E o silêncio era grande enquanto o limpavam das algas e liquens,
mortalhas verdes do mar.
10
Mas, repentinamente, uma voz quebrou o silêncio.
Uma mulher balbuciou: "Se ele tivesse vivido entre nós, ele teria de ter curvado a cabeça sempre ao entrar em nossas casas. Ele é muito alto...".
11
Todas as mulheres, sérias e silenciosas, fizeram sim com a cabeça.
De novo o silêncio foi profundo, até que uma outra voz foi ouvida.
12
"Fico pensando em como teria sido a sua voz...
Outra mulher... "Fico pensando em como teria sido a sua voz... Como o sussurro da brisa? Como o trovão das ondas...?”
13
“Será que ele conhecia aquela palavra secreta
que, quando pronunciada, faz com que uma mulher apanhe uma flor e a coloque no cabelo?"
14
E elas sorriram e olharam umas para as outras.
De novo o silêncio. E, de novo, a voz de outra mulher...
15
"Essas mãos... Como são grandes! Que será que fizeram?
Brincaram com crianças? Navegaram mares? Travaram batalhas? Construíram casas?”
16
será que elas sabiam abraçar e acariciar o seu corpo?"
“Essas mãos: será que elas sabiam deslizar sobre o rosto de uma mulher, será que elas sabiam abraçar e acariciar o seu corpo?"
17
Aí todas elas riram que riram, suas faces vermelhas,
e se surpreenderam ao perceber que o enterro estava se transformando numa ressurreição: um movimento nas suas carnes, sonhos esquecidos, que pensavam mortos, retornavam, cinzas virando fogo, desejos proibidos aparecendo na superfície de sua pele...,
18
...os corpos vivos de novo e os rostos opacos brilhando com a luz da alegria.
19
Os maridos, de fora, observavam o que estava acontecendo e ficaram com ciúmes do afogado,
ao perceberem que um morto tinha um poder que eles mesmos não tinham mais.
20
E pensaram nos sonhos que nunca haviam tido,
nos poemas que nunca haviam escrito...,
21
...nos mares que nunca tinham navegado,
nas mulheres que nunca haviam amado.
22
A história termina dizendo que finalmente enterraram o morto.
Mas a aldeia nunca mais foi a mesma.
24
de um conto de Gabriel García Márquez, adaptado por Rubem Alves.
25
Tema musical: Prelude, Vangelis Formatação:
Apresentações semelhantes
© 2024 SlidePlayer.com.br Inc.
All rights reserved.