Cesário Verde «A Débil» Eu, que sou feio, sólido, leal,

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Transcrição da apresentação:

Cesário Verde «A Débil» Eu, que sou feio, sólido, leal, A ti, que és bela, frágil, assustada, Quero estimar-te, sempre, recatada Numa existência honesta, de cristal. Sentado à mesa dum café devasso, Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura, Nesta Babel tão velha e corruptora, Tive tenções de oferecer-te o braço. E, quando socorreste um miserável, Eu, que bebia cálices de absinto, Mandei ir a garrafa, porque sinto Que me tornas prestante, bom, saudável. "Ela aí vem!" disse eu para os demais; E pus-me a olhar, vexado e suspirando, O teu corpo que pulsa, alegre e brando, Na frescura dos linhos matinais. Via-te pela porta envidraçada; E invejava, – talvez que o não suspeites! – Esse vestido simples, sem enfeites, Nessa cintura tenra, imaculada. Ia passando, a quatro, o patriarca [1], Triste eu saí. Doía-me a cabeça. Uma turba [2] ruidosa, negra, espessa, Voltava das exéquias [3] dum monarca. Adorável! Tu, muito natural, Seguias a pensar no teu bordado; Avultava [4], num largo arborizado, Uma estátua de rei num pedestal. ___________________________________ [1] patriarca, n.m. chefe de família. [2] turba, n.f. magote de gente; multidão. [3] exéquias, n.f. cerimónias religiosas fúnebres. [4] avultar v. intr. realçar-se; sobressair. Sorriam, nos seus trens, os titulares [1]; E ao claro sol, guardava-te, no entanto, A tua boa mãe, que te ama tanto, Que não te morrerá sem te casares! Soberbo dia! Impunha-me respeito A limpidez do teu semblante grego; E uma família, um ninho de sossego, Desejava beijar sobre o teu peito. Com elegância e sem ostentação, Atravessavas branca, esbelta e fina, Uma chusma [2] de padres de batina, E de altos funcionários da nação. "Mas se a atropela o povo turbulento! Se fosse, por acaso, ali pisada!" De repente, paraste embaraçada Ao pé dum numeroso ajuntamento. E eu, que urdia [3] estes fáceis esbocetos [4], Julguei ver, com a vista de poeta, Uma pombinha tímida e quieta Num bando ameaçador de corvos pretos. E foi, então, que eu, homem varonil [5], Quis dedicar-te a minha pobre vida, A ti, que és ténue, dócil, recolhida, Eu, que sou hábil, prático, viril. ___________________________________________ [1] titular, adj. unif. que tem título de nobreza; que é fidalgo com título. [2] chusma, n.f. multidão. [3] urdir, v.tr. imaginar. [4] esboceto, n.m. pequeno esquema ou desenho utilizado para desenvolver mais tarde numa obra maior, mais extensa; curto esboço. [5] varonil, adj. unif. másculo. Cesário Verde «A Débil»

O poema estrutura-se claramente em três momentos distintos> o primeiro é constituído pela primeira estrofe, o segundo pelas estrofes 2 a 12 e o terceiro pela estrofe 13, uma vez que, no primeiro momento, o sujeito poético se refere claramente a uma relação imaginária com a mulher desejada, tal como acontece no último momento, tornando este texto, de certa maneira, num poema que permite uma leitura circular, já que o seu final remete-nos, a nós, leitores, novamente para o início. A segunda parte aborda a observação de uma realidade exterior ao íntimo do «eu» lírico, integrando-o num mundo que é observado e em que ele também se integra. No entanto, alterna frequentemente o «tu» com o «eu» e «os outros» que coexistem nesse mundo.

Mas as realidades são bem diferentes: enquanto que o mundo em que se integra o sujeito poético é o de uma cidade antiga, corrupta, decadente, a «Babel tão velha e corruptora» (verso 7), onde se instala o vício (os «cálices de absinto», no verso 10), e em que a multidão enlutada, tal como o grupo de padres, representa uma clara ameaça («uma turba ruidosa, negra espessa» - verso 23; a «chusma de padres de batina / e de altos funcionários da nação» - versos 39/40; o «povo turbulento» - verso 42; o «bando ameaçador de corvos pretos» - verso 48), contrastando com a fragilidade da mulher de «cintura tenra, delicada» (verso20), esta «pombinha tímida e quieta» (verso 47), protegida pela mãe, que apenas se preocupa com os seus bordados, e que representa o outro lado da realidade, o que é «Adorável!» e «natural» (verso 25), mais ligado à vida saudável no campo do que à realidade doentia da cidade, transformando um dia escuro, triste, num «Soberbo dia!» (verso 33), em que os trajes da mulher, os «linhos matinais» (verso 16) estão em oposição às vestes escuras de todos os outros. Esta mulher poderá contribuir para que o sujeito lírico seja redimido, seja salvo da vida decadente em que se afunda, da vida inútil que se vai esgotando no interior dos cafés, de que ele se envergonha («vexado» - verso 14), tornando-o «prestante, bom, saudável» (verso 12), algo por que ele suspira (verso 14).

E esses dois mundos estão claramente separados: o do sujeito poético e o da mulher perfeita, de «semblante grego» (verso 34), que lhe impõe respeito (verso 33), havendo uma «porta envidraçada» que os separa, mas que ao mesmo tempo permite uma comunicação entre essas duas realidades, porque permite vê-los e de um passar para o outro («Triste eu saí» - verso 22), embora quase sempre seja difícil ou impossível essa transição, situando-se apenas ao nível do desejo que raramente se alcança. Esse mundo externo é visto, porém, como uma ameaça, que a cidade constitui, à continuação do estado de pureza da mulher, porque a cidade corrompe, porque, nela, os mais frágeis são quase sempre pisados, esmagados por todos os vícios que a urbe acarreta consigo, daí os receios expressos pelo sujeito poético de que a frágil mulher seja engolida pela multidão, atropelada pelo «povo turbulento», que embaraça a simplicidade a a timidez natural e simples desta jovem, que apenas sai à rua acompanhada pela família.

A definição deste contraste entre o «eu» e o «tu» é estabelecido logo à partida através de uma tripla adjectivação que encerra em si uma antítese («eu que sou feio», tu que «és bela» - versos 1 e 2) e que no final é retomada (tu que «és ténue, dócil, recolhida», «eu, que sou hábil, prático, viril» - versos 51 e 52), embora aqui de maneira mais suave, em resultado da redenção do «eu» do poema devido à simples presença desta jovem que lhe provoca o desejo de mudança. O momento em que se desenrola o poema é claro: trata-se das cerimónias fúnebres de um rei que morrera, e a que uma grande multidão assistiu, populares, nobres (os «titulares» - verso 29 –, os poderosos, que sorriem do alto das suas carruagens, não se misturando com o povo), padres (que aqui são vistos, numa atitude fantástica e estranha que antecipa o surrealismo, através da metáfora dos «corvos pretos»).

E se a debilidade, a fragilidade desta jovem está desde logo patente no título do poema, é certo que constitui uma atracção para o «eu» lírico, que deseja protegê-la, dedicar-lhe a vida, tendo-lhe já dedicado estes «esbocetos» (verso 45), tornando esta mulher um alvo das suas preocupações e afastando-o da vida viciosa que levava até então. O poema é constituído por um conjunto de 13 quadras isométricas, em verso decassilábico, com um esquema de rima em ABBA, interpolada em A e emparelhada em B, rica e pobre, quase sempre feminina, de que constituem excepção as rimas masculinas em leal/cristal (estrofe 1), natural/pedestal (estrofe 7), varonil/viril (estrofe 13), e apresenta uma linguagem simples, integrando, até, discurso directo («Ele aí vem!» - verso 13; «Mas se a atropela o povo turbulento! / Se fosse, por acaso, ali pisada!» - versos 41/42), onde a adjectivação, dupla e tripla, reforça a maneira como o sujeito poético caracteriza as duas realidades que aqui estão presentes. As metáforas presentes são quase todas muito perceptíveis (a «pombinha» do verso 47 e os «corvos pretos» do verso 48) e servem, como neste caso, para estabelecer imagens antitéticas, contrárias, que reforcem essa oposição entre o mundo corruptor e negativo da cidade, que é também o mundo do poeta, e o mundo claro, luminoso, saudável, campestre em que se integra a jovem.