Migração do Peixe-boi Amazônico uma perspectiva conservacionista

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Transcrição da apresentação:

Migração do Peixe-boi Amazônico uma perspectiva conservacionista Eduardo Moraes Arraut1,3, Miriam Marmontel2, Jose E. Mantovani1, Evlyn M.L.M. Novo1, David W. Macdonald3 & Robert E. Kenward4 1Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Brasil 2Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Brasil 3Wildlife Conservation Research Unit, Universidade de Oxford, Reino Unido 4Centre for Ecology and Hydrology, Reino Unido

Status: perspectiva histórica Em 1639 Cristóbal de Acuña viajou de São Francisco de Quito, no Peru, até a cidade do Pará, no Brazil, na que ficou conhecida como “A nova descoberta do grande rio Amazonas”. “... dentre todos os pescados, aquele que, como um rei, se assenhoreia do das Amazonas, e o enche todo, desde seu começo até quando deságua no mar, é o peixe-boi, que pelo sabor já justifica o nome, pois não há quem o coma que não o tenha por boa carne.” (Acuña, 1641) Caça comercial intensa pelo couro, óleo e carne levou a um colapso populacional no final da década de 1960 (Domning, 1982). Caça proibida: ‘Lei Federal de Proteção à Fauna’ de 1967 (Lei No 5.197/67). Status atual: Vulnerável na Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas de Extinção da IUCN. Hoje em dia é extremamente difícil de ser visto na natureza.

Trichechus inunguis Taxonomia: Sirenia ; Trichechidae (Bertram & Bertram, 1973) Tamanho: até 3m e 300kg (Rosas, 1994) Distribuição: bacia Amazônica Equador (Timm et al. 1986); Peru (Reeves et al., 1996); Costa Atlântica do Brasil (Domning, 1981) Pop. panmítica - médio Solimões à Ilha de Marajó (Cantanhede et al., 2006) Hábitat: água doce (Rosas, 1994) Dieta: herbívoro, 63 sp. macrófitas aquáticas (Guterres & Marmontel, 2008) Predador: Homo sapiens (Rosas, 1994; Marmontel, 2008)

Algumas perguntas… No contexto do entendimento atual dos sistemas ecológicos como Sistemas Adaptativos Complexos (Levin, 1995, 1999), quais os papéis de T. inunguis nas diferentes escalas de organização (espécie, como parte de um grupo funcional, etc...)? Ex. qual sua influência na dinâmica das macrófitas aquáticas? Há consequências para as comunidades de peixes? Para o fitoplâncton? E para o balanço do carbono? Quão importante é (ou poderia ser) como recurso alimentar para as populações da Amazônia? O status da espécie implica que nenhuma dessas perguntas pode ser abordada a menos que antes sejam tomadas medidas para sua conservação. Entretanto, para conservar é necessário conhecer, e muito pouco se sabe de T. inunguis no ambiente natural.

Objetivo Estudamos os deslocamentos e o hábitat do peixe-boi amazônico para entender por que migra. E para a partir desse conhecimento sugerir medidas que auxiliem sua conservação.

Região de estudo 3.063,066 km (1.903,297 miles)‏ Mosaico Landsat-TM. Fonte: Shimabukuru et al. Lake Amanã Rio Lago Mamirau Urini Tef é Castanho 10km N Long : - 64 o 05’ 0’’ Lat 2 17’ 15’’ 65 05’ 44’’ 3 35’ 17’’ Solimões Japurá Mamirauá 138,615 km (86,131 miles)‏ 144,009 km (89,482 miles)‏ Piranha Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã

Hipóteses H1: Peixes-boi permanecem nos lagos da planície na água alta em associação com as macrófitas aquáticas que lhes propiciam alimento e proteção. H2: Peixes-boi permanecem nos lagos de terra-firme na água baixa porque ali encontram mais espaço aquático e melhor abrigo contra potenciais predadores. Mencionar importância da visita na seca de 2005, qdo estava tudo seco e vi centenas de jacarés, etc... 8

Dados Deslocamentos Habitat 10 machos rastreados usando telemetria VHF por períodos irregulares entre 1994 e 2006 Habitat Sensoriamento remoto (imagens Landsat-TM + trabalho de campo) multi-temporal do ambiente, com ênfase no ciclo de vida e na distribuição espacial das macrófitas aquáticas e na dinâmica de alagamento. Base de dados histórica da variação do nível da água nos lagos Mamirauá, Amanã e Tefé. Modelo digital tridimensional dos rios e lagos usados pelos animais por meio de um levantamento batimétrico e de modelagem em um SIG.

Imagens Landsat-TM e ETM+ Data Peixe-boi 1 8/8/1995 Vazante 2 9/7/1996 Alta 3 16/12/1996 Enchente 4 10/6/1997 5 29/8/1997 6 14/9/1997 Baixa 7 21/8/2000 8 2/7/2002 9 13/9/2002 10 15/3/2003 11 10/10/2005 Imagens Landsat-TM e ETM+ 3 da água alta, 4 da vazante, 2 da água baixa e 2 da enchente. Imagens das quatro fases em sequência em 96/97. 10

Mapas de hábitat Mac. na água Mac. em terra Mata alagada Mata seca Solo com água Solo seco Água aberta

Cálculo áreas de vida Detector de dispersão. Dados agrupados por indivíduo/região geográfica. Kernel 95% com parâmetro fixo suaviazação Ranges 8, Kenward et al. (2007)‏

A B Áreas de vida agrupadas para análise N=10 (indivíduos)‏ Lagos planície de inundação (N= 7)‏ B Fora lagos planície inundação, i.e. Rio Japurá e Lago Amanã (N= 8)‏ 5 ind. áreas de vida nos 2 grupos.

Pergunta 1: Há evidência estatística suficiente para considerar que as duas populações são diferentes no que diz respeito à proporção de macrófitas aquáticas dentro da área de vida? H10: A proporção de macrófitas nas áreas de vida na planície de inundação (grupo A) e no rio Japurá e no lago Amanã (grupo B) vêm da mesma distribuição de probabilidade. H1a: Ambas vêm de distribuições de probablidade diferentes. ANOVA por meio de um GLM V. resposta: ‏prop. de macrófitas na área de vida. V. explicativas: 1) N. de localizações usadas para calcular área de vida, 2) ID do indivíduo 3) grupo A ou B.

n. locs. covariável (n=10, p=0.004) (n=10, p=0.05) H10: não pode ser aceita Na água alta machos permanecem nos lagos da planície de inundação em associação com macrófitas aquáticas.

Na água alta machos selecionam as macrófitas aquáticas. Perguntas 2: Há evidências de uso não-aleatório do hábitat pelos machos, i.e., eles selecionam as macrófitas? H20: A prop. de macrófitas dentro das áreas de vida vêm da mesma distribuição de probabilidade que a prop. de macrófitas no mapa de hábitat inteiro. H2a: Ambas vêm de distribuições de probabilidade diferentes. F (2, 5 df) = 7.56 p = 0,04 Ranking da Análise Composicional (2) Macrófitas aquáticas (1) Água aberta (0) Floresta alagada H20: não pode ser aceita Na água alta machos selecionam as macrófitas aquáticas.

Pergunta 3: Há evidência estatística suficiente para considerar que as duas populações são diferentes no que diz respeito à proporção de redução da área alagada dentro da área de vida? H10: A proporção de redução da área alagada dentro das áreas de vida na planície de inundação (grupo A) e no rio Japurá e no lago Amanã (grupo B) vêm da mesma distribuição de probabilidade. H1a: Ambas vêm de distribuições de probablidade diferentes. ANOVA por meio de um GLM V. resposta: ‏prop. de redução na área alagada dentro da área de vida. V. explicativas: 1) N. de localizações usadas para calcular área de vida, 2) ID do indivíduo 3) grupo A ou B.

n. locs. covariável (n=10, p=0.001) (n=10, p=0.000) H30: não pode ser aceita A redução na área alagada nas áreas de vida nos lagos da planície foi significativamente maior do que nas áreas de vida no lago Amanã e no rio Japurá.

Acácio, baixa 2005 Acácio, baixa 2005 Boca do Mamirauá, baixa 2005 Cabeceira do Mamirauá, baixa 2005

Lago Amanã oferece mais espaço e menos correnteza

Dados indicam que na região o Lago Amanã é o principal refúgio na água baixa Sub-grupo R Sub-grupo L Rio Japurá, vazante 1996, no antes de desaparecer na água baixa por 3 a 5 meses. Lago Amanã na água baixa. Dos 13 animais capturados, 9 foram rastreados no Amanã e 3 estiveram no Paranã do Castanho na vazante (capturados). E as fêmeas?

Conjectura: lagos de ria são o principal refúgio de água baixa para o peixe-boi em toda a Amazônia Ocidental Lago Amanã Lago Tefé Água Herb.,não-alag. Arb.,não-alag. Herb.,alag. Mata alag. Mata não-alag. Arb.,alag. N Rio Negro Rio Solimões 100km Hess et al. 2003 Lago Badajós Lago Manacapuru Lago Coari Lago Aiapuá

Lago Amanã Rio Negro Lago Tefé Rio Solimões Hess et al. 2003 N 100km Lago Badajós Lago Manacapuru Lago Coari Lago Aiapuá Lago Tefé Rio Solimões N 100km Água Herb.,não-alag. Arb.,não-alag. Herb.,alag. Mata alag. Mata não-alag. Arb.,alag. Hess et al. 2003

Conclusões C1: Na água alta, quando o ambiente aquático é contínuo e os animais tem livre acesso a todas as regiões da planície de inundação e aos lagos de ria, machos permanecem nos lagos da planície em associação com o principal alimento. C2: Na água baixa, quando o espaço aquático se reduz, o alimento torna-se escasso e potenciais predadores se agregam nos lagos da planície, o lago Amanã é o principal refúgio para os animais na região de estudo.

Implicações para conservação Acreditamos que a situação da espécie é pior do que se imagina atualmente, pois além da reduzida população e da degradação que seu hábitat vem sofrendo, há indícios de que anualmente animais migram por rios e se agregam em lagos de ria onde ficam mais expostos a caçadores. Mais ainda, quanto mais baixo o nível que a água atinge numa água baixa (menos espaço aquático), mais os animais têm que se agregar, o que os torna ainda mais vulneráveis (ex. mortalidade particularmente alta no lago Tefé na seca de 2005). O pulso de inundação, portanto, conecta a vida do peixe-boi amazônico a fenômenos climáticos de escala regional e global.

Tendo em mente que a espécie se distribui por uma área imensa e um ambiente extremamente complexo, e que sua conservação não é apenas um desafio científico, mas um que também possui muitas facetas sociais e culturais, é importante poder direcionar os esforços. Sugerimos que no momento atual a atenção deve ser voltada para entender a situação da espécie nos lagos de ria. Apesar da lei proibir a caça, a fiscalização é praticamente impossível – além de, como solução isolada, não ser a melhor opção. O futuro do peixe-boi depende por isso fortemente do entendimento entre e do trabalho conjunto da comunidade científica com as populações ribeirinhas.

Próximos passos Desafio tecnológico para rastreamento dos animais. Testar conjectura em outras regiões da Amazônia. Outras regiões da RDS Mamirauá. Piloto na RDS Piagacú-Purús.

Agradecimentos Dr. Paul Johnson Dr. Sean Walls Msc. Ruth Kanski Dr. Marion Valeix Msc. Laura Fasola Dr. Thomas Merckx

Obrigado

Antonio, my field assistant and ‘professor’, having a short nap while I study the macrophytes. Carol and Aninha, São José do Urini Community Boat used during capture month Miriam Marmontel Ze Raimundo and Edu Mantovani tracking Chico Rola

Collar with transmitter on Chico Rola