Formação Histórica da Epidemiologia

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Transcrição da apresentação:

Formação Histórica da Epidemiologia Roberto A. Medronho

RAÍZES HISTÓRICAS DA EPIDEMIOLOGIA Na Grécia Antiga → gregos cultuavam Asclépios (Esculápio) → deus da Medicina Asclépios é representado segurando um bastão com uma serpente enrolada → atualmente símbolo da profissão médica e da farmácia Suas duas filhas - Panacéia e Higéia - representam o paradoxo entre a medicina individual e a medicina coletiva, predominante no pensamento ocidental até os dias atuais

RAÍZES HISTÓRICAS DA EPIDEMIOLOGIA Panacéia representava a medicina curativa, prática terapêutica baseada em intervenções sobre indivíduos doentes, através de manobras físicas, encantamentos, preces e uso de pharmakon (medicamentos) Higéia era adorada por aqueles que consideravam a saúde como resultante da harmonia dos homens e dos ambientes, e buscavam promovê-la por meio de ações preventivas, mantenedoras do perfeito equilíbrio entre os elementos fundamentais: terra, fogo, ar e água

RAÍZES HISTÓRICAS DA EPIDEMIOLOGIA A Epidemiologia pode ter nascido com Hipócrates Seus estudos sobre epidemias e a distribuição de enfermidades nos ambientes antecipam o raciocínio epidemiológico Estabeleceu-se na Ilha de Cós (sede da Escola Hipocrática), ensinando e praticando a tradição higéica Após sua morte em 377 a.C., seus discípulos e herdeiros restabeleceram o individualismo para garantir a hegemonia de sua prática frente às inúmeras seitas que, na Antiguidade, prometiam a saúde para os homens Assim, confirmou-se Panacéia, a deusa da cura individual, como referência metafísica para a nascente prática médica

RAÍZES HISTÓRICAS DA EPIDEMIOLOGIA Em Roma, os primeiros médicos ecléticos eram em geral escravos gregos que, inspirados em Galeno (201-130 a.C.), receitavam muitos fármacos para poucos enfermos Galeno foi um médico grego muito famoso em sua época. Em 162 a.C., partiu para Roma, tornando-se médico particular do Imperador Romano Marco Aurélio Foi Galeno quem demonstrou, pela primeira vez, que as artérias conduziam sangue e não ar, como até então se acreditava A era romana deixou como legado para a Epidemiologia a realização de censos periódicos e a introdução, pelo Imperador Marco Aurélio, de um registro compulsório de nascimentos e óbitos

RAÍZES HISTÓRICAS DA EPIDEMIOLOGIA Se, no mundo ocidental, as diferentes formações ideológicas não propiciaram as condições para uma medicina do coletivo, no mundo árabe merece destaque o avanço tecnológico e o caráter coletivo da medicina, que alcançou seu apogeu no século X, nos califados de Bagdá e Córdoba Os médicos mulçumanos, baseados nos princípios hipocráticos, adotaram uma prática que pode ser considerada precursora da saúde pública Neste período, consolidou-se desde o registro de informações demográficas e sanitárias a sistemas de vigilância epidemiológica Os próceres dessa medicina do coletivo foram Avicena e Averróes

RAÍZES HISTÓRICAS DA EPIDEMIOLOGIA Avicena (989-1037), médico e filósofo persa, foi o autor do Cânon da Medicina, principal tratado clínico da Idade Média tardia Foi Avicena quem reintroduziu Hipócrates e Galeno na medicina ocidental Averróes (1126-1198), magistrado, filósofo e médico do Califado de Córdoba, além de precursor do higienismo, foi um dos principais tradutores e comentadores da obra de Aristóteles Embora tenham vivido em épocas distintas e em diferentes locais do império mulçumano, ambos compartilhavam de uma modalidade de filosofia materialista e racionalista

RAÍZES HISTÓRICAS DA EPIDEMIOLOGIA Formação Histórica da Epidemiologia → fundamenta-se em três eixos um saber clínico naturalizado, racionalista e moderno uma base metodológica, a Estatística um substrato político-ideológico, a Medicina Social

O saber clínico A clínica moderna tem em Thomas Sydenham (1624-1689) um dos seus fundadores, segundo a tradição anglo-saxônica Médico e liderança política em Londres, Sydenham foi também um precursor da ciência epidemiológica com a sua teoria da constituição epidêmica, além da elaboração do conceito de “história natural das enfermidades”, retomado em meados do século XX pela doutrina preventivista

O saber clínico Para a tradição francesa, os primórdios de uma medicina científica moderna têm relação com a veterinária Segundo Foucault, a Societé de Médicine de Paris, fundadora da clínica moderna no século XVIII, organizou-se a partir da Ordem Real para investigar uma epizootia que dizimava ovinos, causando prejuízos à indústria têxtil francesa Esses são os primeiros registros de contagem de enfermos visando ao controle de uma dada enfermidade

O saber clínico Foucault → hospital nem sempre foi lugar de cura de enfermos Termo hospital → local ou instituição, sob a guarda de ordens religiosas (como os hospitalários) para asilo ou acolhimento de pobres, mendigos e viajantes Fins do século XVIII → conquista do hospital pelos médicos que participaram das revoluções burguesas → fundamental para o desenvolvimento da clínica moderna Clínica do grego kliné que significa leito → o clínico é aquele que se debruça sobre o leito do paciente para observá-lo A consolidação da corporação, o processo de construção de um saber técnico e o estabelecimento de uma rede de instituições de prática clínica acabaram por reforçar o estudo do caso Esta tendência consolidou-se com a emergência da Fisiologia moderna, especialmente através da obra de Claude Bernard (1813-1878), estruturada a partir da definição de patologias no nível subindividual A hegemonia da biologia experimental e da teoria microbiana justificava o caráter naturalista do estudo clínico do enfermo

A Estatística Emergência do estado moderno, juntamente com a implantação do modo capitalista de produção, indicava a necessidade não apenas de contar o povo e o exército, ou seja, o Estado, mas também que estes tivessem disciplina e saúde Surge assim o conceito de Aritmética Política de William Petty (1623-1697) e os levantamentos de John Graunt (1620-1674) Esses dois personagens são freqüentemente citados como precursores da Epidemiologia, da Demografia e da Estatística O termo Estatística, originalmente, significa a medida do Estado O vocábulo foi criado por Hermann Conring (1606-1681), médico e cientista político alemão, especialmente para referir-se ao conjunto dos atributos de uma nação O termo Statistik deriva do vocábulo Staat, diretamente traduzido como “Estado”

A Estatística A teoria das probabilidades, primeiro grande aporte teórico da Estatística, foi concebida por Blaise Pascal (1623-1662) e formalizada por Daniel Bernouilli (1700-1782), físico, matemático e médico suíço Bernouilli também derivou fórmulas para estimar anos de vida ganhos pela vacinação contra a varíola Pierre-Simon Laplace (1749-1827), matemático e astrônomo francês, além de consolidar a teoria das probabilidades, aperfeiçoou métodos de análise de grandes números, aplicando-os a questões de mortalidade e outros fenômenos em saúde

A Estatística O estudo de Pierre-Charles Alexandre Louis (1787-1872) sobre 1.960 casos de tuberculose, publicado em 1825, em Paris, inaugura a própria Epidemiologia. Médico e matemático, Louis é o precursor da avaliação da eficácia dos tratamentos clínicos, utilizando métodos da Estatística Em 1839, William Farr (1807-1883) criou o registro anual de mortalidade e morbidade para a Inglaterra e o País de Gales, marcando a institucionalização dos sistemas de informação em saúde A aritmética médica de Louis e a estatística médica de Farr propiciaram uma razoável integração entre a Clínica moderna e a Estatística, faltando apenas o substrato político para o surgimento de uma nova ciência da saúde de caráter eminentemente coletivo

A Medicina Social No final do século XVIII → poder político da burguesia consolidado → diferentes intervenções do Estado na saúde das populações Na França, com a Revolução de 1789 → Medicina urbana → sanear cidades, ventilando as ruas e as construções públicas e isolando áreas consideradas miasmáticas Na Alemanha → medidas compulsórias de controle e vigilância das enfermidades → responsabilidade do Estado Na Inglaterra → revolução industrial → desgaste da classe trabalhadora → medicina da força de trabalho, parcialmente sustentada pelo Estado em áreas urbanas, para dar conta da grande deterioração das condições de vida e de saúde desta classe

A Medicina Social A formação de um proletariado urbano, com a evidência de sua exploração intensa, abriu um processo de luta política sob a forma de diferentes concepções de socialismo utópico Uma dessas concepções interpreta a política como medicina da sociedade, dando início a um movimento pela politização da saúde, iniciado na França, por volta de 1830 Em 1838, Guérin cunhou o termo “Medicina Social”, que tem servido para designar modos de abordar coletivamente a questão da saúde

A Medicina Social Em meados do século XIX, o médico sanitarista Rudolf Virchow (1821-1902) , após constatar que um processo epidêmico de tifo era determinado por questões de cunho social e político, liderou o movimento médico-social na Alemanha Esse movimento sofreu um importante revés em meados do século XIX, com a derrota das revoltas urbanas Paris e Berlim. Virchow sofreu um exílio interno e, posteriormente, tornou-se o mais importante nome da patologia moderna Por outro lado, alguns sanitaristas britânicos, que buscavam pela via legislativa incorporar suas preocupações sociais aos conhecimentos científicos, tentaram inaugurar a Epidemiologia como um movimento científico-social

A Medicina Social Em 1850, jovens simpatizantes das idéias médico-sociais, oficiais de saúde pública e membros da Royal Medical Society organizaram na Inglaterra a London Epidemiological Society Dentre seus membros, destaca-se Florence Nightingale (1820-1810), que mais tarde seria celebrada como “mãe fundadora” da Enfermagem, e John Snow (1813-1858), por muitos considerado como o pai da Epidemiologia Os estudos pioneiros de Nightingale sobre a mortalidade por infecção pós-cirúrgica nos hospitais militares na Guerra da Criméia e a façanha de Snow em desvendar os mecanismos de transmissão hídrica e o agente microbiano do cólera justificam o simbolismo dessas homenagens Ressalte-se que, na segunda metade do século XVI na Espanha, Angelerio havia utilizado pela primeira vez o termo epidemiologia em um título de um trabalho sobre a peste Somente 300 anos mais tarde, Juan de Villalba recuperou o termo em sua obra Epidemiología Española, onde descreveu todas as epidemias conhecidas até 1802

A Medicina Social Décadas seguintes → grande avanço da fisiologia, patologia e bacteriologia → Claude Bernard, Rudolf Virchow, Louis Pasteur e Robert Koch Tais avanços teriam dispensado o conhecimento sobre as questões-chave de ordem social e política da saúde Doenças infecto-contagiosas → maior prevalência nesta época → descoberta dos microorganismos fortaleceu muito a medicina clínica Abordagem curativa individual suplantou mais uma vez o enfoque coletivo no enfrentamento das questões da saúde e de seus determinantes

A Medicina Social O avanço do conhecimento epidemiológico voltava-se para os processos de transmissão ou controle de epidemias Nessa época, em função de uma medicina social do colonialismo, registra-se o ensino sobre a distribuição das doenças em populações nas escolas médicas da França, Inglaterra e Alemanha Obtém-se o controle da varíola, malária, febre amarela e outras doenças “tropicais”, especialmente nos portos de países colonizados e das ex-colônias, como o Brasil Neste contexto, por volta de 1890, surge o Instituto Pasteur, de Paris, e a School of Tropical Medicine, de Londres

A EPIDEMIOLOGIA NO MUNDO O auge da hegemonia da medicina “científica” sobre a medicina social ocorre com o relatório Medical Education in the United States and Canada, elaborado por Abraham Flexner (1866-1959) Este relatório reduz o ensino médico a um enfoque individualista com ênfase na pesquisa básica, realizada principalmente sobre as doenças infecciosas. O modelo flexneriano reforçou a separação entre o individual e o coletivo (e, por tabela, o biológico e o social) na saúde

A EPIDEMIOLOGIA NO MUNDO Em 1918 → Johns Hopkins School of Hygiene and Public Health → modelo do programa “Escolas de Saúde Pública”, difundido pelo mundo com apoio da Fundação Rockefeller Wade Hampton Frost (1880-1938) assumiu a cátedra de Epidemiologia na Johns Hopkins e tornou-se o primeiro professor de epidemiologia do mundo Frost utilizou novas técnicas estatísticas para estudar as variações na incidência e prevalência de doenças transmissíveis, como a tuberculose, para avaliar possíveis determinantes sociais e genéticos

A EPIDEMIOLOGIA NO MUNDO Major Greenwood (1888-1949), discípulo de Karl Pearson, fundador da estatística moderna, foi o primeiro professor de Epidemiologia e Estatística Vital na London School of Hygiene and Tropical Medicine, no ano de 1928 Greenwood foi o principal responsável pela introdução do raciocínio estatístico na pesquisa epidemiológica

A EPIDEMIOLOGIA NO MUNDO Crise econômica de 1929 precipitou uma profunda crise da medicina científica na década seguinte → avanço da tecnologia e a tendência à especialização da prática médica → elevação nos custos e elitização na assistência à saúde justamente num momento de grande demanda social por serviços de saúde Nesse contexto, resgatou-se o caráter social das doenças através do recurso à Epidemiologia, que já não continha a politização da medicina social Epidemiologia assumiu cada vez mais o positivismo das ciências naturais, através do modelo da Biologia, pois se a Fisiopatologia se ocupa dos processos patológicos do organismo, a Epidemiologia foi chamada a abordar tais processos na sociedade

A EPIDEMIOLOGIA NO MUNDO Nesse momento de crise, a nascente Epidemiologia buscava privilegiar o conceito do coletivo, tomando a sociedade como mais do que um mero conjunto de indivíduos e, como corolário, ampliava seu objeto de conhecimento para além das epidemias e das enfermidades transmissíveis Nesse duplo movimento, abriu-se um impasse conceitual e metodológico com o modelo flexneriano experimental A saída para tal impasse foi produzida através da estatística, que reapresentava a “velha novidade” da teoria das probabilidades, possibilitando, assim, formalizar o conceito de risco como objeto privilegiado da Epidemiologia

A EPIDEMIOLOGIA NO MUNDO Segunda Guerra Mundial → necessidade de métodos eficientes para medir a saúde física e mental das tropas → aplicação desses métodos na população civil Pós-guerra → grandes inquéritos epidemiológicos, especialmente de enfermidades não-infecciosas Década de 1950 → boom no desenvolvimento e aperfeiçoamento de novos desenhos de investigação epidemiológica → desenhos longitudinais de coorte, a partir do Estudo de Framingham, e os ensaios clínicos controlados, atribuídos a Bradford Hill (1897-1991) Plano teórico → novos modelos explicativos para fazer frente à teoria monocausal das enfermidades → forte tendência ecológica na Epidemiologia

A EPIDEMIOLOGIA NO MUNDO Década de 1960 → introdução da computação eletrônica → mais profunda transformação na Epidemiologia → matematização cada vez maior da disciplina Utilização de banco de dados, aliada à crescente utilização e criação de novas técnicas analíticas, expandiu as possibilidades da investigação epidemiológica Introdução das técnicas de análises multivariadas na Epidemiologia permitiu o tratamento mais adequado das variáveis de confundimento, intrínseco aos desenhos observacionais que conferem especificidade à Epidemiologia enquanto ciência

A EPIDEMIOLOGIA NO MUNDO Década de 1970 → juntamente com o grande desenvolvimento de técnicas de coleta e análise de dados epidemiológicos, emergiu o debate sobre a cientificidade da disciplina Feinstein → Epidemiologia seria uma disciplina essencialmente empírica, sem maiores demandas teóricas Neste período ocorreu também um movimento de sistematização do conhecimento epidemiológico John Cassel (1915-1978) → buscou integrar modelos biológicos e sociológicos em uma teoria sobre a doença, unificada pela Epidemiologia

A EPIDEMIOLOGIA NO MUNDO Almeida Filho → três tendências de 1970 a 1980: 1ª → Aprofundamento das bases matemáticas da disciplina 2ª → Consolidação de uma “Epidemiologia clínica” → nega o caráter social da disciplina 3ª → Emergência de abordagens mais críticas da Epidemiologia como reação à “biologização” da saúde pública → reafirma a historicidade dos processos saúde-enfermidade-cuidado e vertente econômica e política de seus determinantes Nesse percurso, a abordagem matemática serve com um importante mito de razão, fundamental como justificativa do experimento clínico, substrato da pesquisa científica na área médica

A EPIDEMIOLOGIA NO MUNDO Atualmente, a Epidemiologia apresenta tendências aparentemente dissonantes como a Epidemiologia Molecular e a Etnoepidemiologia Novas abordagens metodológicas para os estudos ecológicos resultam em uma reavaliação de suas bases epistemológicas, abrindo novas possibilidades para o estudo de processos em grupos populacionais Além disso, a disciplina vem ampliando seu objeto de conhecimento, abrindo novos horizontes de pesquisa, como, por exemplo, a Farmacoepidemiologia, a Epidemiologia Genética e a Epidemiologia de Serviços de Saúde

A EPIDEMIOLOGIA NO BRASIL Uma protoepidemiologia originou-se da Medicina Tropical e dos naturalistas que, de forma sistemática, descreveram a ocorrência de diversas doenças infecciosas, seus vetores e agentes Ressalta-se o papel da Escola Tropicalista Baiana, ainda na era pré-pausteriana Em 1903, o então Presidente da República, Rodrigues Alves, nomeou o médico Oswaldo Cruz, recém egresso do Instituto Pasteur, para a Diretoria-Geral de Saúde Pública

A EPIDEMIOLOGIA NO BRASIL A tarefa de Oswaldo Cruz era sanear o Rio de Janeiro, capital do País, e combater as principais epidemias que assolavam a cidade: a febre amarela, a peste bubônica e a varíola A campanha contra a febre amarela foi estruturada em moldes militares. Foram impostas medidas rigorosas: aplicação de multas, intimação aos proprietários de imóveis insalubres para reformá-los ou demoli-los, entre outras medidas

A EPIDEMIOLOGIA NO BRASIL Em seguida, Oswaldo Cruz iniciou sua batalha contra a peste bubônica, através da notificação compulsória dos casos, do combate aos ratos da cidade etc Em 1904, o Rio de Janeiro sofreu uma grave epidemia de varíola. Em função disso, o governo envia ao Congresso um projeto de lei impondo a obrigatoriedade da vacinação contra a doença, prevendo sanções para quem descumprisse a lei A forma autoritária com que foi implementada a vacinação gerou grande insatisfação popular, o que, aliado às demolições realizadas pelo Prefeito Pereira Passos, deu origem à denominada Revolta das Vacinas, que durou uma semana e deixou um saldo de 30 mortos, 110 feridos e 945 presos, dos quais 461 foram deportados para o Acre

A EPIDEMIOLOGIA NO BRASIL Em 1905, Carlos Chagas conseguiu controlar um surto de malária em Itatinga, interior de São Paulo, e sua experiência acabou tornando-se referência para o combate à doença no mundo inteiro Em 1909, Chagas descobriu o protozoário causador da tripanossomíase americana, denominado por ele de Trypanosoma cruzi, em homenagem a Oswaldo Cruz A doença ficou conhecida mundialmente como Doença de Chagas

A EPIDEMIOLOGIA NO BRASIL Após o fim da I Guerra Mundial → EUA assumiram posição de destaque no mundo Fundação Rockefeller → importante influência na formação do pensamento sanitário brasileiro → até as décadas de 1950 a 1970 A influência européia na formação do sanitarista no Brasil diminuiu consideravelmente Término da II Guerra Mundial → idéia que as doenças endêmicas poderiam ser controladas ou erradicadas Essa concepção é fruto da experiência dos sanitaristas norte-americanos durante a guerra e que poderia ser usada como um trunfo na busca de aliados durante a Guerra Fria

A EPIDEMIOLOGIA NO BRASIL Incentivadas pelo governo norte-americano, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e Organização Mundial da Saúde (OMS) empreendem diversas ações no nível global ou regional visando o controle e a erradicação de várias doenças No Brasil → campanhas de erradicação da malária de sucesso parcial e do Aedes aegypti, que foi plenamente exitosa, embora não tenha sido permanente As campanhas de erradicação da varíola na década de 1960 e da poliomielite na década de 1970, aliadas à grave epidemia de doença meningocócica ocorrida na década de 1970, contribuiram para consolidar, em meados da década de 1970, o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica no Brasil

A EPIDEMIOLOGIA NO BRASIL O raciocínio e as técnicas epidemiológicas foram fundamentais para o êxito das ações de saúde desenvolvidas no Brasil desde o início do século XX e o êxito dessas ações contribuiu para o desenvolvimento da Epidemiologia em nosso País Em 2005, a Comissão de Epidemiologia da ABRASCO lançou o IV Plano Diretor para o Desenvolvimento da Epidemiologia no Brasil Este documento afirma que a pesquisa no campo da saúde pública vem se expandindo em nosso País → grande crescimento da pesquisa epidemiológica → orientação principal nos problemas de saúde de grande impacto social e suas relações com os determinantes políticos, sociais, econômicos e culturais

A EPIDEMIOLOGIA NO BRASIL O ensino da Epidemiologia deve se apropriar de recursos pedagógicos e tecnológicos adequados às necessidades de uma sociedade em constante transformação cultural e comportamental O IV Plano Diretor destaca também que a Epidemiologia deve estar incorporada a políticas, programas e serviços públicos de saúde no Brasil Neste sentido, a utilização cada vez maior pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de informações epidemiológicas nos diversos níveis do sistema para o conhecimento das necessidades de saúde da população constitui-se em uma ferramenta fundamental para o aprimoramento do SUS