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PublicouLuiz Guilherme Ribas Dreer Alterado mais de 7 anos atrás
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Thomas Daniel Finbow Departamento de Linguística (FFLCH/USP)
Curso de Linguística Histórica (FFL 0443) 2.º Semestre de 2014 6. MUDANÇA SINTÁTICA Thomas Daniel Finbow Departamento de Linguística (FFLCH/USP)
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1. A REANÁLISE DAS ESTRUTURAS SINTÁTICAS SUPERFICIAIS:AS CÓPULAS
Em comum com o que vimos na aula sobre mudança morfológica, a REANÁLISE e talvez o mais comum dos caminhos da mudança sintática. Examinaremos primeiro a criação de uma partícula gramatical especial chamada a CÓPULA. As cópulas geralmente servem para conectar dois elementos dentro de uma oração, tipicamente dois sintagmas nominais. Em português, como em muitas línguas indo-europeias, a cópula é o verbo ser. Paris É a capital da França. Maria É médica. As árvores SÃO verdes. Eu SOU alto. No entanto, em muitas línguas não existem verbos copulares e a simples justaposição serve para expressar a mesma relação de equivalência, por exemplo: Turco: Ali büyük (lit., Ali grande) “Ali é grande”. Tupi: Kunumĩ i nem (lit., “menino ele fedorento”) “O menino é fedorento”
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2 .O DESENVOLVIMENTO DE CÓPULAS: MANDARIM
O mandarim moderno: Hūa shì hóng. (lit., Flor shì vermelha.) “A flor é vermelho”. Nà shì cāochăng. (lit., Esse shì pátio de recreio.) “Esse é o pátio de recreio”. O chinês antigo (até o séc. III a.C): Inicialmente, não havia uma cópula. Wáng-Tái wù zhĕ yĕ. (lit., Wang-Tai pessoa excelente [Part. decl.]).“Wang-Tai [é] uma pessoa excelente”. Naquela época, shì era um pronome demonstrativo que significava “este” ou “isto”. Zi yù shì rì kū. (lit., Confúcio em este dia chorou.) “Confúcio chorou neste dia”. O demonstrativo shì aparecia com frequência em orações coordenadas para expressar “isto”. Qīan lĭ ér jiàn wáng, shì wŏ suŏ yù yĕ. (lit., Mil milhas então ver rei, isto eu [part. nom.] desejo [part. decl.]. “[Viajar] mil milhas para ver o rei, isto é o que eu desejo”. O PROCESSO DE REANÁLISE SINTÁTICA: (1) X shì Y = “X. Isto [é] Y” → reinterpretado como → (2) “X shì Y” = X cópula Y (“X é Y”). O processo de reinterpretação funcional de shì foi facilitado pelo fato de que, até o séc. VI, d.C., shì desapareceu do chinês clássico como um pronome demonstrativo. Isso deixou apenas os casos de shì que decorriam das circunstâncias em que shì tinham a função duplicada de demonstrativo e/ou cópula e assim conduziu a concretizar a sua transformação sintática.
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3. O DESENVOLVIMENTO DE CÓPULAS: HEBRAICO
No tempo presente, o hebraico bíblico não tinha nenhuma cópula, mas hoje essa língua apresenta uma cópula, a saber, hu. As regras que determinam a aparência da cópula no hebraico moderno são complexas. Ela é obrigatória nalguns contextos, é facultativo noutros situações e ela está proibido em mais outras! David hu ha-ganav. (lit., Davi CÓPULA o-ladrão.) “Davi é o ladrão”. Moše hu student. (lit., Moše CÓPULA estudante.) .“Moše é estudante”. As origens desta cópula hu no hebraico moderno são claras: a cópula se formou a partir da reanálise do pronome masculino da terceira pessoa do singular, hu “ele”, que ainda desempenha essa mesma função no hebraico moderno. Hu ohev et-Rivka. (lit., Ele ama [acus.]-Rivka.) “Ele ama a Rivka”. O PROCESSO DE REANÁLISE SINTÁTICA: “Moshe, ele estudante”. → “Moshe é estudante”. A prova de que hu é uma cópula genuína no hebraico moderno são frases como a seguinte: Ani hu há-student še-Moše diber itxa alava. (Eu CÓPULA o_estudante que Moše falou contigo sobre_ele.) “Eu sou o estudante de quem Moše te falou”. No exemplo acima, o sujeito é a primeira pessoa do singular e, portanto, nesse contexto, hu não pode ser interpretado como “ele” (3ª pess. masc. sing.).
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4. CRIAÇÃO DE UMA CÓPULA EM MOJAVE
O mojave (uma língua indígena da família yunan da América do Norte) apresenta uma cópula, ido-, p. ex ., John kʷaθʔideː-č ido-pč. João médico-č ser-[Tempo]. “John é médico”. Nessa frase, a cópula é verbal e exibe um marcador de tempo como qualquer outro verbo e, assim, não parece que haja nada que valha a pena comentar. No entanto, em determinadas circunstâncias, as orações copulativas em mojave apresentam uma característica curiosa, p. ex., John-č Mary iyuː-pč. João-[Subj.] Mary ver-[Tempo]. “João viu a Maria”. Aquele sufixo –č que vemos em John e na cópula tipicamente indica o SUJEITO. Contudo, na frase John kʷaθʔideː-č ido-pč, esse mesmo sufixo não aparece no sujeito, mas marca o COMPLEMENTO, ou seja, kʷaθʔideː-č “médico”.
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Existem duas perguntas a que é preciso responder:
5. {–ido} E {–č} EM MOJAVE Munro (1977) investigou o surgimento da cópula em mojave. Ela fez as seguintes observações: O sufixo –č só aparece nos sujeitos de ORAÇÕES PRINCIPAIS; Esse sufixo não ocorre nos sujeitos no maioria dos tipos de ORAÇÕES SUBORDINADAS, p. ex.: ʔ-nakut ʔava uːčoː-lʸ ʔ-navay-k. (lit., Meu-pai casa fazer-em eu-morar-[TEMPO]). Ou seja, “Eu moro na casa que meu pai construiu”. ʔ-nakut “meu pai” não leva o sufixo –č porque essa sintagma é o sujeito de uma oração subordinada (neste caso específico, trata-se de um oração relativa). Existem duas perguntas a que é preciso responder: (1) Por que o sufixo –č aparece de modo atípico no sintagma nominal do complemento? (2) Será que a palavra John, e as outras que podem ocorrer nesta posição sintática originalmente não eram o sujeito da oração principal nas sentenças do tipo que estamos investigando?
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6. A CÓPULA MOJAVE (cont.) A análise de Munro (1977) se focou na ESTRUTURA CONSTITUINTE das orações em questão: Originalmente, o mojave não tinha uma cópula, mas havia um verbo existencial ido- “ser assim”, “existir”, “ser o caso”. Portanto, originalmente, a frase John kʷaθʔideː-č ido-pč, exibia a seguinte estrutura sintática bi-clausular: Oração principal – idopč = “é_o_caso”. Oração subordinada – John kʷaθʔideː = “João [é] médico”. A oração subordinada consta como o sujeito da oração principal e, portanto, é a oração inteira que recebe o sufixo marcador para o sujeito –č. [João médico]–č existe. ([Que] João [é] médico]) é_o_caso.
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7. REANÁLISE SINTÁTICA NO MOJAVE MODERNO
Munro (1977) informa que atualmente alguns falantes jovens de mojave apresentam orações copulares da seguinte estrutura: John–č kʷaθʔideː ido-pč. João-[Subj.] médico ser-[Tempo]. “João é médico”. O que poderia estar acontecendo entre esses jovens em termos da análise sintática desse tipo de sentenças? Esses falantes mais jovens de mojave reanalisaram a estrutura biclausular tradicional como se fosse uma ÚNICA oração em que o primeiro sintagma nominal é percebido como o sujeito e, portanto, recebe o sufixo –č, marcador do sujeito. Esta reanálise poderia estar ocorrendo sob a influência o inglês que é, como sabemos, uma língua com um verbo copular, to be.
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8. A REANÁLISE SINTÁTICA: O PRETÉRITO PERFEITO GERMÂNICO E NEOLATINO
A reanálise não é apenas um processo que cria cópulas. É um fenômeno penetrante na mudança sintática. O PRETÉRITO PERFEITO: NAS LÍNGUAS NEOLATINAS: Francês: J’ai chanté Il a chanté Il avais chanté. Il avait chanté. Espanhol: (Yo) he cantado. (Él) ha cantado. (Él) había cantado. (Él) había cantado. Italiano: (Io) ho cantato (Egli) ha cantato. (Io) avevo cantato. (Egli) avava cantato. *Português: (Eu) tenho cantado. (Ele) tem cantado. (Eu) tinha cantado. (Ele) tinha cantado. (Ptg., fml / arc.) (Eu) Hei cantado. (Ele) há cantado. (Eu) havia cantado. (Ele) havia cantado. NAS LÍNGUAS GERMÂNICAS: Inglês: I have sung He had sung I had sung. He had sung. Alemão: Ich habe gesungen. Er hat gesungen. Ich hatte gesungen. Er hatte gesungen. Holandês: Ik heb gezongen. Hje heeft gezongen. Ik had gezongen. Hje had gezongen. Sueco: Jag har sjungit. Han har sjungit. Jag hade sjungit. Han hade sjungit. Dinamarquês: Jeg har sunget. Han har sunget. Jeg havde sunget Han havde sunget. A estrutura do sintagma verbal nessas línguas: VERBO AUXILIAR “ter” ~ “haver” + PARTICÍPIO. Fr., J’ai mangé. Ital., (Io) ho mangiato. Esp., (Yo) he comido. Ingl., I have eaten. Al., Ich habe gegessen. VERBO AUXILIAR “ser” + PARTICÍPIO: Je suis arrivé. Io sono arrivato. Ich bin angekommen. Nalgumas línguas neolatinas o verbo ser desempenhava esta função auxiliar no pretérito perfeito, mas isso desapareceu nas línguas modernas: Esp. ant., (Yo) soy ido. Ingl. ant., He is come.
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9. A REANÁLISE SINTÁTICA: O PRETÉRITO PERFEITO NAS LÍNGUAS GERMÂNICAS
No inglês moderno, o verbo to have desempenha duas funções primárias: (1) Esse verbo serve como verbo auxiliar do pretérito perfeito + particípio, p. ex., She has studied in Paris. (“Ela estudou em Paris”). I have finished my dinner. (“Eu terminei o jantar”). (2) Também, to have é um verbo léxico (verbo pleno) que significa “possuir”, “ter”, p. ex., I have a copy of her new book. (“Eu tenho uma cópia do seu novo livro”.). She has blue eyes. (“Ela tem os olhos azuis”). No entanto, o inglês tem uma outra construção que também exibe o verbo to have como verbo auxiliar e um particípio, como em (1), mas esta segunda construção apresenta uma ordem de palavras distinta: Trata-se de uma estrutura com significado EXISTENCIAL: I have a couple of ribs broken. (“Eu estou com/tenho umas costelas quebradas”). She has a daughter trapped on the island. (“Ela está com/tem uma filha presa na ilha”). Nesses últimos exemplos da terceira construção, não há nenhuma sugestão de que fosse eu mesmo que quebrei as minhas próprias costelas ou que fosse ela mesma que prendeu a própria filha na ilha. Considerem também a diferença na ordem constituinte em (3) – verbo have + objeto + particípio VERSUS (1) [verbo have + particípio + complemento].
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10. O PRETÉRITO PERFEITO GERMÂNICO
O inglês antigo exibia uma construção igual ao uso existencial moderno: Ic hæbbe þone fisc gefangenne. “Eu tenho o peixe pescado” (lit., “eu tenho o peixe [e ele está] pescado”). Ic hæfde hine gebundenne. “Eu o tenho amarrado” (lit., “eu o tenho [e ele está] amarrado”). Reparem como o particípio concorda em gênero, número e caso com o complemento. Assim, está claro que o verbo principal é hæbban “ter”/”haver”, ”possuir” porque os particípios concordam com os sintagmas nominais do objeto direto e, portanto, os particípios são adjetivais; eles modificam os SN OD. Dentro de pouco tempo, contudo, a concordância desapareceu entre o particípio e o complemento direto: Ic hæfde hit gebunden. (“Eu o tenho amarrado”). Adicionalmente, apareceram frases com a mesma ordem de constituintes, mas nas quais uma leitura com um sentido existencial não era possível: Þin geleafa hæfð ðe gehæled. “Tua fé te curou.” (A fé, que é inanimada, não pode “ter” uma pessoa e a comida, estando consumida, não pode ser “tida”. Portanto, sabemos não estar diante de frases existenciais. Ac hie hæfdon þa ... hiora mete genotudne. “Mas então eles tinham consumido sua comida”. Nessas sentenças acima, o verbo hæbban agora está sendo interpretado como um verbo auxiliar que indica o tempo, o modo, o número e a pessoa do verbo léxico (o verbo principal) que é representado pelo particípio. Daí, o rearranjo da ordem dos constituintes da frase que passa a posicionar o verbo auxiliar junto ao verbo léxico, já que eles constituem agora um único sintagma verbal.
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11. O REI QUE GOSTAVA DE PÊRAS (A REANÁLISE SINTÁTICA DO VERBO TO LIKE)
As vezes, uma reanálise pode ser favorecida pela ausência ou pela perda de marcadores morfológicas explícitas que seriam inconsistentes com a análise nova. Inglês antigo: Lician “gostar (de)” sujeito = SN nominativo (A coisa de que se gosta). objeto = SN dativo (Quem ou o que gosta de algo) O inglês antigo exibia uma ordem sintagmática não-marcada de SVO. Assim, anteciparíamos uma oração com a ordem sintática **Peran licoden þam cynge. (“As pêras gostavam ao rei”, “As pêras eram_gostosas ao rei” ), ou seja, “O rei gostava de pêras”. Porém, diferentemente a maioria das frases no ingl. ant., a ordenação normal de orações que continham lician era OVS. Isso talvez por uma tendência quase universal nas línguas humanas de colocar os SN que refiram a seres animados em primeiro lugar nas orações: Þam cynge licoden peran. (lit., Ao rei gostavam pêras) “O rei gostava de pêras”, cf. esp. mod., Al rey le gustaban las peras.).
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12. O REI E SUAS PÊRAS DURANTE A IDADE MÉDIA
Durante a Idade Média, o inglês perdeu muitas desinências gramaticais, incluídas as do caso dativo. Então, no ingl. méd., a mesma sentença ficou assim: Þe king liceden peares. Agora, apenas a concordância de número no verbo indica que o sujeito é peares e não þe king. Finalmente, os marcadores do plural foram elididos do verbo: The king liked pears. A partir desse momento, não havia mais indicação alguma de que “the king” não fosse o sujeito gramatical, dada a ordem sintática canônica SVO e a ausência de marcadores flexionais explícitos ao contrário. Por conseguinte, to like foi reanalisado: Passou de ser um verbo intransitivo que regia um complemento dativo Tornou-se um verbo transitivo canônico. Em inglês moderno, dizemos hoje: He liked pears (**Him liked pears) e The king likes pears (**The king like pears).
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13. OS VERBOS AUXILIARES PERFECTIVOS ROMÂNICOS: ESSE
O pretérito latino era sintético e não distinguia por meios morfológicos entre o passado pontual e o passado perfeito. Fēcī – hice. I did. Ich machte. (je fis). feci. fiz. ... he hecho. I have done. Ich habe gemacht. j’ai fait. ho fatto. [tenho feito] No latim clássico, existia uma classe de verbos chamados de “depoentes” que apresentavam a morfologia da voz passiva, mas o significado da voz ativa – Proficiscor. “Eu saio”. Profectus sum. “Eu sai”. Observem que o tempo pretérito dos verbos depoentes e dos verbos transitivos na voz passiva é ANALÍTICO no latim clássico: Laudor. “Eu sou louvado”. Laudatus sum. “Eu fui louvado”. Notem também a ambiguidade entre o tempo pretérito e a voz passiva nestes verbos depoentes: Hortor. “Eu exorto”. Hortatus sum. “Eu exortei” ou “eu fui exortado” (lit., “exortado sou”).
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14. A EXTENSÃO DE ESSE COMO AUXILIAR
Os verbos depoentes transitivos desapareceram no latim tardio, deixando apenas os verbos depoentes intransitivos, p. ex., proficiscor “eu sai”, morior “eu morro”, nascor “eu naci”, progredior “eu progrido, ingredior “eu ingresso”. Esse fato vai se revelar significante... A construção analítica do pretérito dos verbos depoentes intransitivos foi estendida por analogia a outros verbos que não eram depoentes originalmente, mas que compartilhavam a sintaxe e/ou o significado parecidos com verbos depoentes, p. ex., Profectus sum. “eu saí”. → Ven(u)tus sum. “eu sou vindo”, “eu vim”.
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15. A GRAMATICALIZAÇÃO DE ESSE COMO AUXILIAR PERFECTIVO
Essas classes de verbos compartilham uma estrutura sintática MONOVALENTE (há apenas um argumento) e esse é um sujeito que é um PACIENTE, ou seja, a ação ou evento emana ou cerne o sujeito que não é um “agente”. Proficiscor. – Verbo depoente intransitivo: monovalente e argumento sujeito paciente. Vēnio. – Verbo intransitivo canônico: monovalente e argumento sujeito paciente. A semelhança da semântica e na estrutura sintática dos argumentos conduz a semelhança formal entre esses verbos (analogia), ou seja, a extensão de esse “ser” como o verbo auxiliar do aspecto perfectivo: Profectus sum. → Ven(u)tus sum. > je suis venu. (Io) sono venuto. [(yo) soy venido]. Esses verbos são conhecidos como verbos INACUSATIVOS. Tais verbos expressam mudanças no espaço (ir, vir, chegar, etc.) ou mudanças de estado (nascer, morrer, engordar, envelhecer, emagrecer, etc.).
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16. GRAMATICALIZAÇÃO DOS AUXILIARES PERFECTIVOS ROMÂNICOS: HABERE
No latim clássico, habēre era um verbo que significa “possuir”: Pĕcūnĭās magnās habent. “Capital grande [eles]-possuem”. “Eles têm muito capital”. In ea prōvĭncĭa pĕcūnĭās magnās cŏllŏcātās habent. (Cícero) [SINT. ADV. em essa província [SINT. NOM. capital grande [PART. investido] [SINT. V. possuem]. “Nessa província eles possuem muito capital [que está / que eles têm] investido”. Em termos da sintaxe, habēre era um verbo transitivo bivalente: O predicado precisa de DOIS argumentos, um sujeito e um complemento direto.
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17. GRAMATICALIZAÇÃO DE habere
No entanto, habēre não era um verbo transitivo canônico, porque não envolvia o conceito de AGÊNCIA (oagente faz algo a um paciente ou a um tema), p. ex., A Maria beija o Paulo. [agente]_a Maria + [ato]_beija + [paciente]_o Paulo. O Lucas come uma banana. [agente]_o Lucas + [ato]_come + [paciente]_uma banana. O predicado bivalente típico (verbo transitivo) exibe a seguinte estrutura argumentacional : AGENTE+PACIENTE, p. ex., O cachorro rói o osso. A estrutura argumentativa do verbo habēre = LOCATIVO + TEMA, ou seja, indica-se a localização do item possuído, p. ex., O Fred tem uma casa grande. A Luísa tem o cabelo ruivo. Locativo Predicado Tema. Locativo Predicado Tema. Cf., Há um prédio nesta rua. Tem uma árvore no jardim da casa. (há < habet [3ª pess. pres. do sing. do indic. ativo]
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18. GRAMATICALIZAndO habere (cont.)
O sujeito em orações como In ea prōvĭncĭa pĕcūnĭās magnās cŏllŏcātās habent não é um agente. Portanto, não há um agente específico para o particípio transitivo cŏllŏcātās do verbo collocāre (“pôr”, “colocar”, “investir”). Assim, não é difícil imaginar-se como a ordem original em (1) poderia ser reinterpretada como um caso da estrutura (2): (1) (“Eles”) habent [pecunias magnas (...?) collocatas] LOC. PRED. TEMA [AGENTE?] PART. ADJETIVAL. (2) (“Eles”) habent collocat(-as)] [pecunias magnas] AGENTE VB AUX. VB PRINC. TEMA. No exemplo (1), a frase exibe a seguinte estrutura: Eles possuem muito capital [que alguém investiu / que foi investido]. Esse particípio é de origem adjetival. Sabemos disso pela concordância por gênero (feminino) número (plural) e caso (acusativo) com o objeto que é modificado.
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19. O VERBO AUXILIAR HABERE
No entanto, no latim tardio surgiram construções como ‘... uti ... matematicam notam... habeat’ (Vitrúvio, De architectura, 1.i.8), que significa “... para que tenha conhecimento da matemática”. Na sentença acima está evidente que o sujeito do particípio do verbo noscō “conhecer” só pode ser o mesmo do que o sujeito do verbo habeō: ... Uti matematicam notam habeat. Para que matemática-[acus. sg.] conhecido-[acus. sg.] haber-[3ª sg. pres. subj. (haja)] O verbo habere aparece primeiro como verbo auxiliar com os verbos transitivos, especialmente com os em que o auxiliar e o particípio têm que ter o mesmo sujeito, p. ex., cognoscō “conhecer”, comperiō “aprender”, “descobrir”.
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20. CRESCIMENTO DO USO DE habere
Daí, esse uso de habere como verbo auxiliar foi ampliado para abranger alguns verbos intransitivos. Possivelmente, o processo de expansão tenha se iniciado com aqueles verbos intransitivos que podem ser utilizados também como transitivos, p. ex., cognoscĕre e comperīre, que também pertencem a esse grupo. Hoc cognitum habeō (lit.“eu tenho isso conhecido”) > Cognitum habeō “conheci” > esp., (Lo) he conocido; fr., Je l’ai connu,
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21. A SINTAXE DOS VERBOS AUXILIARES
Nesse processo de GRAMATICALIZAÇÃO, o predicado habere perde a subcategorização sintática original (locativo + tema) ao longo da sua passagem de um verbo principal para um verbo auxiliar que serve para indicar as categorias gramaticais do verbo principal (verbo léxico) o qual é refletido no particípio e cuja subcategorização passa a prevalecer. Habēre (Vb. Princ.: Agente, Tema) + Particípio adjetival. → Habēre (Vb. Aux.: Temp., Núm., Pess., Modo) + Particípio verbal (que indica o Vb. Princ.). Assim, podemos acompanhar a difusão da reanálise pela expansão da falta a concordância entre o particípio e o objeto direto. Posteriormente, em muitas línguas neolatinas, o auxiliar descendido de habēre passa a aparecer com verbo intransitivos como “dormir” (p. ex., esp., he dormido, fr., j’ai dormi, ital., ho dormito.), que só manifestam construções monovalentes.
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22. MARCADORES DE GRAMATICALIZAÇÃO NOS VERBOS AUXILIARES ROMÂNICOS
Nas línguas neolatinas modernas, constatamos uma distinção entre o uso do verbo “haver” quanto verbo auxiliar gramaticalizado e seu uso como verbo léxico com sentido pleno pela presença ou ausência de concordância entre o particípio que o acompanhe. Ital. e fr., Verbo avere/avoir como auxiliar do perfeito e para expressar a posse (Io) preparai la cena. (Io) ho preparato la cena. (Sem concordância = verbo auxiliar + particípio do verbo lexical.) (Io) ho la cena preparata. (Concordância = verbo “habere” léxico + particípio adjetival.) Je préparai les repas. J’ai préparé les repas. (Sem concordância com o objeto.) J’ai les repas préparés. (Particípio adjetival concorda em número e gênero com o objeto.) Esp., (Verbo haber como auxiliar perfectivo e o verbo tener para expressar a posse): Comi una manzana. He comido una manzana (sem concordância de número ou gênero com o objeto.). Tengo la cena preparada. / Tengo preparada la cena. (Há concordância.) Ptg., (Verbo ter para expressar tempo presente do perfeito habitual e a posse): Preparei a sobremesa. Tenho preparado as sobremesas (ultimamente / a tarde inteira). Tenho as sobremesas preparadas.
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23. PRETÉRITO PERFEITO PERIFRÁSTICO ROMÂNICO: RESUMO
O tempo pretérito (“perfeito”) latino (laudavi, feci, etc.) desempenhava duas funções, uma temporal – ele expressava a categoria temporal “pretérito” (que refere a situações completamente passadas) – e outra modal – ele expressava a categoria aspecto- temporal “perfeito presente” (representa eventos no passado recente que têm importância atual). A colocação possessiva habere + Fr. Nom. + Part. Adj. se oferece como candidato apto para re-interpretação como uma estrutura que expressa o sentido “presente perfeito”. Uma vez que a re-análise for feito, há a possibilidade de distinguir entre as duas funções: Presente do perfeito: perfeito “perifrástico” X Pretérito: pretérito “sintético”. HABERE: (1) A expressão possessiva: <Locativo Tema> “(Ellos) tienen (han) dinero invertido”. (2) O pretérito perfeito (a): Auxiliar + Particípio de verbo transitivo <Agente Tema> “(Ellos) han invertido dinero”. (3) O presente do perfeito (b): Auxiliar + Particípio de verbo intransitivo <Agente> “(Ellos) han sabido”. ESSE: (1.1) Auxiliar do pretérito dos verbos depoentes – <Paciente> ou <Agente Tema> - Profectus sum. “Eu sai/peguei a estrada” / Hortatus sum Caesarem. “Eu exortei o César”. (1.2) Auxiliar do pretérito do passivo – <Paciente> - Laudatus sum. “Eu fui louvado”. (2.1) Auxiliar com verbos inacusativos (e os depoentes inacusativos) – <Paciente> Venutus sum. “Vim” (“eu sou venido”) (2.2)Auxiliar + voz passiva – <Paciente> - Laudatus sum. “Eu sou louvado”.
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24. EXPANSÃO DE HABERE COMO AUXILIAR DO PRETÉRITO PERFEITO
Português, espanhol, romeno Catalão Francês Italiano Passivo esse Inacusativo habere / tenere habere esse / habere Reflexivo Inergativo Transitivo Os verbos INTRANSITIVOS podem ser divididos em dois subgrupos: OS VERBOS INACUSATIVOS: O sujeito não é um AGENTE, mas é um PACIENTE ou um TEMA. A atividade do verbo é sofrida pelo sujeito ou concerne o sujeito, assim, de certa forma, o sujeito de um verbo inacusativo parece o objeto de um verbo transitivo. Movimento direcionado: ir, vir, sair, entrar, subir, descer, etc. Mudança de estado: nascer, morrer, envelhecer, crescer, engordar, corar, etc. Continuação de estado: ficar, permanecer, restar, sobreviver, etc. Estado / existência: ser, durar, existir, estar sentado, etc. Acontecimento: acontecer, suceder. OS VERBOS INERGATIVOS: O sujeito é a origem da atividade, não há objeto direto e o sujeito é AGENTE, p.ex., correr, brincar, dançar, pular, nadar, dirigir andar, etc.
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25. MUDANÇAS DE MARCAÇÃO As línguas tipicamente dispõem de várias construções alternativas para distinguir entre a expressão de sentidos considerados como mais “normais” (mais comuns, maior frequência de ocorrência) e para expressar os sentidos menos comuns. Em português, a ordem sintática normal (não-marcada) é S-V-O: Não posso recomendar este livro. Porém, podemos explorar outras possibilidades de ordenar os sintagmas nas sentenças. Por exemplo, se queremos contrastar um livro com outros, podemos explorar a topicalização e dizer: Este livro, eu não posso recomendar (..., mas eu posso recomendar esses outros livros). Se, por algum motivo, os falantes de português começassem a utilizar a segunda ordem – O-S-V – com mais frequência, consequentemente, reduziriam a ocorrência da estrutura S-V-O, e teríamos um caso de mudança na MARCAÇÃO em termos da ordem sintática básica das orações. Isso é precisamente o que aconteceu ao longo da história do hebraico bíblico.
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26. EVOLUÇÃO SINTÁTICA EM ORAÇÕES PRINCIPAIS NO HEBRAICO BÍBLICO (Givón, 1977)
No hebraico bíblico antigo havia dois grupos de formas verbais, o imperfeito (V-S-O) que era utilizado para a maioria das funções e a forma chamada de perfeito (S-V-O), que era a forma marcada e que aparecia apenas nalgumas circunstâncias especiais. Va-yiqraʔ ʔelohim la-yabaša ʔerec. (e-chamava (imperf.) Deus a_o_seco “terra”) “E Deus chamava a parte seca ‘terra’”. Ve-ha-ʔadam yadaʻ ʔet hava ʔišto. (e-o-homem conheceu (perf.) [Acus.]_Eva esposa-sua) “E Adão conheceu sua esposa, Eva”. LIVRO DA BÍBLIA V-S S-V TOTAL % S-V Gênese 169 25 194 12,9 Reis II 174 53 227 23,2 Éster 99 36 135 26,7 Lamentações 72 50,0 Eclesiásticos 11 41 52 79,0 Cântico de Salomão 2 26 28 92,0
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27. VERBOS EM SÉRIE: A PARTÍCULA bă MARCADOR DO OBJETO
O chinês mandarim é uma língua de ordem sintática canônica S-V-O, p. ex., Wŏ dă Zhāng-sān le. (Eu bater Zhang-san ASP completado). “Eu bati no Zhang-san”. Entretanto, há uma outra construção com a ordem S-O-V e uma preposição bă que marca o objeto, p. ex., Wŏ bă Zhāng-sān dă le. (“Eu OBJ_Zhang-san bater ASP) “Eu bati no Zhang-san”. O mandarim antigo não tinha a construção S-O-V, mas havia um verbo bă que queria dizer “pegar”, “agarrar” ou “segurar”, p. ex., Shī jù rén shì yīn bă jiàn kàn. (Poema do séc. IX) (poema sentença nenhum homem apreciar, devo pegar espada ver). “Já que ninguém aprecia a poesia, eu devo pegar a espada para contemplá-la”.
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28. REANÁLISE DE VERBOS EM SÉRIE
Destarte, podemos interpretar o sentido original da oração Wŏ bă Zhāng-sān dă le (“Eu OBJ_Zhang-san bater_ASP), que atualmente quer dizer “Eu bati no Zhang-san”, como uma sentença coordenada que continha duas frases: Wŏ bă Zhāng-sān dă le. (“Eu peguei Zhang-san [e] eu bati [nele]”). Em conjunção com a mudança de marcação na ordem sintática de SVO para SOV houve também uma reanálise: O primeiro verbo “pegar” sofreu uma “diluição” semântica e acabou sendo reinterpretado como uma partícula gramatical que marca a palavra seguinte como o complemento do verbo; o segundo verbo foi reinterpretado como o principal (e único) verbo na oração simples. Zhāng-sān bă Lī-si pīping le. (Zhang-san OBJ Li-si criticar ASP) “Zhang-san criticou Li-si”.
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29. GRAMATICALIZAÇÃO: ASPECTO PROGRESSIVO INGLÊS
Inglês moderno padrão, Sentido básico [aspecto progressivo]: I am going home (“eu estou indo para casa [agora]” & “Eu pretendo ir para casa.”). + complemento de intenção: I am going to meet Mrs Pumphrey. = [I] [am going] [to visit Mrs Pumphrey]; cf., [I] [am going] [home]. “Eu estou indo para visitar Sra. Pumphrey [agora]” / “Eu vou (pretendo) visitar a Sra. Pumphrey”. Os falantes começaram a analisar orações desse tipo como expressões da intenção de fazer algo no futuro próximo, de forma que foi possível dizer algo como: I am going to buy a new carriage (“Eu vou comprar uma carruagem nova”) quando o falante estava sentado em casa, sem a menor intenção de sair. I am going to buy a new car. (“Eu vou comprar um carro novo”.) Estrutura antiga: [I] [am going] [to buy a new car]. Estrutura nova – intenção de ação futura: [I] [am] [going to] [buy a new car] > “I’m gonna buy a new car”. A estrutura antiga ainda existe para expressar movimento simultâneo ou imediatamente posterior à fala: I’m going to the beach. (“Vou à praia”) [asp. progr. pres.]. **I’m gonna the beach.
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30. A GRAMATICALIZAÇÃO: O TEMPO FUTURO ROMÂNICO
LATIM CLÁSSICO: Amāre: am-ā-bō, am-ā-bis, am-ā-bit, am-ā-bimus, am-ā-bitis, am-ā-bunt. Monēre: mon-ē-bō, mon-ē-bis, mon-ē-bit, mon-ē-bimus, mon-ē-bitis, mon-ē-bunt. Regere: reg-am, reg-ēs, reg-et, reg-ēmus, reg-ētis, reg-ent. Audīre: aud-i-am, aud-i-ēs, aud-i-et, aud-i-ēmus, aud-i-ētis, aud-i-ent. LATIM TARDIO: Cantāre + volō, vīs, vult, volumus, vultis, volunt (velle “querer”, “desejar”). Cantāre + debeō, debēs, debet, debēmus, debētis, debent (debēre “dever”). Cantāre + habeō, habēs, habet, habēmus, habētis, habent (habēre “ter [que]”). AS LÍNGUAS NEOLATINAS: Fr., chanter: chanter + -ai, -as, -a, -ons, -ez, -ont. (J’ai, tu as, il a, nous avons, vous avez, ils ont.) Esp., cantar: cantar + -é, -ás, -á, -emos, -eis, -án. (he, has, ha, habemos, habeis, han.) Ptg., cantar: cantar + -ei, -ás, -á, -emos, -eis, -ão. (hei, hás, há, havemos, haveis, hão.) Ital., cantare: cant- + -erò, -erai, -erà, -eremo, -erete, -eranno. (ho, hai, ha, abbiano, avete, hanno.) EXCEÇÕES: Romeno: voi cînta (< volō cantāre). Sardo: deppo kantare (<debeō cantāre). INOVAÇÕES: Fr., je vais chanter; esp., voy a cantar; ptg., vou cantar.
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31. GRAMATICALIZAÇÃO INTERSENTENCIAL: OS COMPLEMENTIZADORES GERMÂNICOS
A gramaticalização pode combinar duas orações consecutivas em uma, como podemos ver nestes exemplos de cláusulas complementares em várias línguas germânicas: Inglês: I believe that she will take the job. (“Acredito que ela vai aceitar o trabalho”.) Alemão: Ich verstehe, daß Sie nicht kommen. (“Eu entendo que o senhor não vem”.) Holandês: Ik weet dat hij veel vrienden heeft. (“Eu sei que ele tem muitos amigos”.) Sueco: Jag trodde, att hans sista stund var kommen. (“Eu achava que sua última hora tinha chegado”.) A partícula complementizador parece o atual adjetivo demonstrativo (exceto em sueco): that X that. daß X der (m.s.) / das (n.s.) / die (f.s., pl.). dat X die (c.s.) / dat (n.s.) / die (pl.). att X den (c.s.) / det (n.s.) / de (pl.). Duas orações principais coordenadas > Uma oração principal + uma oração subordinada: She will marry him. I believe that. ~ I believe that. She will marry him. > I believe that she will marry him. “Eu acredito que ela vai casar com ele”.
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32. GREENBERG E A TIPOLOGIA
O linguista norte-americano Joseph Greenberg, propôs numa palestra em 1963 que a maioria das línguas tipicamente exibem uma ordem básica de palavras, uma ordem sintática não-marcada. Em português, este arranjo é SUJEITO – VERBO – OBJETO, p. ex., Os turcos amam o gamão. Outras ordens são marcadas ou impossíveis, p. ex., O gamão, os turcos amam. O gamão amam os turcos. Amam os turcos o gamão. Amam o gamão os turcos. Se pressupormos que a ordem sintática fundamental se expressa melhor pelo posicionamento relativo do sujeito, objeto e verbo, haveria SEIS ordens básicas: S–O–V: Provavelmente a ordem básica mais comum, p. ex., japonês, turco, basco, quéchua, latim, ... S–V–O: Inglês, português, alemão, finlandês a maioria das línguas europeias indo- europeias e não-indo-europeias) e muitas línguas africanas, p. ex., o suaíli,... V–S–O: Galês, irlandês (línguas celtas), o árabe clássico, algumas línguas do Pacífico e o hebraico bíblico antigo, .... As outras três ordens básicas são consideravelmente mais raras e durante algum tempo os linguistas suspeitavam que elas poderiam ser impossíveis. Porém, hoje, todas foram atestadas: V – O –S: Malgaxe (do Madagascar). O – V – S: Hixkaryana (língua indígena amazônica). O – S – V: Apurinã (língua indígena amazônica). (E o jedi Yoda em Guerra das Galáxias, aliás.)
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33. A HARMONIA TIPOLÓGICA Greenberg afirmou que havia outras características gramaticais que se modelavam segundo as três ordens típicas e que SOV exibia precisamente a ordem oposta das línguas VSO. As línguas SVO são menos regulares, embora elas sejam em geral mais parecidas às línguas VSO. Portanto, Greenberg simplificou sua tipologia em duas ordens: línguas VO e OV: Japonês é uma língua OV quase perfeita e o francês é uma língua VO quase perfeita. LÍNGUAS V - O LÍNGUAS O - V 1. O verbo precede o objeto. 1. O verbo segue o objeto. 2. O verbo auxiliar precede o verbo principal. 2. O verbo auxiliar segue o verbo principal. 3. O adjetivo segue o substantivo. 3. O adjetivo precede o substantivo. 4. O genitivo segue o substantivo. 4. O genitivo precede o substantivo. 5. A oração relativa segue o antecedente. 5. A oração relativa precede o antecedente. 6. Preposições. 6. Pós-posições. 7. Ausência de marcação de casos. 7. Presença de marcação de casos. 8. O adjetivo comparativo precede o padrão. 8. O adjetivo comparativo segue o padrão.
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34. EXEMPLOS DE HARMONIA TIPOLÓGICA
Português (SVO). O verbo precede o objeto: João viu o cachorro. Verbo auxiliar precede o verbo principal: Maria tem visto o gato. O adjetivo segue o substantivo: João viu o cachorro grande. No genitivo, o possuidor segue o possuído: João viu o cachorro do seu vizinho. A oração relativa segue o antecedente: João viu o cachorro que comeu a carne. Há preposições: João viu o cachorro da janela. Não há casos morfológicos explícitos: João viu o cachorro do seu vizinho da janela. O grau comparativo precede a base: O cachorro é maior do que o gato. Japonês (SOV). O verbo segue o objeto: Tarō-ga inu-o mita. Taro cachorro viu. O adjetivo precede o substantivo: Tarō-ga takai inu-o mita. Taro grande cachorro viu. No genitivo, o possuidor precede o possuído: Tarō-ga kinjo-no hito-no inu-o mita. Taro vizinhança-do homem-do cachorro viu. A oração relativa precede seu “antecedente”: Tarō-ga niku-o tabeta inu-o mita. Taro carne comeu cachorro viu. Há posposições: Tarō-ga mado yori inu-o mita. Taro janela-da cachorro viu. Há marcadores morfológicas de caso: Tarō-ga mado yori kinjo-no hito-no inu-o mita. Taro janela-da vizinhança-do homem-do cachorro viu. O grau comparativo segue a base: Inu-ga neko yori takai. Cachorro gato maior do [que]
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35. AS MUDANÇAS DE TIPOLOGIA
Inglês (SVO) não respeita o princípio 3 da tipologia de Greenberg, p. ex., The big house. X **The house big, Também, o inglês viola a tendência 4: John’s book. X The capital of France. O basco é uma língua quase padrão OV, mas não segue a tendência 3. O farsi (persa moderno) é quase uma língua VO modelo, mas não respeita o princípio 1. O hebraico passou de ser uma língua VSO (com predomínio do modo imperfeito) para ser uma língua SVO (com predomínio do modo perfeito), mas a pesar da mudança na localização do sujeito, a língua continua sendo VO. O que é interessante é que só raramente achamos uma língua que troque apenas UM aspecto da sua tipologia: Se uma língua sofrer alterações em um ou dois dos elementos listados no slide anterior, em geral, essa língua passaria por mudanças correspondentes em todos ou, pelo menos, na maioria daqueles característicos.
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36. DE S-O-V A S-V-O: O PROTOGERMÂNICO
O germânico antigo do noroeste europeu está atestado no corpus rúnico que foi constituído entre o séc. III e o séc. VII d.C.: Ek Hlewagastiz Holtijaz horna tawido. (eu Hlew. Hol. corno fiz). “Eu, Hlewagastiz Holtijaz fez [este] corno”. [me]z Woduride staina þrijoz dohtriz dalidun. (me_DAT Wod._DAT pedra três filhas fizeram). “Para mim, Wod., três filhas fizeram [esta] pedra”. Ek Wiwaz after Woduride witada-hlaiban worahto. (eu Wi. depois Wod._DAT guarda-pão fabricou). “Eu, Wi., fabricou [isto] para Wod. [o] guardião (< “guarda-pão”)”. O germânico do noroeste ainda era de tipo OV, mas não era totalmente harmonioso: Havia preposições e não posposições; Os adjetivos seguiam os substantivos; Os genitivos podiam seguir ou preceder os substantivos, dependendo do tipo de substantivo. Uma proporção reduzida (menos que 20%) das orações manifestam SVO.
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37. DE S-O-V A S-V-O: INGLÊS ANTIGO AO INGLÊS MODERNO
Inglês antigo (séc. VIII d.C.): S-O-V: Æðred me ah Eanred mec agrof. (Æðred me pertencer; Eanred me entalhar). “Eu pertenço a Æðred; Eanred me entalhou”. Pouco depois, constata-se que a ordem OV se torna menos frequente e a ordem VO fica favorecida. Dentro de poucas séculos, a ordem OV desapareceu por completo. Curiosamente, o sistema flexional para marcar os casos, tão típico das línguas OV, sumiu também, deixando o inglês moderno uma língua VO sem casos morfológicos, exceto em algumas relíquias que persistem nos pronomes, p. ex., I X me, he X him, she X her, etc. É estranho que os adjetivos, que seguiam os substantivos modificados, tenham passado a preceder os substantivos. O posicionamento dos adjetivos já era atípica na fase OV (pós- posicionados), e continua sendo atípica (preposicionados).
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38. À DERIVA ENTRE S-V-O A S-O-V: O CHINÊS (LI & THOMPSON,1974)
O chinês arcaico (1º milênio a.C.): uma língua do tipo VO, exceto nos SN: Adjetivos, genitivos e orações relativas PRECEDIAM o substantivo nuclear (como eles ainda fazem no chinês moderno). A partir dos primeiros séculos depois de Cristo, algumas mudanças começavam a desestabilizar os padrões OV na língua arcaica: V + PP → PP + V (hoje, a ordem antiga está restrita a circunstâncias especiais). VO em orações transitivas → bă + O + V. O passivo: S + V + “por” AG → S + “por” AG + V. Alguns substantivos → posposições → gramaticalizaram-se em sufixos casuais. (No chinês moderno ainda há preposições). Substantivos e verbos compostos, que eram muito raros no chinês arcaico, agora são muito comuns no mandarim moderno. (Existe uma teoria de que as composições são típicas das línguas OV). O chinês desenvolveu uma classe de sufixos verbais para indicar o aspecto verbal (há evidência de que tais sufixos são típicos das línguas OV).
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39. A DERIVA LINGUÍSTICA O CHINÊS “Vagueando” PELAS ORDENS SINTÁTICAS
Portanto, o chinês moderno ainda não é uma língua totalmente OV, mas exibe muito mais característicos OV do que seu antecessor arcaico, em que os traços OV eram restritos ao sintagma nominal. É interessante observar como uma série de mudanças aparentemente não-relacionadas que compreendem uma variedade de formas e construções, parecem trabalhar juntos com o efeito total de impulsionar a língua inteira de um tipo harmônico VO para um tipo OV. Este é um fenômeno que se chama deriva (< ingl., drift).
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40. A ERGATIVIDADE versus A ACUSATIVIDADE
O português, como a maioria das línguas do mundo, é um idioma ACUSATIVO. Na marcação morfossintática constatamos que: Os sujeitos dos verbos intransitivos e os sujeitos de verbos transitivos são tratados de forma idêntica em termos do seu tratamento gramatical, Os objetos diretos de verbos transitivos, (naturalmente!) são tratados de forma diferente: (Verbo intransitivo) Ela sorriu. (Verbo transitivo) Ela me viu. X Eu a vi. (NB Eu vi ela!). No entanto, isso não é a única maneira de organizar as relações sintáticas. Existe um outro grupo importante de línguas (as línguas ERGATIVAS) que exibem um padrão de marcação morfossintática totalmente distinto.
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41. AS LÍNGUAS ERGATIVAS Diferentemente do que se constata entre as línguas acusativas, nas línguas ergativas deparamos com o seguinte padrão de marcação morfossintática: Os sujeitos de verbos intransitivos e os objetos diretos de verbos transitivos são tratados da mesma forma gramatical, e Os sujeitos de verbos transitivos constituem uma classe aparte. O basco é um exemplo clássico de uma língua ergativa: O sufixo –k aparece nos sujeitos de verbos transitivos [o caso ergativo]. Os sujeitos de verbos intransitivos e os objetos diretos de verbos transitivos exibem um sufixo nulo [o caso absolutivo]. Verbo intransitivo: Gizona heldu zen. (“O homem chegou”.). Verbo transitivo: Gizonak neska ikusi zuen. (“O homem viu a menina”.) Verbo transitivo: Neskak gizona ikusi zuen. (“A menina viu o homem”.)
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42. ERGATIVIDADE cindida Algumas línguas exibem características ergativas apenas em algumas circunstâncias morfossintáticas. Esse fenômeno é denominado a ergativdade “cindida”, porque apenas alguns “setores” são ergativas, enquanto outras (geralmente a maioria) são de regência nominativo/acusativa; ou seja, a regência está dividida entre os dois tipos: Um dos mais comuns divisões é que as formas ergativas surgem no aspecto perfectivo ou no tempo passado e morfologia acusativa aparece noutros contextos gramaticais. O pastó (língua indo-iraniana falada no Afeganistão): Tempo presente: Ze de winem. (1.sg._NOM 3.sg._OBL ver_1 sg.) “Eu o vejo”. Day maa wini. (3.sg._NOM 1.sg._OBL ver_3 sg.) “Ele me vê”. Te maa winee. (2.sg._NOM 1.sg._OBL ver_2 sg.) “Tu me vês”. Tempo passado: Maa day wulid. (1.sg._OBL 3.sg._NOM ver_3 sg.) “Eu o vi”. Taa ze wulidem. (2.sg._OBL 1.sg._NOM ver_1 sg.) “Tu me viste”. Observem o tratamento diferente entre os dois tempos: Presente – sujeito no caso sujeito (NOM) e o verbo concorda com ele e o complemento direto aparece no caso oblíquo (OBL). Passado – o complemento direto é no caso sujeito (NOM) e o verbo concorda com ele, enquanto o sujeito recebe a marcação do caso oblíquo.
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43. ORIGENS DA ERGATIVIDADE cindida 1: A VOZ PASSIVA
Estruturas com regência ergativas como as em pastó podem ser derivadas a partir de construções PASSIVAS, p. ex., Maa day wulid. “Eu o vi”. (1.sg._OBL 3.sg._NOM ver_3 sg. pret.). Originalmente: “ele foi visto por mim”, i.e., “por mim + ele + foi_visto”. Isso explica por que day “ele” está no caso NOM (era o sujeito) e também por que o verbo concorda com day e não com maa. Também, isso explica porque maa “eu” não aparece no caso sujeito (originalmente era um sintagma nominal oblíquo de agentividade). Mas isso não explica por que as construções ergativas exibem uma tendência a surgirem no tempo passado ou no aspecto perfectivo. Afortunadamente, as línguas indo-iranianas têm uma longa história documentada, algo que falta na maioria das línguas ergativas no mundo. Assim, podemos estudar o desenvolvimento desta ergatividade cindida ao longo de alguns milênios.
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44. o surgimento da ERGATIVIDADE cindida em línguas indo-arianas
No sânscrito, o antecessor das línguas indianas setentrionais, como o hindu e o bengalês, a maioria das quais exibem ergatividade cindida, havia uma construção aparentemente passiva que, de fato, como a teoria prediz, aparecia no tempo pretérito, p. ex.: Presente: rāmaḥ sītām pṛccati. “Rama pergunta à Sita”. (Rama_NOM Sita_ACU perguntar_3 sg.) Passado: rāmeṇa sītā pṛṣṭā. (Rama_OBL Sita_NOM foi_perguntada.) (lit.) “Por Rama a Sita foi perguntada”. Rama perguntou à Sita. Os passivos do tipo acima se tornaram mais frequentes (houve uma mudança do grau de marcação) e acabaram substituindo a voz ativa, pelo menos no pretérito. A seguir, houve uma reanálise em que a forma passiva antiga foi interpretada como a voz ativa (ficou tão comum que não contrastava com nada), embora as concordâncias morfológicas continuassem iguais, produzindo as estruturas ergativas no tempo pretérito e aspecto perfectivo que constatamos hoje.
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45. POR QUE QUERÍAMOS DIZER ALGO NA VOZ PASSIVA?
MOTIVAÇÕES EVENTUAIS: A cortesia – A voz passiva é mais indireta e, com frequência, é mais impessoal. O braço do João foi quebrado. X A Júlia quebrou o braço do João. Na cultura malgaxe, por exemplo, as asseverações diretas são tipicamente consideradas como socialmente inapropriadas e as construções na voz passiva são muito mais frequentes. Mas, a voz passiva é a única origem da ergatividade? Tais construções se vêm restritas ao aspecto perfectivo com tanta frequência que seria legítimo perguntar-se se as estruturas ergativas podem ser derivadas diretamente de sequências com significado perfectivos e, de fato, isso aparece ser o caso: O pretérito perfeito germânico e românico: J’ai le déjeuner préparé. Tengo la cena preparada, I have a window broken. Tenho/estou com uma janela quebrada (asseverativo) → J’ai déjeuné. I have broken a window. He preparada la cena. (Tenho quebrado janelas) (pretérito perfeito). Parece existir um caminho de gramaticalização que segue a seguinte ordem: possessivo → asseverativo → perfectivo. Esse caminho pode levar à ergatividade cindida também ...
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46. ERGATIVidAde A PARTIR De EXISTENCIAIS E AFIRMATIVAS
A construção afirmativa era originalmente possessiva, essencialmente idêntico a “eu tenho um cachorro”. Nas línguas germânicas e neolatinas esta construção não resultou na ergatividade, porque essas línguas empregam o verbo transitivo habere/habban para expressar a posse. No entanto, ... Muitas línguas não possuem um verbo transitivo <para expressar a posse, p. ex., Galês: Y mae gardd gennyf i. (PARTÍC. + é + jardim + comigo) “Eu tenho um jardim”. Russo: U menja kniga. (a + 1.sg._OBL + livro) “Eu tenho um livro”. Lat. arc.: Est mihi liber. (É 1.sg._DAT + livro) “Eu tenho um livro”. Fijiano: Saa ti’a vei au e dua a pua’a. (ASP + ser_a + a + mim + 3 sg + um + ART + porco.) “Um porco é a mim” / “Eu tenho um porco”. Observem que o possuído está no caso sujeito e rege a concordância verbal; o possuidor está num caso oblíquo. E se uma língua assim derivar uma construção asseverativa da sua colocação possessiva e, mais tarde, um perfectivo? O resultado seria expressões perfectivas com significados como “I have broken a window”, “ich habe das Fenster gebrochen”, “j’ai brisé la fenêtre” e “he quebrado una ventana”, mas com a marcação do caso sujeito no paciente, concordância verbal com esse paciente e marcação oblíqua no agente.
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47. ERGATIVIDADE MORFOLÓGICA E ERGATIVIDADE SINTÁTICA
Se uma construção ergativa for derivada em termos históricos de uma estrutura possessiva ou passiva, há de passar por uma fase em que o que terminar sendo o complemento direto tinha que ser, na realidade, o sujeito da sentença. Portanto, esperaríamos encontrar línguas que exibem não só ergatividade morfológica, como no basco, mas também ergatividade sintática, ou seja, línguas em que os SN que aparecem ser os complementos diretos imitam os sujeitos. Um idioma assim é o DYIRBAL (língua aborígine da Austrália): (1)(Intrans.) Balan guda buŋa-n. Art.def.II_ABS cachorro_ABS descer_PRET. “O cachorro desceu [o declive]”. (2)(Intrans.) Bayi yara buŋa-n. Art.def.I_ABS homem_ABS descer_PRET. “O homem desceu [o declive]”. (3)(Trans.) Balan guda baŋgul yara-ŋgu bura-n. Art.def.II_ABS cachorro def.art.I_ERG homem_ERG ver_PRET. “O homem viu o cachorro”.
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48. ERGATIVIDADE SINTÁTICA em DYIRBAL
Em português, língua de sintaxe acusativa, são as frases (2) e (3), com seus sujeitos intransitivos e transitivos, que podem combinar-se com facilidade: O homem desceu [o declive] e (ele) viu o cachorro. [Sujeito + Verbo intrans.] E [(Sujeito nulo) + Verbo trans. + Compl. dir.]. As frases (1) e (2) não podem ser combinadas da mesma maneira direta (coordenação): O cachorro desceu [o declive] e o homem viu (*) [= pronome nulo]. [Sujeito + Verbo intrans.] E [sujeito + verbo trans. + compl. dir. nulo]. Para combinar as frase (1) e (2) em português, é preciso adaptar a estrutura da frase: O cachorro desceu [o declive] e o homem o viu / viu ele. (pronome explícito de objeto). O cachorro desceu [o declive] e ele foi visto pelo homem. (voz passiva). Em dyirbal, ao contrário do que acabamos de ver para o português, as frases que se combinam com mais facilidade são (1) e (3): Balan guda buŋan baŋgul yara-ŋgu bura-n. “O cachorro desceu [o declive] e (*) foi visto pelo homem”.) *bayi yara buŋan balan guda buran. “O homem desceu [o declive] e (*) viu o cachorro”. Nas línguas sintaticamente ergativas, parece que a mudança no grau de marcação já aconteceu, mas a reanálise subsequente ainda não foi realizada.
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49. MUDANÇA SINTÁTICA: RESTRUTURAção DA GRAMÁTICA MENTAL
Os verbos auxiliares modais ingleses (tempo presente – tempo pretérito): Can – could, will – would, shall – should. may – might. Em inglês antigo, os verbos antecessores dos modais eram verbos essencialmente típicos. Esses verbos são “pretéritos-presentes”, ou seja, as formas do presente parecem as formas do tempo pretérito de outros verbos, ou seja, não havia a desinência –s, –th da 3ª pessoa do singular: She smokes French cigarettes. (“Ela fuma cigarros franceses”). She wants to buy a car. (“Ela quer comprar um carro”). *She cans speak italian. (“Ela fala/sabe falar italiano”), cf., alemão: Ich kann deutsch.
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50. um lugar para chamar de seu
Esses verbos premodais começaram a sofrer processos de gramaticalização: (1) Os premodais perderam a sua capacidade de governar complementos diretos: I can music → *I can music. Cf., alem. mod., Ich kann Müsik. (2) Os verbos pretéritos-presentes que não exibiam tendências a tornar-se modais, p. ex., witan “saber” e þurfan “precisar”, cf., alem. wissen e durfen, desapareceram aos poucos, deixando os verbos pré-modais isolados tipologicamente. (3) As formas pretéritas dos modais perderam o significado passado e ficaram separados do tempo presente de forma que, p. ex., would e could, não eram sentidos como relacionados com will e can, mas como formas apartes, avulsas. (4) O marcador do infinitivo, to, não aderiu às formas radicais dos pré-modais e seus complementos: *She can to speak italian (“Ela sabe falar italiano”).
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