II A Acção Humana e os Valores

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II A Acção Humana e os Valores 1.2 Determinismo e liberdade na acção humana SUMÁRIO Teorias sobre o livre-arbítrio A proposta de John Searle

Teorias sobre o livre-arbítrio Problema É o livre-arbítrio compatível com o determinismo? Supomos que somos seres dotados de livre-arbítrio. Mas podemos, de facto, fazer opções?

Teorias acerca do problema do livre-arbítrio Determinismo radical (incompatibilismo) Indeterminismo Determinismo moderado (compatibilismo) Libertarismo

Determinismo radical (incompatibilismo) >>> Determinismo é um conceito importado da física clássica Afirma: se cada acontecimento no mundo decorre necessariamente da série de acontecimentos que o antecederam, então tendo ocorrido o fenómeno X, causa de Y, este último tem de ocorrer

Passa-se o mesmo com a acção humana? Exemplo: Arremessada com determinada força, sentido e direcção, a bola só poderá percorrer um caminho que é efeito necessário da sua causa, isto é, determinado Passa-se o mesmo com a acção humana?

Determinismo radical (incompatibilismo) Todos os acontecimentos, inclusive as opções humanas, são causados por acontecimentos anteriores Num mundo regido por leis determinísticas, as acções e os acontecimentos sucedem-se em cadeias causais Não podemos interferir nessas ocorrências (mesmo que tenhamos consciência delas) As leis que as regem não estão minimamente sob o nosso controlo A existência de livre-arbítrio é incompatível com o determinismo Em suma: o determinismo radical defende a incompatibilidade entre determinismo e liberdade

o indeterminismo defende que as nossas acções não são determinadas Para a física contemporânea é impossível prever o comportamento de um dado sistema de micro-partículas da matéria Elas comportam-se de modo diferente em cada momento seguinte, sem que se possa encontrar a causa dessa mudança Podemos admitir que o indeterminismo que rege o mundo das micro-partículas também se aplica à vontade humana Uma vez que há indeterminismo na Natureza, o indeterminismo defende que as nossas acções não são determinadas

Podemos afirmar o mesmo do comportamento humano? Segundo a física contemporânea é impossível prever o comportamento das micro-partículas da matéria Podemos afirmar o mesmo do comportamento humano?

Determinismo moderado (compatibilismo) Parte do conceito comum de liberdade e aceita a convicção de que poderíamos ter feito outra coisa se o tivéssemos escolhido No mundo todos os fenómenos são causalmente relacionados A vontade humana, igualmente determinada, é livre quando não for obrigada a escolher sob ameaça (de uma arma, por exemplo) Tudo no mundo natural é determinado, mas as acções humanas são livres, por serem determinadas mas não constrangidas O determinismo moderado defende a compatibilidade entre o determinismo e a liberdade

Libertarismo As nossas acções nem são determinadas nem aleatórias É dualista (matéria e espírito são de natureza diferente) Os fenómenos mentais não são fenómenos físicos O mundo material e a acção humana são de natureza diferente e regem-se por leis diferentes As leis dos fenómenos materiais não se aplicam aos fenómenos mentais O libertarismo afirma que as acções humanas resultam de deliberações racionais e podem alterar o curso dos acontecimentos no mundo

Manifestação de estudantes filipinos: determinismo ou liberdade?

A proposta de John Searle Problema Como conciliar a convicção humana de ter liberdade com as concepções científicas? Tema: livre-arbítrio e determinismo Obra: Mente, Cérebro e Ciência, capítulo VI

John Searle (n. 1932) Professor da Universidade da Califórnia

Percurso argumentativo do autor A) Refutação do compatibilismo a) identificação do problema (um dilema filosófico) b) formulação da hipótese compatibilista c) refutação do compatibilismo B) Demonstração da tese do autor

A) Refutação do compatibilismo >>> a) Identificação do problema (um dilema filosófico) Nem a física clássica nem a física contemporânea permitem admitir que a vontade humana seja livre A liberdade humana é um facto da experiência É da nossa experiência a certeza de que, no caso de uma opção, poderíamos ter feito outra O nosso comportamento não é previsível como o comportamento de uma esfera num plano inclinado Poderíamos ter agido de um modo diferente do modo como agimos

Refutação do compatibilismo >>> b) Formulação da hipótese compatibilista O livre-arbítrio humano é compatível com a concepção determinística, pois tudo no mundo natural é determinado mas algumas acções humanas são livres, por serem determinadas mas não constrangidas

Refutação do compatibilismo >>> 1.º momento: reformulação do problema O compatibilismo parte de uma formulação errada do problema Não se trata de saber se há ou não razões psicológicas ou compulsões internas e causas físicas externas para agir Trata-se de saber se essas causas nos levam a fazê-lo necessariamente Questão: Poderia uma pessoa ter agido de outro modo no caso de permanecerem idênticas todas as outras condições?

Refutação do compatibilismo >>> Poderia uma pessoa ter agido de outro modo no caso de permanecerem idênticas todas as outras condições? O compatibilismo responde: NÃO! Isto implica a negação da tese da compatibilidade entre livre-arbítrio e determinismo Então, temos de concluir que a formulação correcta do problema conduz à negação da liberdade da vontade.

Refutação do compatibilismo >>> 2.º momento: a liberdade é uma crença ilusória? Um indivíduo em situação de sugestão pós-hipnótica age de forma previsível (determinada) e o mesmo pode acontecer com todo o comportamento humano O agente pode julgar que está a agir livremente e o seu comportamento ser determinado, sem espaço para o livre- -arbítrio Contudo, no plano empírico, não é sustentável afirmar que todo o comportamento é determinado por causas psicológicas, como no caso da hipnose ou de drogas

Refutação do compatibilismo >>> A relação estados mentais/acção não é uma relação de causa/efeito determinista, porque a experiência mostra que poderíamos ter agido de outro modo Os exemplos de hipnose e da dependência de drogas são patológicos e não podem generalizar- -se às situações normais Assim, dado que a relação estados mentais/acção não é uma relação de causa-efeito (determinista) temos de concluir que a liberdade não é uma crença ilusória.

Refutação do compatibilismo >>> 3.º momento: análise do conceito de livre- -arbítrio Afirmar que temos livre-arbítrio é dizer que a acção é determinada por processos racionais e que todo o comportamento é determinado Embora saibamos que o Sol não se põe continuamos a dizer pôr-do-Sol Do mesmo modo, usamos a expressão agir por livre vontade embora tal não exista.

Refutação do compatibilismo Esta concepção é compatível com o determinismo; não seria se aceitássemos a hipótese de que o libertarismo é verdadeiro. Para que o libertarismo (dualista) fosse verdadeiro (diz Searle) “deveríamos postular a existência, dentro de cada um de nós, de um ‘si mesmo’ que fosse capaz de interferir com a ordem causal da natureza, isto é, parece que de certa maneira deveríamos conter alguma entidade que fosse capaz de desviar as moléculas das suas trajectórias. Tal não se harmoniza com o que diz a Física sobre o modo como funciona o Mundo. E não existe a mínima prova para abandonar a teoria física em favor de uma tal concepção.”

B) Demonstração da tese do autor Problema Se nem a concepção indeterminista (física moderna) deixa espaço para a liberdade da vontade, teremos de concluir que a liberdade humana não existe?

Pressupostos de Searle >>> Não é dualista quanto à substância (não reconhece, como Descartes, que alma e corpo sejam de natureza essencialmente diferente) Admite que o funcionamento do corpo e da consciência (alma, para Descartes) têm leis diferentes

Fisiologia da visão, segundo Descartes

Pressupostos de Searle >>> Embora seja monista - pensa que a mente é uma função do cérebro (que é corpo) - admite que a consciência não está submetida às leis (física) da restante matéria Embora admita não saber por que é que isto acontece assim, justifica a sua posição pelo poder da mente para influenciar o comportamento do corpo

Dualismo/Monismo O dualismo afirma que há duas substâncias ou essências diferentes no universo (matéria e espírito), e que os fenómenos mentais são fenómenos não físicos O monismo afirma que há apenas uma substância ou essência constitutiva de toda a realidade (para os materialistas a matéria, para idealistas o espírito)

Encéfalo humano Segundo António Damásio, Descartes errou ao defender o dualismo entre a consciência e o corpo (O Erro de Descartes)

Corte encefálico

Argumentos de Searle >>> A concepção da liberdade humana está essencialmente ligada à consciência e só atribuímos liberdade aos seres conscientes 2) Temos experiência da consciência: é um factor essencial da existência especificamente humana Consciência é uma qualidade da mente que engloba qualificações como subjectividade, auto-consciência, a capacidade de se perceber a si mesmo e a relação entre si e o ambiente

Argumentos de Searle >>> 3) Atribuímos liberdade somente aos seres conscientes capazes de realizar acções voluntárias e intencionais, ou seja, caracterizadas pela intencionalidade Intencionalidade é “a característica pela qual os nosso actos mentais se dirigem ou se referem a objectos e estados de coisas do mundo diferentes deles mesmos.” (Searle) É a direccionalidade da consciência para um qualquer objecto

Argumentos de Searle >>> 4) Temos experiência da subjectividade dos nossos estados mentais (domínio a que só cada indivíduo tem acesso) 5) Isso choca com a pretensão da Ciência de ser completamente objectiva

Argumentos de Searle >>> 6) Apesar de não sabermos como resolver o problema da causalidade mental (não sabermos explicar como é que os nossos sentimentos e pensamentos exercem um efeito causal sobre o mundo físico) 7) Temos experiência da liberdade (isto é, a convicção de que a acção é resultado da nossa decisão, e de que somos nós que fazemos isso acontecer)

Conclusão de Searle Portanto as acções humanas são resultado de deliberações racionais e podem alterar o curso dos acontecimentos no mundo

Teses de Searle >>> 1) É injustificável a afirmação de que o nosso comportamento é psicologicamente compulsivo: as provas existentes sugerem que o determinismo psicológico é falso 2) Há livre-arbítrio: “os factores psicológicos que operam em mim nem sempre ou mesmo em geral, não me impelem a comportar-me de uma maneira particular; muitas vezes eu, falando em termos psicológicos, poderia ter feito algo de diferente daquilo que efectivamente fiz”

Teses de Searle 3) A liberdade da vontade é um facto: “a evolução deu-nos uma forma de experiência da acção voluntária onde o sentido de possibilidade de alternativas, está inserido na genuína estrutura do comportamento humano consciente, voluntário e intencional” apesar da liberdade ser incompatível como determinismo e de não a podermos explicar

Debate Minority Report (Relatório Minoritário) Discussão do tema livre-arbítrio e determinismo a partir do filme Minority Report (Relatório Minoritário) Ficção Científica, EUA, 2002, 146 minutos Realização: Steven Spielberg Site oficial: www.minorityreport.com

Organograma conceptual >>> Incompatibilismo ou determinismo radical o livre-arbítrio é incompatível com a concepção de um mundo regido por leis causais Indeterminismo acontecimentos como estados mentais são aleatórios (sem causa) Compatibilismo ou determinismo moderado leis causais regem o mundo; a acção humana é livre: determinada, mas não constrangida Libertarismo as escolhas humanas não são determinadas nem aleatórias. Resultam da deliberação racional do Agente