Giuseppe Arcimboldo, O verão (1573). «Num bairro moderno»
E recebi, naquela despedida, As forças, a alegria, a plenitude, […] «Num bairro moderno» — verão de 1887. Giuseppe Arcimboldo, Vertumnus (c. 1590).
«Num bairro moderno» Composição poética que apresenta um sujeito em deambulação Composição de teor narrativo dividida em três momentos: 1 — Descida para o «emprego» 2 — Encontro com a vendedeira (exame e transfiguração poética) 3 — Despedida revigorante
1. Descida para o emprego «Num bairro moderno» Os seus habitantes têm privilégios A sua rua é macadamizada Descansam ou tomam o pequeno-almoço às «dez da manhã» O sujeito poético percorre o «bairro moderno», indo a caminho do trabalho: («Eu descia / Sem muita pressa, para o meu emprego,») A sua existência é marcada pelo ócio Capta imagens em constante deambulação Valorização das perceções imediatas «E fere a vista […]» «Reluzem […] as porcelanas»
«E rota, pequenina, azafamada, / Notei de costas uma rapariga» 2. Encontro com a vendedeira (I) Poema de teor narrativo: o eu poético narra o seu encontro com uma personagem — a vendedeira «E rota, pequenina, azafamada, / Notei de costas uma rapariga» Anteposição da qualidade/característica à designação do objeto — técnica impressionista Fede Galizia, Cesto de fruta (c. 1610).
Contraste entre a sua descrição e a do espaço envolvente 2. Encontro com a vendedeira (II) Postal da coleção «Costumes» (Porto, 1922). É «rota, pequenina, azafamada» É «esgadelhada, feia» Pertence ao campo Contraste entre a sua descrição e a do espaço envolvente A vendedeira prende a atenção do sujeito poético: «E eu, apesar do sol, examinei-a: […]»
Representa a humilhação/exploração 2. Encontro com a vendedeira (III) O criado Serve, mas representa os de uma classe superior Revela desprezo e arrogância em relação à figura da vendedeira + Paga-lhe pouco pelos seus produtos «Eu não dou mais […]» Bartolomé Esteban Murillo, Vendedores de fruta (1670-1675). Representa a humilhação/exploração do campo pela cidade
Fortes impressões visuais 2. Encontro com a vendedeira (IV) «E eu, apesar do sol, examinei-a» Exame e transfiguração poética «Atira [o criado] um cobre ignóbil, oxidado, Que vem bater nas faces duns alperces.» Alperces faces Início da transformação/transfiguração do real: Riqueza cromática + Fortes impressões visuais Os «simples vegetais» Os vegetais na «visão de artista» — um corpo humano Melancia Cabeça Repolhos Seios injetados Azeitonas Tranças Tomate «bons corações» …
Panfilo Nuvolone, Natureza morta (1620).
«Nós levantámos todo aquele peso» «Muito obrigada! Deus lhe dê saúde» 3. Despedida revigorante Consequências do agradecimento e da despedida: O sujeito poético recupera as «forças», a «alegria» e a «plenitude» O sujeito poético afasta-se, contemplando-a a uma certa distância O sujeito poético é interpelado pela vendedeira, a quem ajuda Eu Nós «Nós levantámos todo aquele peso» Nessa contemplação, existe um contraste entre: o corpo «magro» e «enfezadito» da vendedeira a largura, o peso e a abundância dos vegetais que carrega Agradecimento da vendedeira pela sua boa ação: «Muito obrigada! Deus lhe dê saúde» «Ela apregoa, magra, enfezadita, As suas couves repolhudas, largas.»
Recursos expressivos e linguagem Comparação «como as grossas pernas dum gigante» Exclamação «— que infantil chilrada!» Imagem «e, com o ralo / Do regador, parece que joeira / Ou que borrifa estrelas; e a poeira / Que eleva nuvens alvas a incensá-lo.» Adjetivação «E dedos hirtos, rubros, nas cenouras.» Metáfora «As azeitonas […] / São tranças dum cabelo que se ajeite.» Sinestesia «brancuras quentes»
Recursos expressivos e linguagem Recurso a diminutivos: «pequenina», «enfezadita» — enfatizam o esforço da vendedeira. Dimensão impressionista: Anteposição da qualidade/característica à designação do objeto; Importância da cor e da luz («reluzem […] as porcelanas»; «raios de laranja destilada»).