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Conferência Interdisciplinaridade e a Promoção da Justiça

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Apresentação em tema: "Conferência Interdisciplinaridade e a Promoção da Justiça"— Transcrição da apresentação:

1 Conferência Interdisciplinaridade e a Promoção da Justiça
Fontes: VASCONCELOS, EM - Complexidade e pesquisa interdisciplinar. Petrópolis, Vozes, 2002. VASCONCELOS, EM – Abordagens psicossociais, vol 1: história, teoria e trabalho no campo. 3 vols. São Paulo, Hucitec, 2008

2 1) Alguns conceitos básicos sobre interdisciplinaridade para fundamentar a nossa discussão:
Premissas Básicas: a) Os termos interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, se apresentados de forma isolada, não revelam toda a riqueza e os enormes desafios da produção de conhecimento e das práticas profissionais que buscam integrar diferentes campos de conhecimento e profissões. b) Há vários formas de convivência e relações de poder entre diferentes campos de conhecimento e profissões, expressas pelos termos multi-, pluri-, inter- e trans- , usados com seus respectivos complementos, como por exemplo, quando falamos em práticas multiprofissionais, pluridisciplinares, interteóricas, interparadigmáticas, transdisciplinares, etc. Estes conceitos não são consensuais entre os diversos autores. No quadro logo abaixo, vamos propor uma conceituação de minha autoria, para permitir um diálogo mais preciso, mas sem a pretensão de esgotar o problema ou ignorar outras opiniões. c) A questão central da interdisciplinaridade não está propriamente na integração entre disciplinas e profissões, mas em como fazer dialogar paradigmas de conhecimento diferentes, que articulam diferentes pressupostos em filosofia das ciências, diferentes teorias e diferentes perspectivas ético-políticas. Como ser pluralista, sem implicar em ecletismo ou acoplamentos lineares, desconhecendo as diferenças? Este foi a principal questão desenvolvida nos textos indicados acima.

3 Tipos de ‘práticas inter-’
DEFINIÇÃO GERAL TIPO DE SISTEMA CONFIGURAÇÃO PRÁTICAS MULTI- : gama de campos de saber que propomos simultaneamente, mas sem fazer aparecer as relações existentes entre eles. Sistema de um só nível e de objetivos únicos; nenhuma cooperação PRÁTICAS PLURI- : justaposição de diversos campos de saber situados geralmente no mesmo nível hierárquico e agrupadas de modo a fazer aparecer as relações existentes entre elas. Sistema de um só nível e de objetivos múltiplos; cooperação, mas sem coordenação PRÁTICAS PLURI- : AUXILIARES: utilização de contribuições de um ou mais campos de saber para o domínio de um deles já existente, que se posiciona como campo receptor e coordenador dos demais; tendência ao imperialismo epistemológico Sistema de dois níveis; coordenação e objetivos hegemonizados pelo campo de saber encampador. PRÁTICAS INTER- : práticas de interação participativa que inclui a construção e pactação de uma axiomática comum a um grupo de campos de saber conexos, definida no nível hierarquicamente superior, introduzindo a noção de finalidade maior que redefine os elementos internos dos campos originais Sistema de dois níveis e de objetivos múltiplos; coordenação procedendo do nível superior; tendência a horizontalização das relações de poder. CAMPOS TRANS- : campos de interação de médio e longo prazo que pactuam uma coordenação de todos os campos de saberes individuais e inter- de um campo mais amplo, sobre a base de uma axiomática geral compartilhada; tendência à estabilização e criação de campo de saber com autonomia teórica e operativa própria. Sistema de níveis e objetivos mútiplos; coordenação com vistas a uma finalidade comum dos sistemas; tendência a horizontalização das relações de poder.

4 2) Discussão do documentário “À margem do corpo”, de Débora Diniz
2.1) Impressão e avaliação geral: - caso gravíssimo e dramático, que expôs várias das mazelas típicas da sociedade brasileira e da condição das mulheres pobres e negras deste país; documentário importante, que resgata e dá visibilidade às principais facetas e dimensões do caso, e constitui uma forma muito oportuna e inteligente de luta social e cultural; filme de enorme impacto, tanto no plano pessoal e social, e extremamente útil na educação em geral, na formação profissional, no trabalho comunitário e social e nas lutas relacionadas às questões étnica e de gênero. 2.2) As múltiplas questões e dimensões que atravessavam a história de Deuseli a) Dimensão social: Deuseli teve uma origem específica de classe social, filha de uma mãe muito pobre, na base da escala social, e passou a trabalhar como empregada doméstica, sem os mesmo direitos trabalhistas dos demais trabalhadores; b) Dimensão étnica: era negra e discriminada por isso (por exemplo, lembrem-se das expressões das pessoas ao se referirem ou a descreverem, no início do filme);

5 c) Dimensão de gênero: era mulher e foi vítima da violência de gênero na infância (no seu caso, provável tentativa de estupro pelo padrasto) e depois na adultez, com o estupro real por Nego Vila. Teve um trabalho como empregada doméstica, geralmente realizado por mulheres, e que é pouco reconhecido socialmente e mal remunerado; d) Dimensão demográfica: nasce em um contexto de profundas mudanças da estrutura familiar, com alta prevalência de famílias monoparentais, lideradas por mulheres com parceiros temporários e/ou sem vínculo responsável com filhos e enteados, fomentando a violência doméstica e a desfiliação social pelo componente relacional, ou seja, gerando indivíduos com precários vínculos familiares e de suporte social; e) Dimensão religiosa: - é estuprada e se engravida em um contexto de forte campanha dogmática católica anti-aborto, que ignora as características particulares e a justeza de seu pedido para fazer o aborto legal; - a hierarquia católica, em uma conjuntura de forte conservadorismo e competição com as igrejas evangélicas, estimulava a visão da presença demoníaca e os rituais regulares de exorcismo, dificultando a elaboração mais crítica dos conflitos pessoais e problemas sociais;

6 f) Dimensão de saúde pública: questões médicas e de ética médica: pelas informações veiculadas nos depoimentos do filme, é possível levantar as seguintes questões: - é estuprada e se engravida em um contexto de luta e enorme resistência difusa à tentativas de legalização do aborto, em que milhares de mulheres morrem por complicações associadas às péssimas condições em que os abortos clandestinos são realizados; - no atendimento imediato após sofrer a violência, médicos se apegam à burocracia e a enviam para casa para tomar banho, pedindo para voltar no dia seguinte, prejudicando a comprovação da violência e do estupro; - nenhum médico quis realizar seu pedido de aborto legal, que é um direito da mulher reconhecido em lei, nesta situação específica, já que continuar a gravidez e ter o filho significa uma verdadeira tortura psicológica para a mãe; - aconselharam fazer o aborto em casa, sem assistência médica permanente, para só buscar o hospital depois; - realizaram uma verdadeira operação de adiamento do aborto legal, pedindo cada vez mais documentos; - já internada, a enganaram, dizendo ter aplicado o remédio abortivo, quando na verdade isso não fora realizado; - deram alta sem a devida ciência às autoridades judiciárias que acompanhavam o caso.

7 g) Dimensão subjetiva e psicológica:
- teve uma história de vida de desamparo e violência desde cedo, com uma madrasta que batia nela e que lhe impôs um padrasto violento, que provavelmente a estrupou ou acabou obrigando-a a sair de casa para evitá-lo; - passou pela experiência da violência e estrupo, que atualizou a experiência traumática familiar, e que detonou a emergência dos sintomas psicológicos; - viveu toda a violência contínua e reiterada de desatenção com seu caso e com seu pedido de aborto legal, quando reiterava a todos a impossibilidade de ter aquele filho; - viveu a ambigüidade da longa situação de estar grávida e de ter uma filha que trazia a marca viva da experiência e da pessoa que a violentou, o que a levou a concretizar seus avisos de que ia matá-la, bem como a desenvolver um transtorno mental grave, com sintomas neurológicos e alucinatórios graves, com forte contraposição dissociada dos componentes de agressividade, desejo e culpa, dando aos sintomas uma aparência dos estados de possessão demoníaca; - viveu uma situação intensamente contraditória e dissociativa na Casa da Gestante, de ser por um lado acolhida, e por outro estar submetida exatamente àqueles que tinham induzido explicitamente a que ela não fizesse o aborto legal;

8 - pelas informações veiculadas, tinha acesso a medicamentos psiquiátricos, mas não parece ter tido a oportunidade de uma assistência psicológica adequada; - teve uma segunda gravidez, desta vez parecendo ter sido desejada e com alguém com quem mantivera um relacionamento voluntário. Entretanto, isso foi vivenciado ainda enquanto se desdobrava o drama da situação com a primeira filha, e já percebendo a dificuldade de manter o filho consigo e os riscos reais de perdê-lo. - a meu ver, todo este estresse pode ter constituído um quadro de enorme desamparo e sofrimento, suficiente para criar um quadro psicossomático grave e para induzir à desistência de viver e à morte.

9 h) Dimensão jurídica e de direitos humanos:
- ausência de uma delegacia especializada em crimes contra a mulher na cidade, capaz de criar um ambiente mais acolhedor para estas situações, de tomar as providências adequadas e de colaborar gradualmente na luta contra a violência e os preconceitos típicos de gênero na sociedade mais ampla; - as condições precárias do atendimento inicial logo após o estupro, em uma delegacia que a encaminhou sem o devido pedido de corpo de delito; - ausência, por parte da justiça brasileira, de planejamento institucional e de procedimentos processuais adequados de natureza mandatória, capazes de assegurar o aborto nos casos permitidos pela lei e requeridos pela mulher; - apesar dos esforços pessoais da promotora no acompanhamento do caso, sua gravidade requeria um acompanhamento compartilhado de cunho multiprofissional e intersetorial, que articulasse as instituições de assistência social, saúde e justiça, e que fosse particularmente mais próximo e regular, de forma a não permitir, por exemplo, os demandos e a alta irresponsável realizados pelo hospital.

10 3) Implicações para o serviço social e para a sua inserção dentro do Ministério Público
a) O serviço social talvez seja a profissão inserida em políticas sociais no Brasil com maior tradição de trabalho intersetorial e de articulação de instituições para a assistência de seus usuários. Neste sentido, a participação do assistente social no Ministério Público, nas delegacias e nos demais serviços de atendimento ao público e defesa de direitos do Judiciário é fundamental e estritamente necessário. b) O serviço social brasileiro, seu projeto ético-político contemporâneo e suas organizações corporativas construíram, em minha opinião, o posicionamento político mais explícito em prol dos interesses históricos das classes populares e pela construção de uma sociedade mais justa, igualitária e solidária, entre todas as demais profissões da área social e da saúde no país. c) A meu ver, o maior desafio da profissão dentro da temática em foco se encontra mais internamente em sua própria cultura, formação profissional e construção teórica: este direcionamento ético-político da categoria vem reivindicando cada vez a onipotência completa da teoria marxista em lidar com a toda a complexidade e multidimensionalidade dos fenômenos com os quais nos confrontamos. Do ponto de vista da filosofia da ciência, está implícita a concepção de que toda a realidade histórica e humana poderia ser reduzida às dimensões e rebatimentos da questão social. Portanto, isso implicaria que uma abordagem uniteórica e uniparadigmática seria capaz de lidar com toda a complexidade do real, colocando suas lideranças e intelectuais como representantes potenciais do conjunto da sociedade e como vanguarda exclusiva para chegar à nova sociedade. Será isto possível e desejável? Estariam os profissionais aptos a realizar este diálogo entre diferentes campos profissionais e perspectivas teóricas e paradigmáticas, como vimos acima no caso da Deuseli?

11 d) Em um livro anterior, “Saúde mental e serviço social” (São Paulo, Cortez, 2000), argumentei que, em nome da interpelação ao marxismo e do risco de um eventual retorno às teorias psicossociais e clínicas conservadoras do passado, a profissão vem realizando um verdadeiro recalque dos temas psicossociais e da subjetividade. O livro “Complexidade e pesquisa interdisciplinar” e agora a coletânea “Abordagens psicossociais”, em 3 volumes, que estamos lançando agora, vem nesta direção de oferecer uma contribuição e uma alternativa a este dilema, por dentro do projeto ético-político atual, mas a partir de um posicionamento diferenciado de esquerda, de caráter pluralista e interdisciplinar. Não há tempo para descrever em detalhes esta perspectiva, mas podemos conversar mais a respeito desta nova forma de produção de conhecimento no debate.

12 3.2) Implicações para se pensar a inserção do serviço social no Ministério Público
a) Estaria o Ministério Público e sua estrutura institucional efetivamente preparados para o desafio colocado pela interdisciplinaridade, no sentido abrangente apontado aqui? Como está hoje reconhecida a presença do serviço social, de outras profissões e de seus paradigmas no organograma e na estrutura do MP? b) Há outras possibilidades de pensar a presença das demais profissões para além da forma subalterna das práticas pluri-auxiliares? PRÁTICAS PLURI- AUXILIARES: utilização de contribuições de um ou mais campos de saber para o domínio de um deles já existente, que se posiciona como campo receptor e coordenador dos demais; tendência ao imperialismo epistemológico Sistema de dois níveis; coordenação e objetivos hegemonizados pelo campo de saber encampador. O mandato legal e institucional do direito impediria de fato qualquer outra forma de interlocução mais vigorosa? Haveria espaço nas normas institucionais e nas práticas internas e externas do MP para aumentar o reconhecimento do poder e das contribuições das demais profissões? Como o serviço social vem se organizando e reivindicando seu espaço dentro da instituição?


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