Carregar apresentação
A apresentação está carregando. Por favor, espere
PublicouCarlos Eduardo César Lancastre Alterado mais de 8 anos atrás
1
Aristóteles Prof. Ricardo Feijó
3
Natural de Estagira na Grécia, Aristóteles (384-322 a.C.) foi discípulo de Platão e em alguns aspectos sua visão filosófica conserva a marca do mestre. Todavia, as diferenças entre ambos são evidentes e, no que tange ao aspecto da organização econômica da sociedade, eles estão em posições diametralmente opostas. O substrato filosófico também difere e é sobre ele que discorreremos inicialmente.
4
Aristóteles não acredita no “mundo das idéias” de Platão. A realidade fica contida nos objetos sensíveis, mas nem tudo é matéria. Há deuses e espíritos; no entanto, o mundo sobrenatural é incomunicável e não exerce influência no mundo concreto. Além disso, a própria matéria carrega um elemento que não nos é percebido diretamente pelos sentidos.
5
Trata-se de uma essência não revelada no objeto particular, mas que é encontrada no universal que se faz presente em todos os objetos de mesma natureza. Os objetos saltam aos olhos em sua aparência; entretanto, só podemos pensá-los na sua essência.
6
A matéria pura, de que são feitos, é incognoscível, enquanto formamos idéias com base no conhecimento das formas dos objetos. Não podemos pensar em madeira sem nos reportarmos à arvore e esta é apreendida pela sua forma. Todas as coisas possuem uma natureza. Por trás da aparência mutável e não repetitiva das coisas há características essenciais que particularizam sua existência. Tudo possui uma essência que não é engendrada e não se transforma, tratando- se de uma substancia imutável e eterna.
7
Assim, a filosofia de Aristóteles deve ser pensada com base nessas dicotomias entre essência e aparência ou forma e matéria. A investigação da realidade consiste em procurar pela natureza das coisas.
8
Na obra Organon, o volume “Analíticos Superiores” descreve o caminho que devemos seguir para alcançar o essencial das coisas: começar com a observação atenta dos fatos até se chegar à plena familiaridade com o objeto; é quando o processo de indução permite ao “olhar intelectual” ( nous ) penetrar na realidade última dele. A identificação da essência vem à tona como uma recordação de algo que já se sabia. A idéia de conhecimento como lembrança tem um inequívoco componente platônico.
9
A explicação do mundo dá-se então ao se identificar as causas dos seres. Deve-se reconhecer a ação da causa com vistas a um resultado final, o que se entende como ação teleológica
11
A noção de causalidade em Aristóteles aplica-se ainda na explicação da sociedade. Na sua obra Política, o homem é tido como um animal social e político. O seu lugar natural é a sociedade onde ele realiza o principal propósito da vida humana: a busca da felicidade. A felicidade não é apenas o usufruto do prazer sensorial, e nenhuma das vantagens econômicas da vida na cidade a justifica. Esse prazer é comum também entre os animais.
12
Duas outras dimensões da felicidade são puramente humanas. A honra é importante por reforçar no homem a sua auto-estima. Mas somente o prazer do pensamento racional presente na atividade da teoria ou contemplação merece menção entre os objetivos prioritários da vida. A teoria identifica o bem e o justo, distinguindo-os do mal e do injusto. Só os humanos são dotados desses sentimentos morais porque só eles possuem o dom da palavra.
13
Em Aristóteles a cidade é pensada como um meio de tornar feliz a vida presente do indivíduo, enquanto em Platão a cidade viabiliza a consecução de objetivos espirituais para além da vida terrena. Em nenhum momento Aristóteles enfatiza as cidades como um instrumento para satisfazer a necessidades materiais, como chega a estabelecer Platão ao discorrer sobre a causa ou origem das cidades.
14
A felicidade contemplativa, associada ao uso da razão, é a ênfase; no entanto, a possibilidade concreta de se exercer a contemplação requer o consumo de bens materiais, pois é condição necessária, mas não suficiente, para a felicidade “ cuidar do corpo, ter bons amigos e descendência feliz ”.
15
São necessários recursos econômicos para a felicidade e ao reconhecer tal fato Aristóteles lança-se a tecer considerações de natureza econômica. A Economia é uma parte mais restrita da ciência do homem que estuda a administração do lar ( oïko = casa, nomik = leis ou princípios de administração).
16
O ramo mais abrangente e mais importante dessa ciência é a política e o estudo mais específico do indivíduo pertence à ética.
17
A cidade nunca pode ser perfeita, pois tudo o que pertence ao mundo sublunar está sujeito ao acaso e a mudanças imprevisíveis; o mundo perfeito e imutável é o das esferas celestes, tal como se observa na harmonia do movimento dos astros
18
Na política, Aristóteles não se posiciona a favor de um único regime. Três deles são possíveis: a realeza, a aristocracia e a república. O Filósofo apenas condena as formas degeneradas desses governos, respectivamente a tirania, a oligarquia e a democracia, por serem a ditadura de um só, do dinheiro ou da maioria, nessa ordem. A política fornece os princípios que norteiam o legislador mostrando-lhe como alcançar em sociedade a virtude. A Economia ensina a organizar a vida econômica de modo a torná-la compatível com a obtenção das metas supremas da humanidade.
19
O comunismo de Platão é criticado. Os argumentos que, para tanto, Aristóteles lança-se a fazer merecem uma exposição, pois até hoje são utilizados pelos liberais críticos do coletivismo. Enquanto Platão pensava que a propriedade comunal facilitaria o entendimento entre os homens, Aristóteles acredita que possuir bens comuns é fonte de conflito. O amor e a amizade requerem a propriedade privada.
20
O sentimento de propriedade estimula o amor, bem como a afeição pelos objetos e também pelas pessoas. Para ajudar e receber os amigos é preciso possuir bens. A educação das crianças no sistema comunal de Platão é combatida. Os filhos devem estar próximos aos pais, já que nos interessamos menos pelo que pertence a todos. Só a afeição exclusiva dos pais engendra o amor. Aristóteles defendia a família patriarcal com a mulher submissa ao homem.
21
A luta interna na cidade não é resolvida pela igualdade de riquezas. O comunismo leva à irresponsabilidade. Todo o ônus da manutenção das novas gerações é repassado para a sociedade e, sendo assim, os indivíduos não refreiam o ímpeto da procriação, o que leva à divisão infinita das fortunas pelo crescimento do número de cidadãos.
22
Regular a população era também uma preocupação de Platão; ele pensava que as cidades deveriam ter apenas 5040 cidadãos, número divisível por todos os inteiros de 1 a 12, exceto o 11, facilitando-se o trabalho administrativo de organizar grupos. Aristóteles, como Platão, também propõe a eliminação de crianças disformes. O que os difere é que Aristóteles acredita que no comunismo seria impossível regular a população.
23
A desigualdade e, por extensão, a existência de homens ricos é tolerável e até útil para a cidade. Os ricos pagam impostos e o Estado necessita deles para bancar as despesas das atividades em comum: cultos aos deuses, defesa da cidade etc.
24
Aristóteles não defende a supressão do Estado, pelo contrário, há um amplo espaço para o domínio público, inclusive a propriedade pública de terras. Vê-se então que a defesa da propriedade privada em Aristóteles não é radical.
25
Uma última idéia vale a pena comentar: o estagirita antecipa o argumento moderno contra a pretensão de eficácia do comunismo ao enfatizar o comportamento oportunista dos que não se empenham em contribuir para a sociedade, uma vez que o regime de propriedade comum garante de antemão o usufruto da produção social.
26
No contexto da época, tal argumento não era tão forte, já que de qualquer maneira os cidadãos não tinham que trabalhar. O trabalho penoso é incompatível como os objetivos da vida em contemplação. O trabalho agrícola do lavrador não é um impedimento para a virtude, ele até é bom, pois, confere força ao corpo e o torna apto para a guerra, embora prive os homens do lazer necessário à reflexão. O trabalho artesanal é o mais penoso e degenerativo por estragar o corpo.
27
O trabalho pode e para o cidadão deve ser evitado sem prejuízo para a existência, já que, de qualquer modo, os meios materiais para a sobrevivência dos cidadãos estão garantidos pela instituição da escravidão
28
Escravos são sub-homens que não podem ser senhores de sua própria vida e que necessitam de comando. No entanto, é preciso, em cada caso, averiguar se o escravo em questão é de fato um ser menos dotado. Não se pode aceitar que alguém que não mereça ser escravo o seja. Platão desenvolveu argumentos semelhantes a favor da escravidão, mas Aristóteles é mais enfático em afirmar que em certos casos o senhor deve libertar seu escravo.
29
Certo conforto material é condição para a vida reflexiva do cidadão, no entanto a procura ilimitada da riqueza é um vício que impede o alcance da verdadeira felicidade. Aliás, indivíduos bons são os que menos necessitam de riquezas.
30
Somente as atividades voltadas ao atendimento de necessidades naturais de consumo são dignas de serem examinadas pela Economia. Há uma distinção importante entre Economia ( oikonomik ) e Crematística ( chrematistik ). A ciência da administração doméstica se preocupa com o consumo e o aprovisionamento de riquezas na satisfação de necessidades humanas A Crematística estuda tudo o que diz respeito à aquisição de riquezas, incluindo o ganho e acúmulo de dinheiro por empréstimo e comércio.
31
A Economia estuda a maneira natural de aquisição de bens que consiste na apropriação pelo homem de outros seres vivos através da agricultura, pecuária, pesca e caça. A Crematística estuda modos não naturais e, portanto, condenáveis de adquirir bens via comércio e atividades financeiras.
32
Nem sempre o comércio é condenável, aceitamo-lo moralmente quando se trata de melhor atender às necessidades humanas pela especialização do produtor e troca do excedente. Nesse caso, a troca é um modo de atender a necessidades diversificadas e não um meio de acumulação de dinheiro. Então uma parte da Crematística tem um caráter natural, uma vez que visa o atendimento de necessidades.
33
Trocas para o acolhimento de necessidades Necessidades atendidas pela apropriação de seres vivos Obtenção de riquezas pelo comércio ou pela atividade financeira ECONOMIA (Natural) CREMATÍSTICA (Artificial )
34
A intersecção dos dois conjuntos mostra que há uma área da Economia que é Crematística e uma parte desta última que é objeto da Economia. Excetuando-se as condições em que o comércio e a atividade financeira fizerem parte da Economia, eles devem ser proscritos da cidade. O uso do dinheiro para fazer trocas e retirar disso o máximo lucro corrompe a alma humana e como tal é condenável. Trata-se da Crematística Pura, o setor não econômico da Crematística.
35
Na Política, Aristóteles explica que fazem parte dela o comércio exterior (e, portanto, as atividades de exportação e importação devem ficar a cargo dos estrangeiros), o trabalho assalariado (“o fato de se vender o próprio trabalho por dinheiro”), a formação de monopólio (“o açambarcamento de toda a quantidade disponível de uma mercadoria a fim de a revender muito cara”) e o empréstimo a juros, a atividade mais condenável de todas.
36
Nas condições em que a troca for necessária como parte da Economia, há que se observar a justiça no estabelecimento dos contratos. Neste ponto o conceito ético de justiça, exposto em Política e na obra Ética a Nicômaco, é aplicado nas trocas; é quando aparecem as reflexões aristotélicas sobre o valor dos bens que lançam as bases do pensamento econômico que se farão presentes no nascimento dessa ciência no século XVIII.
37
Aristóteles concebe a justiça em sociedade com base na noção de igualdade proporcional: dar mais àqueles que merecem mais. As trocas devem obedecer a um critério de reciprocidade. O que é considerado mérito depende da sociedade em questão, muito embora o filósofo apregoe que a virtude deva ser o critério maior. No caso dos contratos, a discussão da reciprocidade nas trocas lança sementes de um aspecto fundamental do pensamento econômico: qual o critério que regula as proporções trocadas dos bens?
38
Aristóteles oscila de posição, primeiro ele pensa que as partes devam receber de acordo com o trabalho despendido na obtenção do bem. Tal idéia antecipa o que será aceito entre os economistas clássicos como a teoria do valor-trabalho. O Filósofo, porém, está ciente das dificuldades desta medida de mérito, primeiramente pelas diferenças qualitativas entre trabalhos de naturezas distintas e depois pelo preconceito grego, muito arraigado, contra o trabalho, o que torna difícil elegê-lo como elemento de mérito regulador das trocas justas.
39
O estagirita parte para outro princípio que deveria regular as trocas: a importância da necessidade atendida pelo bem. Ciente de que isto envolve o conhecimento de avaliações subjetivas, ele se mostra céptico quando à possibilidade do uso deste critério na avaliação moral de situações econômicas concretas.
40
Aristóteles diz que na prática os bens são avaliados pela moeda e que os valores monetários devem então refletir os diferentes graus de necessidade. Não há, de fato, muito aprofundamento dessa questão. Importa assinalar que Aristóteles lança e discute superficialmente as duas principais vertentes do pensamento econômico na explicação do valor: a teoria do valor-trabalho e a teoria do valor-subjetivo.
41
Na sua obra Política, Aristóteles discorre sobre a natureza da moeda. Descreve como ela surgiu historicamente e diz que a moeda veio a ser adotada por sua função de meio intermediário entre os bens: instrumento de comparação de valores e facilitadora das trocas. O filósofo aponta também para a função da moeda como reserva de valor, antecipando uma idéia importante na moderna teoria monetária.
42
Outra questão monetária investigada por Aristóteles pergunta se o valor da moeda depende do valor do metal precioso contido nela ( metalismo ) ou se aquele valor provêm da autoridade de um governo que a põe em circulação ( nominalismo ). Entre os defensores da interpretação nominalista da moeda aparece Platão nas Leis. Aristóteles, sem aderir a ela, também não se sente inteiramente convencido da posição metalista que atribui valor intrínseco à moeda. Para ele, as propriedades físicas tanto quanto o costume do povo e a força da lei explicam a natureza da moeda.
43
Anteriormente ao século V a.C., Roma à época de Aristóteles ainda não era uma cidade importante. Sua sociedade aristocrática separava os homens entre nobres e plebeus, havendo em cada uma das classes uma ampla subdivisão de grupos ordenados pela riqueza. A partir de então essa cidade começa a desenvolver um crescente poderio até se constituir no maior império da Antigüidade em extensão e riqueza, que durou cerca de mil anos, até sua completa desintegração entre 535 e 540 de nossa era.
44
O desenvolvimento do império romano acompanha a decadência da civilização helênica pela dispersão de seus povos, instabilidade política e guerras internas. Após ter sido subjugada pelos reis da Macedônia, a Grécia é por fim anexada ao império de Roma em 146 a.C. Toda a orla do mar Mediterrâneo teve esse mesmo destino. A conquista dos povos mediterrânicos fez parte da estratégia da aristocracia romana que através da pilhagem, do comércio e de deportações em massa logrou grande êxito em seu enriquecimento.
45
O poder está nas mãos dos grandes proprietários que dominam a Assembléia Centurial em detrimento das outras classes sociais já em 312 a.C. O regime republicano mantém-se coeso graças a concessões calculadas que vão sendo paulatinamente feitas à plebe e ao combate encarniçado contra os escravos rebelados sob a liderança de Sálvio, Atenião e Espártaco, em diferentes momentos, até a derrota definitiva desses movimentos em 71 a.C.
46
O período áureo de Roma ocorre na fase imperial que se estabelece em 27 a.C. com a tomada do poder por Augusto. As liberdades políticas são abolidas e um Senado, sem poder, fornece os quadros dirigentes de governadores de províncias e generais. Nesta fase, uma intensa atividade econômica se verifica espalhada pelo império.
47
A elite de Roma desenvolve hábitos sofisticados e de toda parte afluem bens de consumo na satisfação de seus desejos. O comércio entre regiões se desenvolve, adotam-se moedas para intermediar as trocas. Instituições de crédito similares ao cheque e notas promissórias eram conhecidas e usadas. Há banqueiros profissionais e até um banco público para supervisionar suas atividades.
48
O governo tem de enfrentar problemas econômicos típicos da era moderna como crises monetárias e fiscais, falta de ouro, balança comercial deficitária e inflação. Os imperadores intervêm de muitas formas na vida econômica, fixando preços, tabelando os juros, protegendo devedores, inspecionando a qualidade dos bens nos mercados, confiscando mercadorias defeituosas ou estragadas.
49
Também atuam com medidas contra a competição estrangeira, outras que regulam o uso das vias públicas, que proíbem a exportação de metais preciosos e até organizando as profissões em corporações obrigatórias.
50
Com tudo isto, era de se esperar que o pensamento econômico tivesse grande desenvolvimento no período, mas tal fato não ocorreu. Pelo contrário, há uma relativa estagnação entre os romanos em relação às reflexões políticas e econômicas dos povos gregos. Isto se explica pelo fato de a cultura romana ter desenvolvido um viés bastante pragmático; os romanos são homens de ação e estão mais preocupados com idéias concretas sobre relações econômicas, de aplicação imediata nos negócios do dia-a-dia, e menos voltados à análise puramente teórica.
51
A principal fonte de idéias econômicas na Roma Antiga localiza-se no sistema de leis. Há um pensamento econômico original e fértil entre os juristas romanos. Na elaboração das leis com impacto na economia, esses juristas tendiam a dar menos importância a considerações éticas e religiosas. A inclinação predominante era ver a esfera econômica como dominada pela ação de forças impessoais.
52
Tal fato representa um afastamento em relação aos povos antigos que não separavam a esfera econômica da dimensão ética e política. Mas não se pode exagerar essa interpretação a ponto de se falar em teorias de sistema econômico imbuído de racionalidade própria. Contudo, a partir dos romanos inicia-se um caminho em direção a essa perspectiva que somente se desenvolve no nascimento da Economia como ciência no século XVIII.
53
Não se pode negar que as concepções filosóficas e teológicas também tiveram alguma influência no pensamento econômico do período, mesmo levando-se em conta que pouca filosofia original sobre política, Estado e vida social aparece entre os romanos. Roma esteve sob a influência de duas doutrinas filosóficas principais: o epicurismo e a filosofia estóica.
54
Epicuro viveu em fase decadente da civilização grega, entre 341 e 270 a.C., e suas idéias refletem a percepção de um período em que os valores dessa civilização estão sendo questionados. Assim suas crenças desdenham do legado aristotélico; a filosofia política peripatética é posta de lado e com ela a tese de que a sabedoria somente seria alcançada com a ajuda da cidade. A ênfase recai agora no indivíduo isoladamente considerado dentro de uma concepção materialista e atéia.
55
Nele, a realidade é composta de átomos materiais que se combinam mecanicamente para formar os corpos sensíveis, como nos filósofos pré-socráticos. Os deuses que existem são também corpos materiais, só que inteiramente estranhos ao resto do mundo. O homem deve abandonar o mundo da cidade e voltar-se para si mesmo, adotando o comportamento hedonista de maximizar a sua própria felicidade ao longo da vida, pelo cultivo moderado do prazer carnal e da amizade
56
O estoicismo foi a principal influência filosófica sobre as concepções legais e o pensamento econômico de Roma. Ele conjuga tendências idealistas e materialistas e representa em relação ao epicurismo um afastamento menor de Aristóteles. A concepção moral dos estóicos retém de Aristóteles a explicação teleológica do mundo pelos fins que se persegue, em detrimento do modelo mecânico de Epicuro. Aliado a isso, há uma dose de fatalismo que apregoa a resignação diante do mundo, o que leva a uma indiferença em relação à sociedade e seus problemas.
57
A felicidade consiste no domínio dos desejos e paixões. O sábio deve seguir a ordem intangível e divina da natureza, submetendo-se, pela sua própria vontade, às leis naturais. A felicidade está na adesão da razão particular à razão presente na ordem universal. A razão soberana da natureza revela-se diretamente à consciência individual dizendo ao homem o que deve e o que é proibido fazer, conferindo às leis um valor absoluto.
58
Com o tempo, as leis romanas vão se tornando cada vez mais divorciadas da religião e menos guiadas pelos costumes locais, na medida em que são fundadas em princípios gerais de racionalidade, ligados à ideia grega de natural ( jus naturale ). O conceito de lei natural terá uma grande influência na doutrina jurídica de Roma e também entre os filósofos morais da época, principalmente Cícero e Sêneca. No século XVIII, a ideia de lei natural será retomada pelo pensamento dos fisiocratas e de Adam Smith.
59
A ênfase da lei em elementos impessoais leva ao desenvolvimento de um sistema legal científico que prioriza os direitos do indivíduo mais do que os de comunidades como famílias e clãs. Desenvolve-se então a liberdade de contrato e o direito individual de dispor da propriedade. O reconhecimento legal das instituições da propriedade privada e do contrato favoreceu os processos econômicos e também foi importante para a evolução do pensamento econômico.
60
O sistema de direitos privados individuais foi, de fato, a grande contribuição intelectual dos romanos. Idéias e preceitos econômicos são discutidos pelos juristas de Roma. Eles conheciam a instituição da moeda e sabiam de sua vantagem para as trocas. Eram metalistas, pois achavam que a moeda tinha um valor intrínseco que não poderia ser estabelecido por lei. No período romano, os juros sempre estiveram fixados ou controlados por lei.
61
Já em 450 a.C., a Lei das Doze Tábuas fixa os juros, condena a usura e busca diferenciar juros de usura. Em 357 a.C. os juros estão fixos por lei em 10% ao ano e dez anos depois em 5%. Na seqüência, as leis genucianas proíbem completamente os juros. As leis justinianas fixam os juros entre 4 e 8% de acordo com as características do empréstimo.
62
Na prática, entretanto, a lei era letra morta, pois as taxas de juros variavam com as condições de mercado. De fato, as leis foram se tornando mais flexíveis com os juros na medida em que o império se enriquecia e os empréstimos se generalizavam. Em geral, as taxas praticadas eram muito maiores nas províncias mais distantes, chegando a quase 50% ao ano em alguns casos.
63
O Direito Romano também tecia idéias sobre preço e valor econômico dos bens. Havia um senso prático nessa questão. A Lei das Doze Tábuas deixava os preços ao sabor do mercado. O preço era visto como uma resultante dos processos de regateio no mercado, onde cada parte tendia a fazer o seu ponto de vista prevalecer. Os juristas romanos não analisam as forças que determinam o preço final da transação, mas com o tempo surgem discussões sobre o preço justo ( verum pretium ).
64
A idéia de preço justo será depois retomada pelos padres da Idade Média e ela está na base da idéia moderna de preço de equilíbrio. Um aprofundamento na questão do valor aparece nos filósofos morais Cícero e Sêneca. Eles reconhecem a importância do desejo humano e da utilidade do bem na determinação do valor. Com o crescimento do comércio e do crédito, os romanos passam cada vez mais a ver na “utilidade” o fundamento para o valor de troca dos bens.
65
Nos últimos dois séculos antes da queda do império romano, a percepção da decadência estimula o desenvolvimento de idéias econômicas e as iniciativas de intervenção do Estado nas atividades econômicas como um paliativo para evitar o desastre anunciado. Em 301 da nossa era, Dioclesiano fixa nos contratos um preço justo com base no custo tradicional de produção. Cresce a partir de então as tentativas de limitar os contratos introduzindo considerações éticas.
66
Embora encontremos no Direito Romano uma visão renovada dos processos econômicos, menos embebida de considerações éticas e religiosas, não se pode dizer que se tenha abandonado por essa época o antigo preconceito e desdém contra o trabalho e a atividade econômica. O filósofo Cícero, no século I, afirma que os homens ocupados em trabalhos manuais são de fato inferiores e possuem uma natureza servil. Ele também condena a atividade crematística que visa tão somente o lucro e o empréstimo a juros.
67
Diz que “quem empresta dinheiro assassina um homem”. Cícero se posiciona contra o comércio e a contratação de mão de obra assalariada. Em geral, os filósofos morais de Roma condenam os luxos e vícios da época, a sede de dinheiro e de riqueza, e pedem moderação e comedimento na vida econômica. Fazem a apologia da vida simples dedicada à agricultura como nos tempos remotos e apregoam uma volta à natureza.
68
Entre os romanos, entretanto, constata-se algum progresso na mentalidade anti-econômica. Há a defesa da propriedade que é tida como legítima se adquirida conforme ao direito. Mesmo a riqueza não é tão execrada como antes. Sêneca diz que a riqueza fornece ao homem sábio uma matéria para ele desenvolver suas qualidades, desde que ganha de modo honesto. Os mercados e o processo de formação de preços são melhor compreendidos.
69
Os devedores são protegidos por lei e estão salvos contra a escravidão. Na ausência de fraude, o comprador não pode processar o vendedor. Há em Cícero argumentos sobre o papel da divisão do trabalho. A escravidão, embora generalizada no império romano e embora se encontrem filosóficos que a justifique, é condenada com base em argumentos econômicos nos escritos que tratam dos princípios práticos das propriedades agrícolas, dos autores romanos Varrão, Catão e Columella.
70
Os romanos não acrescentaram muito ao pensamento econômico, não desenvolveram teoria nessa disciplina. No entanto, o estudo de suas doutrinas jurídicas e filosóficas é importante para uma compreensão da evolução das idéias econômicas. Não se pode negar que houve um avanço na interpretação econômica entre os romanos e talvez falte na literatura especializada em história da idéias um maior aprofundamento no período em questão.
Apresentações semelhantes
© 2024 SlidePlayer.com.br Inc.
All rights reserved.