29/VI/2008 – 29/VI/2009 GUIÃO: Antonio Rodríguez Carmona MONTAGEM: Antonio García Polo

SÉRIE I “VIDA DE SÃO PABLO” 4 – Conversão - Vocação

Saulo, o fariseu helenista “zeloso”, aproxima-se de Damasco para prender os judeus que abraçaram a “seita” dos nazarenos, caindo na idolatria de colocar Jesus de Nazaré à altura de Deus, desbancando a primazia da Lei.

Segundo o historiador judeu Flávio Josefo, Damasco tinha na época de Paulo uma numerosa colónia judia, entre a pessoas, com um grande número de prosélitos, que se reuniam em várias sinagogas (em Act 9,2 fala-se de sinagogas no plural). Segundo o mesmo historiador Júlio César tinha concedido ao sumo sacerdote Hircano, filho de Alexandre, e seus filhos autoridade para fazer de árbitro entre os judeus em litígios de tipo religioso. De facto, a autoridade do sumo sacerdote na diáspora era só moral e dependia da boa vontade das comunidades judias da diáspora o aceitá-la ou não.

Prosseguindo Saulo a sua jornada, aconteceu que, ao aproximar-se de Damasco, subitamente o cercou uma luz fulgurante vinda do céu. Caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: «Saulo, Saulo, por que Me persegues?». Ele disse: «Quem és tu, Senhor?» E Ele: «Eu sou Jesus, a Quem tu persegues. Levanta-te, entra na cidade e aí dir-te-ão o que deves fazer.» Aqueles que o acompanhavam estavam estupefactos, ouvindo a voz mas não vendo ninguém. Saulo levantou-se do chão e, tendo os olhos abertos, não via nada. Eles, porém, levando-o pela mão, o conduziram a Damasco. Conta Lucas em Act 9, 3-8:

Jesus ressuscitado aparece-lhe envolto numa luz radiante. Saulo não sabe identificar a pessoa gloriosa que lhe fala, e esta identifica-se como Jesus de Nazaré, a Quem ele está perseguindo. Realmente, perseguir cristãos é perseguir Jesus, que é a sua cabeça. Aqui vislumbrou Saulo a doutrina do corpo de Cristo que exporá mais adiante. Fica cego e levam-no para a cidade, onde passou três dias em jejum e oração.

Estranha que Cristo ressuscitado não completasse a sua obra, fazendo ver em seguida a Saulo a vocação para a qual o chamava e destinava. Depois de três dias de silêncio ser-lhe-á dita através de um responsável da comunidade cristã de Damasco, Ananias. Lucas quer fazer-nos compreender que não há oposiçãco entre a acção carismática livre de Jesus e a que realiza por meio da sua Igreja. Por quê esta lentidão?

Act 9, 9-15: Passou três dias sem ver, e sem comer nem beber. Ora em Damasco havia um discípulo chamado Ananias. O Senhor, numa visão, disse-lhe: «Ananias!». Ele respondeu: «Eis-me aqui, Senhor!». O Senhor disse-lhe: «Levanta-te, vai à rua chamada Direita e busca em casa de Judas um homem de Tarso, chamado Saulo; ei-lo que está oraando… Neste mesmo tempo Saulo, em uma visão, viu um homem chamado Ananias, que entrava e lhe impunha as mãos, para recobrar a vista.» Ananias respondeu: «Senhor, tenho ouvido dizer a muitos quantos males este homem fez aos Teus santos em Jerusalém; e aquíi ele tem poder poder dos príncipes dos sacerdotes para prender todos os que invocam o Teu nome.». Mas o Senhor disse-lhe: «Vai, porque este é um instrumento escolhido por Mim para levar o Meu nome aos gentios, aos reis e aos filhos de Israel. Mostrar-lhe-ei quanto deve sofrer pelo Meu nome.»

Foi Ananias e entrou na casa e, impondo-lhe as mãos, disse: «Irmão Saulo, o Senhor Jesus, que te apareceu no caminho por onde vinhas, enviou-me para que recuperes a vista e fiques cheio do Espírito Santo.» Imediatamente lhe cairam dos olhos como que umas escamas, recuperou a vista, levantou-se e foi baptizado. Depois que tomou alimento recuperou as forças. Esteve alguns dias com os discípulos que se encontravam em Damasco. Com algumas variantes, volta-se a narrar este episódio em Actos dos Apóstolos: 22, 4-21; 26, Foi Ananias quem baptizou Saulo, lhe impôs as mãos para que recebesse o Espírito Santo e lhe deu a conhecer a sua Vocação. Act 9, 16-19:

Mais adiante Paulo recordará este acontecimento várias vezes. Em Gál 1, considera-o uma “revelação”: “Mas, quando aprouve Àquele que me escolheu desde o ventre de minha mãe e me chamou pela Sua graça, revelar Seu Filho, em mim para que O anunciasse entre os gentios, imediatamente sem consultar pessoa alguma …

+ Esta experiência é a fonte de toda a teologia paulina e o converte em profeta: tudo verá pelo poder de Deus que se manifesta gratuitamente na ressurreição de Jesus. + Deus deu-lhe esta graça para que a compartilhasse com os gentios: conversão e vocação ao apostolado coincidem. + Como consequência, Saulo abandona a sua postura religiosa anterior: a cruz de Jesus deixa de ser enigma e a percebe como fonte de salvação; reconhece Jesus como Messias e único Salvador. Isto implica que a Lei mosaica terminou a sua missão. + revelar é dar a conhecer os acontecimentos da salvação final. Deus fez-lhe ver que Jesus morto e ressuscitado é o Seu Filho e a salvação definitiva e final. Com Ele cumprem- -se as promessas e começa o futuro. Para Paulo, tudo se deve à graça de Deus que o revelou a Seu Filho:

Porque, antes de tudo, ensinei-vos o que eu mesmo recebi: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as mesmas Escrituras; que foi visto por Cefas e depois pelos onze; que, a seguir, foi visto por mais de quinhentos irmãos de uma vez, a maior parte dos quais ainda vive e alguns já morreram; que, depois, foi visto por Tiago, e em seguida, por todos os apóstolos; que, por último, depois de todos, apareceu- me também a mim, como a um aborto. Outro testemunho importante oferece Paulo em 1 Cor 15, 3-10: + Paulo foi objecto de uma aparição de Jesus ressuscitado, que o converte em apóstolo, igual aos outros Doze. + Foi uma graça imerecida, mas Paulo esforça-se por corresponder. + A fé na ressurreição de Jesus é central na tradição cristã.

Na carta aos cristãos de Filipos recorda a sua boa situação no judaísmo: Se bem que também eu poderia ter confiança na carne. Se algum outro, pode confiar na carne, muito mais eu, que fui circuncidado no oitavo dia; que sou da raça de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu filho de hebreus; que fui, segundo a Lei, fariseu: quanto ao zelo pela Lei, perseguidor da Igreja; quanto à justiça da Lei, irrepreensível no meu proceder (Filip 3, 4-6)

Porém aquelas coisas que eu considerara como lucro, considerei-as como perdas por amor de Cristo. Sim, na verdade tudo isso tenho por perda, perante o sublime conhecimento de Jesus Cristo, meu Senhor, pelo qual renunciei a todas as coisas e as considero como esterco, para ganhar a Cristo … Assim poderei conhecê-l’O a Ele e a força da Sua ressurreição e a participação dos Seus sofrimentos, assemelhando-me a Ele na Sua morte, para ver se de algum modo posso chegar à ressurreição dos mortos. (Filip 3, 7-11) Contudo, depois da aparição de Jesus ressuscitado, entregou-Lhe tudo e agora só lhe preocupa chegar a compartilhar plenamente a vida com Ele:

Em 1 Cor 9, 1 justifica a sua qualidade de apóstolo porque viu a Jesus ressuscitado: Não sou eu livre? Não sou eu apóstolo? Não vi eu a Jesus Senhor Nosso? Há quem interprete este acontecimento como final de um processo psicológico de Paulo, insatisfeito ou desenganado do judaísmo... Isto é o oposto das fontes, que apresentam Saulo como um fariseu muito convencido e seguro. Por isto Paulo, em 1 Cor 15, 8 chama seu “nascimento" para a fé cristã abortivo, quer dizer, antinatural, pois não era isso o que podia esperar um perseguidor. Tudo foi gratuito e humanamente inesperado.

Efectivamente, sou o mínimo dos apóstolos, que não sou digno de ser chamado apóstolo, porque persegui a Igreja de Deus. Mas, pela graça de Deus sou o que sou, e a Sua graça, que está em mim, não foi vã, antes tenho trabalhado mais que todos eles; não eu, mas a graça de Deus que está comigo. (1 Cor 15, 9-10)