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1 Física, um pouco de química e literatura: algumas propostas para o próximo milênio! João Zanetic - IFUSP Estamos em 1985: quinze anos apenas nos separam.

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1 1 Física, um pouco de química e literatura: algumas propostas para o próximo milênio! João Zanetic - IFUSP Estamos em 1985: quinze anos apenas nos separam do início de um novo milênio. (...) O sinal talvez de que o milênio esteja para findar-se é a frequência com que nos interrogamos sobre o destino da literatura e do livro na era tecnológica dita pós-industrial. (...) Minha confiança no futuro da literatura consiste em saber que há coisas [leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência] que só a literatura com seus meios específicos nos pode dar. [Italo Calvino (1923-1985), no seu livro “Seis propostas para o próximo milênio”, 1990, pág. 11.]

2 2 Quando se fala em cultura, raramente a ciência comparece na argumentação. Cultura é quase sempre evocação de obra literária, sinfonia ou pintura; cultura erudita, enfim. Tal cultura, internacional ou nacional, traz à mente um quadro de Picasso ou de Tarsila, uma sinfonia de Beethoven ou de Villa Lobos, um romance de Dostoiévski ou de Machado de Assis, enquanto que a cultura popular faz pensar em capoeira, num samba de Noel ou num tango de Gardel. Dificilmente, porém, cultura se liga ao teorema de Godel ou às equações de Maxwell! J. Zanetic (2005, p.21)

3 3 Pretendo problematizar o tema desta aula, como diria o saudoso educador Paulo Freire (1921- 1997), como uma espécie de tema gerador que convida para o estabelecimento de pontes, aproximações, analogias, metáforas entre as diversas áreas do conhecimento e da cultura. A física e a química são disciplinas pouco amadas no Ensino Médio. E os alunos têm razão porque elas, em geral, são ensinadas como se fossem apenas aplicações da matemática que também não é muito popular (y = ax, F = ma, Ác. Sulf. = H 2 SO 4  b, a, ba).

4 Ficam ausentes: observação, experimentação, história da ciência, filosofia da ciência, ponte com a arte, seu papel social... Elias Canetti (1905-1994), químico e prêmio Nobel de literatura, em um de seus livros, comentava a lembrança que ficara de um de seus professores:

5 (...) Eu ainda alimentava o desejo de saber e me apropriar de tudo o que valia a pena conhecer no mundo. Ainda tinha a crença inabalável de que isso era conveniente e também possível. (...) É verdade que eu tinha um ou outro mau professor, que nada nos transmitia e ainda nos enchia de aversão por sua matéria. Um professor desses fora, em Frankfurt, o de química. Pouco me sobrou de suas aulas, além das fórmulas da água e do ácido sulfúrico e seus movimentos, durante as poucas experiências que ele nos demonstrou, me enchiam de repugnância. (...) Assim, em vez de adquirir uma pequena noção de química, ficou-me um verdadeiro vácuo de conhecimentos. Elias Canetti (1989, p. 107)

6 6 A física e a química devem participar da formação cultural do ser humano contemporâneo independente das eventuais diferenças individuais de interesses, motivações, habilidades e idade. Meu objetivo central é atingir os estudantes que, no formato tradicional do ensino, não se sentem motivados ao estudo da ciência e da física e da química, em particular.

7 7 Estou convencido de que o ensino da física e da química não pode prescindir da presença da sua história, da filosofia da ciência e de sua ligação com outras áreas da cultura, como a literatura, letras de música, cinema, teatro, etc. É preciso explorar a curiosidade de nossas crianças e adolescentes e combater a educação bancária, como diria Paulo Freire. É preciso transformar a curiosidade ingênua em curiosidade epistemológica e/ou cultural. A literatura permite um amplo leque de opções, apresentando a física e a química como cultura.

8 Que literatura utilizar em aulas de física e química? Tenho em mente duas famílias de escritores: 1. cientistas que escreveram obras científicas com forte sabor literário, os cientistas com veia literária (G. Bruno, J. Kepler, Galileu Galilei, I. Newton, L. Boltzmann, A. Einstein, L. Landau, N. Bohr, G. Gamow, José Leite Lopes, Carl Djerassi e Roald Hoffmann, entre outros); 2. escritores da literatura universal que em suas obras utilizam conceitos e métodos das ciências, os escritores com veia científica (Lucrécio, Luiz de Camões, Edgar A. Poe, F. Dostoievsky, M. de Assis, A. dos Anjos, H. G. Wells, M. Lobato, T. Mann, B. Brecht, Alejo Carpentier, J. L. Borges, I. Calvino, Primo Levi, por exemplo).

9 9 Que história? Opto por aquela que contemple tanto a evolução conceitual e metodológica da ciência quanto sua relação com outras áreas do conhecimento e com a sociedade de uma maneira geral, enfim a ciência inserida no processo histórico. Frases de um de nossos mais importantes físicos, o saudoso Mário Schenberg (1914- 1990):

10 10 "A História da Ciência é mais fascinante que um romance policial.(...) O estudo da História da Ciência é muito importante, sobretudo para os jovens. Acho que os jovens deveriam ler História da Ciência porque freqüentemente o ensino universitário é extremamente dogmático, não mostrando como ela nasceu. Por exemplo, um estudante pode facilmente imaginar que o conceito de massa seja simples e intuitivo, o que não corresponde à verdade histórica." Schenberg (1984, pág. 30)

11 11 Vou exemplificar a importância da história da ciência no ensino com uma citação e algumas questões: "Logo, é claro que a doutrina tradicional acerca da gravidade está errada (...) A gravidade é a tendência corpórea mútua entre corpos materiais para a unidade ou contacto de cuja espécie é também a força magnética, de modo que a Terra atrai uma pedra muito mais do que uma pedra atrai a Terra (...) Supondo que a Terra estivesse no centro do mundo, os corpos pesados seriam atraídos, não por estar ela no centro, mas por ser um corpo material. Segue-se que, independentemente de onde colocarmos a Terra (...) os corpos pesados hão de procurá-la sempre (...) Se duas pedras fossem colocadas em qualquer lugar do espaço, uma perto da outra, e fora do alcance da força de um terceiro corpo cognato, unir-se-iam, à maneira dos corpos magnéticos, num ponto intermediário, aproximando-se cada uma da outra em proporção à massa da outra.

12 12 Se a Terra e a Lua não estivessem mantidas nas respectivas órbitas por uma força espiritual ou qualquer outra força equivalente, a Terra subiria em direção à Lua um cinquenta e quatro avos da distância, cabendo à Lua descer as restantes cinquenta e três partes do intervalo, e assim se uniriam. Mas o cálculo pressupõe terem os dois corpos a mesma densidade. Se a Terra cessasse de atrair as águas do mar, os mares se ergueriam e iriam ter à Lua.” “Essa citação poderia ser debatida, por exemplo, tentando identificar o seu autor por meio de algumas questões, como as sugeridas a seguir, que deveriam ser respondidas, todas elas, em função de uma breve pesquisa bibliográfica de textos de história da física:

13 13 1. A partir do seu conhecimento sobre a construção da teoria gravitacional da física clássica, o autor dessa citação poderia ser Nicolau Copérnico (1473-1543), que no início do século XVI trouxe à cena histórica novamente uma proposta heliocêntrica? 2. Ou seu autor seria Galileu Galilei (1561-1642), que explicara a cinemática da queda dos graves e observara, pela primeira vez, os satélites de Júpiter, as irregularidades da superfície da Lua e as fases de Vênus? 3. Não seria René Descartes (1596-1650) que, com sua teoria dos vórtices, construíra uma hipótese sofisticada para explicar a queda dos graves em direção à Terra? 4. Ou poderia ser Johannes Kepler (1571-1630), autor das três leis planetárias que tanta influência tiveram na construção da mecânica nas décadas seguintes? 5. Finalmente, a citação só poderia ser de Isaac Newton (1642-1727), reconhecido autor do princípio da gravitação universal, não é verdade?” J. Zanetic (2009, p.289-290)

14 14 Vamos encontrar interessantes paralelos entre ciência e literatura ao longo da história. Existem ao longo da história obras de escritores que parecem prever o desenvolvimento científico. “Se a arte reflete a realidade, é fato que a reflete com muita antecipação. E não há antecipação que não contribua de algum modo a provocar o que anuncia.” (U. Eco, 1991, pág. 18.) Essa antecipação estava presente, por exemplo, com o poeta romano Lucrécio (c. 98/55 AC). Eis sua argumentação poética e científica quando escreveu sobre os átomos no poema De rerum natura (Sobre a natureza das coisas):

15 15 “Os corpos são constituídos, de uma parte do princípio simples das coisas, os átomos, e de outra parte, dos compostos formados por esses elementos primitivos. Quanto a estes, nenhuma força é capaz de os destruir; a toda tentativa nessa direção, eles resistem com solidez. Que diferença haverá entre o próprio Universo e os corpos muito pequenos? Nenhuma diferença poderá ser estabelecida: tão pequeno ou tão grande que se suponha o universo, os corpos muito pequenos serão, eles próprios, compostos de uma infinidade de partes. A razão se revolta contra essa conseqüência e não admite que o espírito a aceite; por isso, é necessário que tu te confesses vencido e que tu reconheças que existem partículas irredutíveis a toda divisão e que atingiram o degrau último de pequenez; e como elas existem, é preciso que reconheças também que elas são sólidas e eternas.” Lucrécio (1994, p. 4)

16 16 Camões (1524/1580) escreveu Os Lusíadas, influenciado pelo paradigma geocêntrico: Em todos estes orbes, diferente Curso verás, nuns grave e noutros leve; Ora fogem do Centro longamente, Ora da Terra estão caminho breve, Bem como quis o Padre onipotente, Que o fogo fez e o ar, o vento e neve, Os quais verás que jazem mais a dentro E tem co Mar a Terra por seu centro. Os Lusíadas (Canto X, 91)

17 17 Eis um trecho de A máquina do Tempo, de H. G. Wells (1866-1946), escrito entre 1887 e 1894. “- Sabem, naturalmente, que uma linha matemática, uma linha de espessura zero, não tem existência real. (...) Essas coisas são meras abstrações. (...) - Também um cubo, tendo apenas comprimento, largura e altura, não pode ter existência real. - A isso oponho uma objeção, disse Filby. Por certo que um corpo sólido pode existir. Todas as coisas reais... - É o que pensa a maioria das pessoas. Mas, espere um momento. Pode existir um cubo instantâneo? - Não percebo – disse Filby. Pode ter existência real um cubo que não dure por nenhum espaço de tempo? Filby ficou pensativo.

18 18 - Não há dúvida – continuou o Viajante do Tempo – que todo corpo real deve estender-se por quatro dimensões: deve ter Comprimento, Largura, Altura e... Duração. Mas, por uma natural imperfeição da carne, que logo lhes explicarei, somos inclinados a desprezar esse fato. Há realmente quatro dimensões, três das quais são chamadas os três planos do Espaço, e uma quarta, o Tempo. Existe, no entanto, uma tendência a estabelecer uma distinção irreal entre aquelas três dimensões e a última (...) Realmente é isso o que significa a Quarta Dimensão, embora algumas pessoas quando falam na quarta dimensão não saibam o que estão dizendo. É apenas outra maneira de encarar o Tempo.” H. G. Wells (1991, págs. 9/11)

19 E a literatura no ensino de química? Primo Levi (1919-1987), químico de formação: “Zinco, zinc, zinck: com ele se fazem os baldes de roupa, não é um elemento que puxe muito pela imaginação, é cinzento e seus sais são incolores, não é tóxico, não dá reações cromáticas vistosas; em suma é um metal aborrecido. (...) (...) o zinco, tão terno, delicado e dócil diante dos ácidos, que o corroem imediatamente, comporta- se porém de modo muito diferente quando é muito puro: então resiste obstinadamente ao ataque. Daí se podem extrair duas consequências filosóficas contrastantes: o elogio da pureza, que protege contra o mal como uma

20 couraça; o elogio da impureza, que propicia as mudanças, isto é a vida. Descartei a primeira, desagradavelmente moralista, e me detive na consideração da segunda, que me era mais afim. Para que a roda gire, para que a vida viva, são necessárias as impurezas, e as impurezas das impurezas: mesmo com a terra, como se sabe, se se quiser que seja fértil. É preciso o dissenso, o diverso, o grão de sal e de mostarda: o fascismo não os quer, os proíbe, e por isso não és fascista; quer todos iguais e não és igual.” Primo Levi (1994, p á gs. 39/40)

21 Pedro da Cunha produziu uma bela análise da química segundo Primo Levi: A leitura de Primo Levi vai nos mostrando também outras dimensões da sua relação com a química, que parece tão impregnada, que se faz presente todo o tempo em seu discurso, mesmo nas passagens em que demonstra um certo humor, ou ironia, o químico estará presente. Em “Prata”, fala da sua reação quando recebe um convite para um jantar comemorativo dos vinte e cinco anos de formatura. É interessante vermos como o vocabulário e alguns conceitos químicos, vão compondo sua narrativa e expressando seus sentimentos diante do fato. Pinto Neto (2008)

22 22 Vale destacar a presença de Bertolt Brecht (1898-1956), entre aqueles que se dedicam ao ensino de ciências, pelo menos devido ao fato dele ter escrito uma importante peça com Galileu Galilei (1564-1642) como personagem central. Mas também porque, influenciado pelas inovações revolucionárias pelas quais a ciência passou na primeira metade do século XX, Brecht dedicou-se a explorar o que ele denominou de teatro da era científica, sistematizado no texto clássico Pequeno Organon para o Teatro, escrito entre 1948 e 1954.

23 23 Exemplifico a presença da física na arte de Brecht com um trecho da peça Vida de Galileu: Andrea – “Ó manhã dos inícios!... Ó sopro do vento Que vem de terras novas!” O senhor devia beber o seu leite, porque daqui a pouco chega gente. Galileu – Você acabou entendendo o que eu lhe expliquei ontem? Andrea – O quê? Aquela história do Quipérnico e da rotação? Galileu – É. Andrea – Não. Por que o senhor quer que eu entenda? É muito difícil, e eu ainda não fiz onze anos, vou fazer em outubro.

24 24 Galileu – Mas eu quero que você também entenda. É para que se entendam essas coisas que eu trabalho e compro livros caros em lugar de pagar o leiteiro. Andrea – Mas eu vejo que o Sol de noite não está onde estava de manhã. Quer dizer que ele não pode estar parado! Nunca e jamais. Galileu – Você vê! O que é que você vê? Você não vê nada! Você arregala os olhos, e arregalar os olhos não é ver. Galileu põe a bacia de ferro no centro do quarto. Bem, isto é o Sol. Sente-se aí. Andrea se senta na única cadeira; Galileu está de pé, atrás dele. Onde está o Sol, à direita ou à esquerda? Andrea – À esquerda. Galileu – Como fazer para ele passar para a direita?

25 25 Andrea – O senhor carrega a bacia para a direita, claro. Galileu – E não tem outro jeito? Levanta Andrea e a cadeira do chão, faz meia-volta com ele. Agora, onde é que o Sol está? Andrea – À direita. Galileu – E ele se moveu? Andrea – Ele, não. Galileu – O que é que se moveu? Andrea – Eu. Galileu berrando – Errado! Seu burro! A cadeira! Andrea – Mas eu com ela! Galileu – Claro. A cadeira é a Terra. Você está em cima dela.” (Brecht,1991, págs. 59/60.)

26 Poderíamos continuar com essa caminhada por muito tempo. Também no Brasil temos escritores que mostram sua veia científica. Um romance brasileiro, publicado em 1932, que explora assuntos conceituais e históricos da astronomia é Viagem ao céu, de Monteiro Lobato (1882-1948), onde Emília e seus companheiros fazem uma viagem pelo espaço sideral. Outro romance de Lobato é Aritmética da Emília, onde a família do Sítio utiliza apresentações de circo para apresentar a aritmética por meio de muitas brincadeiras.

27 Na ponte entre literatura e química, temos o poeta brasileiro Augusto dos Anjos (1884- 1914) e seu soneto Psicologia de um vencido: Eu, filho do carbono e do amoníaco, Monstro de escuridão e rutilância, Sofro, desde a epigênese da infância, A influência má dos signos do zodíaco. Profundissimamente hipocondríaco, Este ambiente me causa repugnância... Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia Que se escapa da boca de um cardáco. Já o verme – este operário das ruínas – Que o sangue podre das carnificinas Come, e à vida em geral declara guerra. Anda a espreitar meus olhos para roê-los E há de deixar-me apenas os cabelos, Na frialdade inorgânica da terra! Augusto dos Anjos (1976, p. 70)

28 Paulo Alves Porto analisa esse soneto do Augusto dos Anjos, argumentando o seguinte: O soneto principia descrevendo as origens da vida - filho do carbono e do amoníaco – e termina descrevendo qual a destinação final do ser humano – restos lançados na frialdade inorgânica da terra. O poema se estrutura, pois, numa forma cíclica: o homem provém do mundo inorgânico e a ele retorna. Porto (2000, p. 33)

29 29 Uma pequena homenagem a Edgar Allan Poe (19/01/1809-09/10/1849). Cabem muitas homenagens a Edgar Allan Poe entre aqueles que se dedicam ao ensino de ciências, pelo menos devido ao fato dele ter escrito um importante ensaio (Eureka), em 1848, que traz a discussão metodológica e científica como personagens centrais. (Poe, 1966) Mas também porque, influenciado pela ciência do século XIX, explorou o conhecimento científico, que adquirira como jornalista cultural, em inúmeros contos e poesias.

30 30 Trechos do conto “O mistério de Marie Rogêt”, em que atua C. Auguste Dupin, talvez o primeiro detetive de ficção policial: (...) O jornalista, nesse ponto, começa a argumentar que o corpo deve ter ficado na água “não meramente três dias, mas no mínimo cinco vezes isso”, porque seu estado de decomposição estava tão avançado que Beauvais teve dificuldade em fazer o reconhecimento. Este último ponto, no entanto, foi refutado por completo. (...) Nem preciso lhe dizer – falou Dupin, enquanto terminava a leitura compenetrada de minhas anotações – que este caso é muito mais intrincado do que o caso da rua Morgue, (...) O primeiro objetivo do jornalista é mostrar, a partir da brevidade do intervalo entre o desaparecimento de Marie e o surgimento de um corpo flutuando no rio, que tal corpo não é o de Marie (...)

31 Você perceberá de saída que toda argumentação sobre esse tópico deve ser induzida – se é que deve ser induzida – contra a própria regra. E para esse fim é preciso analisar a lógica da regra. Ora, o corpo humano, em geral, não é nem mais leve nem mais pesado do que a água do Sena; isso significa dizer que a gravidade específica do corpo humano, em condições naturais, tem volume igual ao volume de água que desloca. (...) No entanto, é evidente que a gravidade do corpo e a gravidade do volume de água deslocada estão em frágil equilíbrio, e a mínima mudança pode fazer com que uma ou outra predomine. Um braço fora da água, por exemplo, privado de seu apoio, gera peso adicional suficiente para imergir toda a cabeça, ao passo que a ajuda acidental de um pedaço de madeira, ainda que pequeno, permitirá elevar a cabeça o suficiente para olhar ao redor. (Poe, 2011, p. 79, 84, 86 e 89/90)

32 Kepler (1571-1630), um cientista com veia literária. “O choque inicial de aceleração é o pior, pois o viajante é atirado para cima como numa explosão de pólvora (...) Deve, portanto, ser entorpecido por narcóticos, tendo os membros cuidadosamente protegidos para não serem arrancados e para que o recuo se distribua por todas as partes do corpo. Encontrará, então, novas dificuldades, um frio imenso e uma respiração inibida (...) Quando a primeira parte da viagem estiver terminada, será mais fácil, porque em jornada tão longa o corpo escapa indubitavelmente à força magnética da terra e penetra na da Lua, de modo que esta vence. A essa altura, deixamos os viajantes livres e entregues aos seus próprios expedientes; como aranhas, esticar-se-ão e contrair-se-ão, e avançarão com as próprias forças, porque, visto que tanto a força magnética da terra como a da Lua atraem o corpo e o mantêm suspenso, o efeito é como se nenhuma delas o atraísse. No fim, a sua massa, por si própria, se voltará para a Lua.” Kepler (1961b, p. 289)

33 Fecho esta aula com outra citação, infelizmente, ainda muito atual de Brecht, extraída da mesma peça Vida de Galileu: "Eu sustento que a única finalidade da ciência está em aliviar a canseira da existência humana. E se os cientistas, intimidados pela prepotência dos poderosos, acham que basta amontoar saber, por amor do saber, a ciência pode ser transformada em aleijão, e as suas novas máquinas serão novas aflições, nada mais.” Bertolt Brecht (1991, p. 165)

34 34 Parte da bibliografia 1. Anjos, Augusto dos. Toda poesia. Com um estudo crítico de Ferreira Gullar. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1976. 2. Brecht, Bertolt. Vida de Galileu. In: Teatro Completo, em 12 volumes, Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, vol. 6, 2ª edição, 1991. 3. Calvino, Italo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo, Companhia das Letras, 1990. 4. Canetti, Elias. Uma luz em meu ouvido. São Paulo, Companhia das Letras, 1989. 5. Eco, Umberto. Obra aberta. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1991, 8ª edição. 6. Kepler, Johannes. Astronomia nova. Citado por Arthur Koestler, Os sonâmbulos. Ibrasa, 1961a. (O homem e o Universo, 1991)

35 35 7. Kepler, Johannes. Sonho. Citado por Arthur Koestler, Os sonâmbulos. Ibrasa, 1961b. 8. Levi, Primo. A tabela periódica. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1994. 9. Lucrécio. De la Nature. Citado por José L. Lopes e B. Escoubès. Sources et évolution de la physique quantique–Textes fondateurs. Masson, Paris, 1994. 10. Milton, John. O paraíso perdido, Ediouro, s/data. 11. Pinto Neto, Pedro da Cunha. A Química Segundo Primo Levi, XIV Encontro Nacional de Ensino de Química, 2008. 12. Poe, Edgar Allan. Eureka. In: Poesia e Prosa - obras escolhidas. Edições de Ouro, Rio de Janeiro, 1966. Há várias outras edições.

36 36 13. Poe, Edgar Allan. O escaravelho de ouro e outras histórias – inclui O mistério de Marie Rogêt. L&PM Pocket, Porto Alegre, 2011. 14. Porto, Paulo Alves. Augusto dos Anjos: Ciência e Poesia. Química Nova na Escola, nº 11, maio, 2000. 15. Schenberg, Mário. Pensando a física. Ed. Brasiliense, São Paulo, 1984. 16. Wells, H. G. A máquina do tempo. Francisco Alves, 4ª edição, Rio de Janeiro, 1991. 17. Zanetic, João. Física e cultura. Ciência e Cultura, vol. 57, nº 3, 2005. 18. Zanetic, João. Física ainda é cultura! In: Martins, André Ferrer (org.). Física ainda é cultura? São Paulo, Livraria da Física, 2009.


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