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EXPERIÊNCIA RELIGIOSA – DESCRIÇÃO E IMPLICAÇÕES

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Apresentação em tema: "EXPERIÊNCIA RELIGIOSA – DESCRIÇÃO E IMPLICAÇÕES"— Transcrição da apresentação:

1 EXPERIÊNCIA RELIGIOSA – DESCRIÇÃO E IMPLICAÇÕES
Prof. Helder Salvador

2 Para entender a linguagem religiosa (símbolo, mito, rito), é necessário partir da experiência do sagrado que a própria linguagem quer comunicar. Do contrário, trabalha-se sobre termos sem seu correlato real na vida.

3 Mesmo que a finalidade da vivência religiosa seja transcendente (por enquanto, "o sagrado"), trata-se de uma experiência humana, própria do ser humano e condicionada por sua forma de ser e pelo seu contexto histórico e cultural. Como a experiência religiosa vai tomando forma?

4 A experiência humana como tal
 A experiência religiosa é em primeiro lugar, uma experiência humana propriamente dita, ou seja é uma vivência relacional: a) com o mundo (a natureza, a vida e o que a realidade oferece); b) com o outro indivíduo; c) com o grupo humano (todo ser humano está socializado, de uma forma ou de outra, em diferentes níveis: família, clã, etnia, bairro, município, estado, nação, clube, associação, fraternidade, Igreja, partido político etc.).

5 Em segundo lugar, está a dimensão individual dos desejos, dos projetos, das realizações ou das frustrações de qualquer pessoa. Cada ser humano constrói (e em parte traz gravado) um projeto de vida que procura realizar durante sua existência.

6 O viver humano, portanto, oscila constantemente entre o subjetivo e o intersubjetivo ou relacional. Em tudo o que deseja e faz, o ser humano manifesta que não é um ser pleno: deve crescer biologicamente, aprender intelectualmente, preparar-se para tudo, buscar metas, melhorar a saúde, aspirar a uma vida melhor, reiniciar uma e outra vez caminhos novos; ainda na véspera da morte, sente que tem de fazer algo para ser o que ainda não é.É um ser que está sempre em busca. Essa é uma característica fundamental do ser humano.

7 O desejo/projeto de cada ser humano, orientado por valores que atraem e impulsionam, gera a consciência de: a) Necessidades específicas para a vida, tanto físicas (alimento, roupa, casa, saúde) como psíquicas (criatividade, sexo, amizade etc.) e sócio-culturais (trabalho, arte etc.). Tais necessidades são receptivas (comida, presentes) ou expressivas (arte, amor), pondo em evidência mais uma vez a condição "relacional" do ser humano. b) A outra consciência que se gera é a de uma, no mínimo, tríplice limitação de todo e qualquer ser humano, expressa como: fragmentação; finitude e falta de sentido.

8 O ser humano, no entanto, tende à totalidade
O ser humano, no entanto, tende à totalidade. Por isso "sente" com tanta intensidade suas necessidades e limitações. E busca superá-las. É um ser que constantemente procura romper os limites, conseguir superá-los, porém, é uma miragem, uma utopia, algo que não existe em lugar algum. Nega o limite, como anula a necessidade. Nega a limitação do bom e a irrupção do mau.

9 À luz dessa constatação, entenderemos então a relevância do tema da "salvação" na instância religiosa: Dá-se, portanto, uma tensão dialética entre o desejo e sua realização que, como nunca é plena, engendra um novo desejo e uma nova tensão. O ser humano é, na realidade, "menos" do que deseja ser; mas é sempre, no desejo, um "mais" que não chega a se concretizar por inteiro. A experiência humana descrita assim tende a expressar-se, e o faz por meio da palavra, da práxis sócio-histórica, da cultura, da arte e de quantos outros instrumentos de comunicação que ela possa encontrar.

10 A experiência religiosa
Sobre a base da vivência humana, ou melhor, em suas raízes, insere-se a experiência religiosa. Paul Tillich escreveu que "a experiência religiosa dá-se na experiência geral; elas, podem ser diferenciadas, mas não separadas!". O que muda é a relação com o sagrado ou com o mistério.

11 A característica da experiência religiosa consiste:
No fato de provocar uma espécie de cegueira no intelecto; Mostra que não é uma simples aceitação da mensagem da fé, mas uma íntima tomada de contato e uma experiência do Sagrado. Não se trata de um conhecimento intelectual, nem de uma adesão de fé, mas de união transformante e divinizante, que se realiza através do amor perfeito.

12 Considerando que toda a vivência humana é relacional (com os demais seres humanos/com o mundo), a vivência religiosa é igualmente relacional e até mais pois relaciona também a realidade humana com o transcendente. Essa nova relação é específica. E também se verá que é irredutível. Considerando, entretanto, que a experiência religiosa continua humana, seu resultado será limitado à realidade (não na aspiração) e, por isso, será sempre objeto de um desejo e de uma busca incessantes, sem fim.

13 As "necessidades" são saciadas, na instância religiosa, por realidades de ordem transcendente:
as físicas por milagres (cura, comida ou bebida milagrosa, ressurreição...); as psíquicas com a paz, o gozo da "glória" ou a visão de Deus, estados místicos, amor plenificante...; as sócio-culturais por uma nova ordem social, a libertação como ação divina na história, a irrupção de um mundo novo (na apocalíptica), outros acontecimentos escatológicos etc.

14 O outro aspecto da experiência humana, o das limitações, também é tema da criatividade religiosa. O ser humano soube "imaginar", em todos os tempos, maneiras de superar suas limitações recorrendo ao sagrado: passar do fragmentário ao totalizador é um desejo essencial do homo religiosus. O bem, a felicidade, o descanso são descritos nos textos religiosos como plenificantes, como o máximo para o ser humano. Cessam-se o desejo e a busca. Tudo está dado; passar do finito ao duradouro e sem limites: é outra forma da "totalização", desta vez tratada sob o aspecto da duração. Por isso, o termo "eterno" é tão comum (glória eterna, vida eterna, luz eterna etc.); também a falta de sentido de muitas coisas é anulada pela esperança (da ressurreição, da libertação da alma, da justiça escatológica), pela ideia de que a providência divina dirige a história e as pessoas, pela influência de modelos "divinos" (por exemplo, o sofrimento de Cristo).

15 Uma experiência religiosa é um encontro vivenciado, intenso, íntimo com o Mistério no interior da pessoa humana. Essa presença divina se encontra no próprio interior de cada um sem, contudo, se esgotar aí. Cada ser humano pertence ao Mistério e o Mistério atrai a cada um, o envolve, o transforma, o enriquece e empobrece ao mesmo tempo. Enriquece porque ele fica exultante de alegria por essa nova realidade que é a sua, empobrece porque tudo o que está à sua volta perde seu antigo valor.

16 Essa realidade mistérica é vivenciada como algo que está situado dentro da própria pessoa, mas não se confunde com ela. É a vivência do “Mistério em mim”, do Mistério que é minha origem; um encontro com alguém que é diferente da realidade humana cotidiana, mas, ao mesmo tempo leva cada um a ser mais humano, profundamente humano: leva ao encontro de suas próprias raízes.

17 Trata-se de uma experiência em que a pessoa percebe a Alguém que está além dele. Ele não se perde nessa experiência, não perde a sensação de sua individualidade, mas intensifica sua compreensão do sentido que aprofunda, que justifica, ao mesmo tempo que desorienta, amedronta. É uma presença sentida, uma sensação que não se traduz em palavras ou imagens ... No princípio algo vago que facilmente se pode perder.

18 Ao mesmo tempo, é uma experiência que não cabe bem na vida diária
Ao mesmo tempo, é uma experiência que não cabe bem na vida diária. Pode ameaçar, criar insegurança ou uma distância entre o indivíduo e seus amigos ... Faz a pessoa sentir-se diferente dos outros; o que antes a atraia pode perder seu encanto e outros interesses podem surgir. A pessoa pode chegar a preferir outro tipo de lazer, de ocupação, de leitura, de assunto de conversa; pode chegar a se sentir um tanto desolada dentro do mundo com o qual estava acostumada até então ... a sentir um certo mal estar em face de suas antigas amizades e companhias e a necessidade de procurar outro tipo de pessoas, de amizades, de companhias ... É uma experiência que é imprevisível em relação às suas conseqüências, em relação às mudanças que pode causar na vida.

19 Por outro lado a pessoa não saberá bem como justificar, perante os outros, essas mudanças: vai ter de confiar em intuições, sentimentos, em algumas experiências difíceis de serem verbalizadas e reduzidas a categorias claras e distintas. Conseqüentemente vai sentir-se mais solitária ... mais incompreendida ... seus amigos e conhecidos não vão compreendê-las ... nem apreciar essas mudanças. É provável que experimente então a tentação de abandonar esse novo caminho e voltar ao normal, Istoé, fazer como os outros fazem, sentindo um tanto difícil e arriscado entregar-se ao desconhecido: vale a pena arriscar-se e talvez perder tudo?

20 A pessoa sabe que essa experiência religiosa que a invade não é resultado de seus esforços, de seus méritos. Ela mesma fez pouco, ou mesmo nada, para passar por algo tão desconhecido e inesperado. Ela sabe muito bem que não é melhor do que os outros. Não é sua responsabilidade ou seu caráter que garantem sua perseverança nessas mudanças que sentem necessárias. Ela também não sabe com clareza o que pode fazer facilitar essas experiências e essa perseverança. Tudo o que pode fazer é ficar disponível, dispor-se para esvaziar-se, remover obstáculos, criar uma atmosfera em que Mistério possa acontecer. A pessoa tende então a deixar de circular dentro de seus pensamentos e preocupações costumeiras e a criar um silêncio que visa o esvaziamento de si.

21 Vê que é no esvaziamento de si que acontece o encontro com Mistério: ela se entrega ao acontecer. Vai percebendo agora no nível bem consciente, que Mistério é sua fonte, sua causa, seu fundamento: o seu ser emana do ser do Mistério. Nesse encontro a pessoa não perde sua personalidade: continua bem humana, com todas as dimensões de sua vida humana de esposo/a, de profissional, de pai/mãe.

22 A dimensão religiosa vai sendo integrada com as outras dimensões que já existem, vai sendo integrada na vida do dia a dia ... Toda a sua humanidade, com seus defeitos e suas capacidades vai, aos poucos, sendo transformada pelo Mistério, vai sendo levada para dentro do Mistério ... Mistério vai acontecendo na sua humanidade para que esta se torne manifestação, sacramento do Mistério no mundo.

23 O que foi defendido até agora tem duas razões:
por um lado, indicar que a experiência religiosa é "humana" e que, justamente por ser assim, sua relação com o sagrado é essencial; por outro lado, já ir intuindo a importância do tema (desenvolvido em uma pluralidade de motivos) da salvação concedida em um plano diferente do humano; não há experiência religiosa que ignore o desejo de salvação. Por isso, ela é imaginada de diversas e diferentes formas.

24 Consciência Religiosa
A religião antes de ocupar a reflexão abstrata no dogma e no preceito, utiliza o corpo no rito e a imaginação no mito. A socialidade das religiões não consiste apenas numa organização de cunho sócio-jurídico (...) mas a intimidade pessoal e a reciprocidade interpessoal andam juntas na experiência religiosa.

25 O ato de fé como ato intencional (noesi) é dirigido para um objeto que o regula; tal objeto é noemático, na medida em que é captado pela consciência como correspondente ao ato intencional; Por sua vez o noema (objeto deste ato) remete a uma realidade que não é inventada ou projetada pelo ser humano.

26 Tanto o ato de fé (noesi) quanto o objeto deste ato (noema) vivem na consciência (religiosa/intersubjetiva), enquanto o segundo representa a complementação captada pelo sujeito dentro dos seus limites e possibilidades humanas. O noema, ou objeto de fé, é o mistério de Deus. A noesi, ou atitude do sujeito, é a adesão a este mistério. Considerando que este mistério concerne ao sentido último que a existência humana possui como totalidade ou como pessoa, a atitude de fé cabe à pessoa como totalidade.

27 Do ponto de vista subjetivo, cada esfera é envolvida nessa experiência, tanto a esfera emocional como também aquela intelectual e a volitiva; Do ponto de vista objetivo a revelação do mistério é dispor-se para ouvir tal revelação e em certa medida procurar conhecê-la. Testemunho e revelação estão estritamente conexos.

28 RUDOLF OTTO e o método fenomenológico

29 Rudolf Otto nasceu em Piene, Alemanha, em 1869
Rudolf Otto nasceu em Piene, Alemanha, em Foi professor da Universidade de Gottingen, pastor, filósofo e teólogo. Tornou-se conhecido com a obra O Sagrado – Um estudo do elemento não racional na ideia do divino e sua relação com o racional, publicada em Essa obra de Otto tornou-se um clássico da literatura teológica e da filosofia da religião. Foi um filósofo que sofreu a influência do neokantismo, principalmente de Fries, além do teólogo romântico Schleiermacher.

30 Nos anos de 1901 a 1907, foi colega de Husserl na universidade de Göttingen, período em que Husserl publicou Investigações Lógicas. Apesar do contato com Husserl, não podemos afirmar que atto per­tenceu a algum círculo fenomenológico. Entretanto, temos na obra O Sagrado .um exemplo muito claro do método fenomenológico, apesar de atto não conhecer categoricamente o método sistemático de Husserl. "Este dado biográfico é importante, pois queremos mostrar que Otto utiliza veladamente a fenomenologia, embora em sua obra não faça ne­nhuma referência ao método" (BIRCK, 1993, p. 9).

31 Rudolf Otto, mesmo sem se referir à fenomenologia de Husserl, fez aplicações veladas de alguns pressupostos fenomenológicos, como, por exemplo: a descrição "fenomenológica" da experiência religiosa; a relação do não-racional com o racional; e o a priori como pré-reflexivo na vivência religiosa. Com Otto, acreditou Husserl, houve "um começo para uma fenomenologia do religioso" (BELLO, 1998, p. 106). A obra de Otto deve ficar como uma pedra fundamental, tanto na filosofia da religião como na fenomenologia da religião. Ainda Husserl disse numa carta a um amigo: "Otto faz uma aplicação magistral do método fenomenológico ao religioso" (BIRCK, 1993, p. 9), como veremos na análise a seguir.

32 A obra O Sagrado tem como tese central o tema do racional e do não-racional na ideia de Deus. "Trata-se de saber se na ideia de Deus o elemento racional supera o elemento não-racional ou até se o exclui completamente, ou se é o contrário que acontece” (OTTO, 1992, p. 11). Otto sintetizou o conteúdo específico da experiência religiosa, deixando de lado as implicações totalizadoras da razão. Esclareceu como podemos realizar um estudo do elemento não-racional na ideia do divino e de sua relação com o racional. É nesse contexto que surge a experiência do sagrado, na procedência do exame categorial do sagrado. Assim, o sagrado mostra-se como uma categoria constitutiva de dois elementos: o racional (predicador) e o não-racional (numinoso).

33 No racional temos todo elemento apreendido pelo pensamento racional, isto é, possível a conceituações claras e precisas, como: espírito, onipotente, consciência de si, razão e outros. Otto diz: Se chamamos de racional a um objeto que pode ser claramente compreendido pelo pensamento conceitual, a essência da divindade descrita por estes predicados é racional e uma religião que os aceita e afirma é, de igual modo, uma religião racional (OTTO, 1992, p. 9).

34 Mas a religião sempre exprimiu um outro conhecimento que não estava expresso no âmbito da razão, ou seja, há um conhecimento que não está na ação de predicar o divino, mas sim em apreender seu sentido originário. Portanto, "estamos diante do segundo elemento categorial especial do sagrado, o elemento não-racional. Este é percebido na experiência religiosa, mais especificamente pelo sentimento numinoso (sensus numinis)"(BIRCK, 1993, p. 15).

35 É compreendendo esse novo elemento que a experiência do sagrado aparece, não sendo mais entendida no caminho da conceituação, mas como uma experiência que está envolta no numinoso, isto é, o divino manifestando-se no sentimento religioso. O numinoso é o indefinível, aquilo que não podemos conceituar ou predicar, porém pode-se tornar presente à consciência das pessoas e assim ser conhecido pelo sentimento. O numinoso é algo vivo, presente em todas as religiões e apreendido pelo sentimento, diferenciando-se do conceito de "sentimento de dependência" do teólogo Schleiermacher.

36 Otto: Forma, por isso, a palavra: o numinoso
Otto: Forma, por isso, a palavra: o numinoso. Se omen pôde servir para formar ominoso, de numen pode formar-se numinoso. Falo de uma categoria numinosa como de uma categoria especial de interpretação e de avaliação e da mesma maneira de um estado de alma numinoso que se manifesta quando esta categoria se aplica, isto é, sempre que um objeto se concebe como numinoso (OTTO, 1992, p. 15).

37 O aspecto importante, para salientarmos, é que o sagrado mani­festa-se pelo sentimento numinoso, porém esse sentimento não deve ser entendido como simples emoção e sim como um estado afetivo. Esse estado afetivo é a condição de sermos "tocados" pelo sagrado, por algo indefinível, incondicionado e indizível. Por esta abertura que o homem possui é que podemos apreender a dimensão transcendental. Otto, então, procurou: "um nome para este algo mais e chamou-lhe: o sentimento do estado de criatura, o sentimento da criatura que se abisma no seu pró­prio nada e desaparece perante o que está acima de toda a criatura" (OTTO, 1992, p. 19).

38 Assim Otto desenvolveu sua problemática na descrição do elemento não-racional, essencial na constituição de qualquer religião. Seja como for, esta crítica é um estímulo salutar, incita-nos a observar que a religião não se esgota nos seus enunciados racionais e a esclarecer a relação entre os seus elementos, de tal modo que claramente ganha consciência de si própria. É o que procuramos fazer, examinando a categoria especial do sagrado (OTTO, 1992, p. 12)

39 A partir desta breve introdução a O Sagrado, vamos mostrar como Otto aplicou, mesmo que veladamente, o método fenomenológico na descrição do sagrado. Apesar de Rudolf Otto ainda utilizar conceitos neokantianos como categoria ou o entendimento do a priori, veremos como esses conceitos, de certa maneira, direcionaram-se também para uma interpretação fenomenológica.

40 1 - A fenomenologia do religioso
Quando Otto afirmou existir um elemento, além do racional, na religiosidade, identificou um outro tipo de conhecimento que não po­deria jamais ser expresso pelo conceito. A esse elemento, chamou de não-racional, devendo ser apreendido diferentemente do racional.

41 Enquanto o elemento racional é conhecido pela razão e funda­mentado como ideia, o não-racional é compreendido pela e na expe­riência religiosa. Contudo, a experiência não se configurou para Otto como uma simples empiria do mundo, no sentido da apreensão dos dados sensíveis. A experiência religiosa só existe como sentimento numinoso. Desse modo, só podemos falar de uma religiosidade a partir da experiência religiosa que se encontra como experiência vivida.

42 Citamos Otto: Convidamos o leitor a fixar a atenção num momento em que experimentou uma emoção religiosa profunda e, na medida do possível, exclusivamente religiosa. Se não for capaz ou se até não conhece tais momentos, pedimos-lhe que termine aqui sua leitura (OTTO, 1992, p. 17).

43 Só podemos falar da religião pela experiência numinosa, ou seja, a descrição ou entendimento da religião não vem a partir da razão, mas sim da vivência religiosa. Assim, somente pelo numinoso é que chegamos à essência originária da religião. É, neste ponto, que podemos veri­ficar como Otto abandonou, de certo modo, o neokantismo e aproximou-se da fenomenologia. Afastou-se de Kant quando identificou o elemento não-racional como possibilidade de conhecimento (Kant impossibilitou o acesso da razão às vivências subjetivas) e aproximou-se da fenomenologia, por mostrar como o conhecimento das essências só ocorre na vivência.

44 A experiência numinosa só ocorre por estar fundada em uma cate­goria especial do sagrado, ou seja, no numinoso. A categoria é entendi­da por Otto, como em Kant, como função do entendimento. Contudo, o que difere é que, em Kant, as categorias são funções pertencentes es­pecificamente ao entendimento. Enquanto para Otto, o numinoso é uma categoria especial a priori, mas não-racional, ou seja, está fora dos pro­cessos racionais. Assim, "Otto confunde as categorias de compreensão com as ideias da razão em Kant" (BIRCK, 1993, p.21).

45 O numinoso será, então, uma categoria a priori, porém não conceitual
  O numinoso será, então, uma categoria a priori, porém não conceitual. Foi assim que ele se aproximou mais do método fenomenológico de Husserl do que do neokantismo ou até mesmo do criticismo kantiano. Qual a relação do não-racional com o método fenomenológico?

46 A experiência religiosa para Otto está fundada no numinoso, que é uma categoria especial a priori que possibilita compreender nosso sen­timento religioso ou numinoso. Assim, só poderemos ter um sentimen­to religioso pela e na experiência do sagrado. Esta ideia de experiência religiosa se aproxima do que Husserl chamou de vivência (vivido).

47   Portanto, a experiência religiosa tem sua raiz (essência) no sentimento numinoso. A essência da religião está num elemento não-racional, que não pode ser conceituado, apenas pode ser descrito, indicado, evocado, avaliado. Aplicando uma terminologia husserliana, este estado de alma, que é o senti­mento numinoso, é o vivido em minha consciência. Deste vivido, que ainda é particular, devo realizar um ato de ideação e intuir a essência de minha vivência (BIRCK, 1993, p. 23).

48 Como vimos, Husserl entendeu por vivência "aquilo que se vive", isto é, atos característicos da interioridade do homem que são estrutu­rais e constitutivos da consciência. Os atos intencionais ou atos cons­cientes são as possibilidades das ciências eidéticas de descreverem as essências da vivência. A experiência numinosa, então, só pode ser des­crita, pois está fundada na vivência. E é pela vivência do numinoso que chegamos à essência das religiões: o sagrado. Foi isso que Otto realizou no seu estudo do sagrado nas religiões, sem conhecer a terminologia da fenomenologia.

49 Rudolf Otto descreveu a experiência numinosa e não a conceituou ou reduziu-a a preceitos morais, como os neokantianos. O não-racional deve ser descrito e compreendido "existencialmente", pois se for entendido ou conceituado passa à ordem do racional. A experiência numinosa tem sua categoria especial, sendo do âmbito do não-racional. "A experiência religiosa é sui generis, original e fundamental. Por isso, Otto entendeu a categoria do sagrado como interpretação e avaliação do que existe no domínio exclusivamente religioso" (BIRCK, 1993, p. 24).

50 Desse modo, a experiência do numinoso pode ser entendida estritamente como uma experiência exclusiva da religião. O numinoso, sendo uma experiência exclusivamente religiosa, só pode ser descrito na vivência. O numinoso nunca poderá ser conceituado, pois ele não é definível nem racionalizado. Só poderá ser vivido, pois provoca no homem o sentimento numinoso ou um estado de alma. É por esse motivo que se exige a descrição como método de investigação, porque "poderemos falar de Deus a partir de uma descrição e análise dos sentimentos correspondentes por ele provocados, nas profundezas de nossa alma" (BIRCK, 1993, p. 31). O sagrado não é entendido nas suas propriedades ou no esclarecimento racional, seja ele metafísico ou moral, só é compreendido no sentimento que nos é provocado.

51 E disso advém que, ao se falar das coisas humanas, diz-se que é preciso conhecê-las primeiro para então amá-las, o que se transformou em provérbio. Os santos, ao contrário, dizem, ao falar das coisas divinas, que é preciso amá-las para conhecê-las e que só se penetra na verdade por meio da caridade, o que é uma das sentenças mais úteis.

52 2 - A descrição fenomenológica do numinoso: mysterium tremendum et fascinans
O teólogo de Göttingen fez, a partir da vivência religiosa, a descrição de alguns elementos numinosos que se manifestam por sentimentos religiosos. Essa descrição apresenta-se de forma fenomenológica, por­que sempre estabelece a relação do homem com o sentido da religião na experiência originária, sem recorrer a deduções ou induções racionais.

53 A descrição da experiência numinosa que Otto realizou em sua obra ocorreu de forma fenomenológica. Não temos em O Sagrado uma descrição com a intenção de obter dados ou de adequar a observação existente e o observado, a partir da empiria sensível. Mas uma descrição no sentido fenomenológico, ou seja, uma descrição exaustiva do fenômeno e aos invariantes detectados nas diferentes descrições, de modo que a reflexão sobre tais invariantes, baseada na inteligibilidade do que permitem compreender, nos conduzisse à essência do fenômeno investigado. E a essência desvela isto que existe pelo modo que existe.

54 A proposta de Rudolf Otto foi, ao descrever a experiência numinosa em diversas religiões, de encontrar e fundamentar o sagrado na ordem do não-racional, sem assim conceituá-lo numa categoria do entendi­mento. Assim, só seria possível descrevê-lo fenomenologicamente.

55 A descrição fenomenológica é o melhor método para explicitar de forma não-conceitual um fenômeno, porque se limita em descrever o visto, o sentido ou o vivido do sujeito, sem entrar no mérito do julga­mento ou das avaliações. Entretanto, descrever não é o suficiente para chegarmos à essência do fenômeno, apesar de ser o melhor caminho. A descrição não se esgota como método de investigação, mas precisamos recorrer à interpretação daquilo que é vivenciado. Dessa maneira, temos a descrição expressa por uma linguagem, esta sendo interpretada segundo seu sentido. Assim, completa-se o esquema da descrição como: coisa percebida/ percepção/ explicitação do percebido; e o da hermenêutica: símbolo (ou sinal/ significado/ significante/ contexto cultural). Assim, a fenomenologia torna-se hermenêutica para ampliar a descrição nos seus aspectos mais originários e significativos.

56 Rudolf Otto realizou uma descrição fenomenológica, nesse sentido apresentado, porque percebeu que só pela descrição, partindo do originário, poderíamos falar do sagrado, desviando-se assim da conceitua­ção ou da categorização. Em seguida, procurou fundamentar estas vi­vências religiosas em elementos essenciais que se demonstram inva­riáveis, garantindo, com isso, o rigor da análise. Por último, deixou a esfera do sagrado no panorama da linguagem, ou seja, na ordem da hermenêutica, respeitando o simbolismo religioso e não esgotando a sua interpretação.

57 Partindo da descrição, não encontramos o sagrado em si mesmo, ou seja, a presença de uma entidade estruturada e totalmente definida ou categorizada, mas sim de modos ou "estados" que são reações quando o sagrado se manifesta. A vivência numinosa não deve ser entendida como o sagrado em si, mas como estados de ânimo que o homem se afina com o mundo da transcendentalidade. Essas "disposições" reli­giosas manifestam-se como o sentimento de criatura, mysterium tremendum et fascinans.

58 O homem, no momento em que entra em contato com o sagrado, não se identifica por uma dependência, como pensava Schleiermacher, porém vivencia um sentimento de estado de criatura, ou seja: "Um sen­timento de criatura que se abisma no seu próprio nada e desaparece perante o que está acima de toda a criatura" (OTTO, 1992, p. 19). O misterioso (mistério) é o objeto do numinoso e, no sentido geral, apresenta-se como algo secreto e estranho, que nos causa espanto. "O espanto, no sentido pró­prio da palavra, é um estado de alma que, em primeiro lugar, pertence exclusivamente ao domínio do numinoso [...]" (OTTO, 1992, p. 38)

59 Otto define: Mas tal realidade, o misterioso em sentido religioso, o verdadeiro mirum, é, para empregar o termo que é a sua expressão mais exata, "totalmente outro", aquilo que nos é estranho e nos desconcerta, o que está absolutamente fora do domínio das coisas habituais, compreendidas, bem colocadas e, por conseguinte, "familiares"; é o que se opõe a esta ordem de coisas e, por isso, nos enche de espanto e paralisa (OTTO, 1992, p. 39).

60 Assim, o mistério é tudo aquilo que aparece de mais estranho e que ao mesmo tempo nos remete a uma "dimensão" existencial diferente das vivências habituais. É por isso que a experiência numinosa se dife­rencia de qualquer outra experiência, por proporcionar o sentimento de criatura diante desta estranheza que nos paralisa.

61 Do mesmo modo, o mistério não pode ser apreendido em si mes­mo ou categorizado racionalmente. A todo momento está intenciona­do, ou seja, correlacionado a um sentimento como um ato consciente. O mistério tem sempre um correspondente na consciência, tem neces­sariamente um predicado que o acompanha. Não podemos descrever o sagrado em si mesmo, só podemos descrever o conteúdo numinoso que é "tocado" pelo sagrado. Assim, então, temos associados ao mistério dois predicados essenciais: o tremendum e o fascinans.

62 O mysterium tremendum não é o medo de algo que me ameaça, mas sim um "terror" que surge no momento em que o homem está diante do sagrado, ou seja, um mistério que faz tremer. O mysterium tremendum é o temor místico ou religioso, que nos faz tremer diante de alguma coisa sobrenatural, porém que não pode ser confundido com um temor nos seus aspectos psicológicos. O estado psíquico de medo, angústia ou temor, por exemplo, está sempre vinculado com algo que sabemos o que é. Quando temos medo, temos medo sempre de algo que já encontramos antes, este medo é sempre medo de alguma coisa. O mysterium tremendum é o temor de algo misterioso, sobrenatural e inacessível, algo que não podemos ter acesso racional, apenas vivenciá-lo como algo que nos abisma.

63 Deste "terror", na sua forma bruta, que apareceu originariamente como o sentimento de alguma coisa de "sinistro" e que surgiu como uma estranha novidade na alma da humanidade primitiva é que procede todo o desenvolvi­mento histórico da religião (OTTO, 1992, p.24).

64 Assim, teremos diversas vivências que explicitam o elemento de "terror" diante do misterioso, tais como: no Antigo Testamento, o te­mor de Deus; entre os gregos o panicon, que significa o pânico provo­cado pelo misterioso, entre outros. Por exemplo, citamos: "não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temeis antes aqueles que podem fazer perecer no inferno a alma e o corpo" (Mt. 10,28); ou "Quão terrível é cair nas mãos do Deus vivo" (Hb. 10,31).

65 Outro modo de sentirmos a presença do mistério é o mysterium fascinans (mistério fascinante). Este outro elemento da experiência numinosa tem a qualidade de atrair, cativar e fascinar, fazendo com que a face do tremendum entre numa harmonia contrastante. Otto disse: "Por outro, e ao mesmo tempo, é algo que exerce uma atração parti­cular, que cativa, fascina e forma o elemento repulsivo do tremendum, uma harmonia de contraste" (OTTO, 1992, p. 49). Isso pode ser constatado em toda a história das religiões, pois quanto mais o mistério toma forma de terrível ou "demoníaco", mais se torna atraente, justamente pela qualidade de ser maravilhoso.

66 Do mesmo modo que o tremendum, o fascinans se configura como um elemento não-racional, expresso por sentimentos de amor, compai­xão, piedade que são despertados e acompanham a experiência numinosa do fascinante. Assim: Estes não podem esgotar seu conteúdo, apenas relacionam-se analogicamente. Assim, a beatitude religiosa é muito mais que ser consolado, ter confiança, fe­licidade presente no amor. A felicidade religiosa não se esgota em elementos naturais elevados à perfeição do sentimento. Esta experiência inclui elemen­tos profundamente não-racionais (BIRCK, 1993, p. 46).

67 Também encontramos relatos vivenciais do mysterium fascinans nas religiões, tais como: no cristianismo, relatos de experiências de graça e regeneração, no budismo encontramos o nirvana de Buda. Mesmo nos relatos expressos negativamente, temos presente o conteúdo positivo do fascinante. O estado de alma, de estar maravilhado, normalmente vem expresso por imagens ou fórmulas negativas. Estas imagens ou fórmulas negativas são noções que se relacionam, apenas analogicamente, ao conteúdo positivo do elemento fascinante, que é captado pelo sentimento. Exemplo destas formas negativas, para expressar um conteúdo positivo, encontramos nas palavras do apóstolo Paulo: "O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram, e o coração do homem não percebeu, isso Deus preparou para aqueles que o amam" (I Cor 2,9) (BIRCK, 1993, p. 47).

68 Concluindo, temos então dois modos ou elementos da experiência numinosa descrita na vivência, ou seja, como mysterium tremendum et fascinans. Assim: A categoria do sagrado de Otto, na verdade, não é uma categoria de compreensão, mas uma intuição categorial. A categoria do sagrado não tem uma função lógica de compreensão de algo já percepcionado. A categoria do sagrado é a intuição da essência divina. O numinoso pode ser captado, identificado, significado. [...] O numinoso só é captado enquanto experiência viva. [...] O sagrado, tal como Otto o descreve, não é um conceito formal, mas descrição fenomenológica do fato primeiro da religião. É a descrição do numen tal como se manifesta na consciência religiosa (BIRCK, 1993, PP )

69 MIRCEIA ELIADE O sagrado

70 Escritor e historiador romeno nascido em Bucareste (1907), Romênia, considerado o mais importante e influente especialista em história e filosofia das religiões, ficou conhecido pelas pesquisas que empreendeu sobre a linguagem simbólica das diversas tradições religiosas. De uma família de cristãos ortodoxos, desde jovem se tornou poliglota, aprendendo o italiano, inglês, francês e alemão. Formou-se em filosofia pela Universidade de Bucareste (1928) onde defendeu uma tese de mestrado sobre a filosofia na Renascença italiana, de Marcilio Ficino a Giordano Bruno.

71 Influenciado pelo humanismo na Renascença foi para a Índia onde estudou sânscrito e filosofia hindu na Universidade de Calcutá e ainda e aprendeu o hebraico e o parsi. Também estudou as filosofias do sudeste asiático, sob a orientação do mestre Surendranath Dasgupta ( ), professor emérito da Universidade de Calcutá e autor de 5 volumes sobre a história da filosofia da Índia, Motilal Banarsidass ( ). De volta à Romênia (1932), doutorou-se no departamento de filosofia com a tese publicada em francês Yoga: essai sur les origines de la mystique indienne (1933). Esta edição deu-lhe reputação internacional e o levou a publicar outras obras sobre ioga e outros textos sobre filosofia.

72 Trabalhou como adido cultural e de imprensa nas representações diplomáticas romenas em Londres e Cascais, Portugal. Após a Segunda Guerra Mundial (1945), durante a qual serviu na legião romena na Inglaterra e Portugal, por suas convicções direitistas não voltou para a recém Romênia comunista e estabeleceu-se em Paris, e tornou-se professor de religião comparativa na École des Hautes Études, na Sorbonne, enquanto escrevia em francês. Emigrando para os EEUU, estabeleceu-se definitivamente em Chicago, onde passou a lecionar história das religiões na Universidade de Chicago (1956). Passou a chefiar o Departamento de Religião da Universidade de Chicago (1958), cargo que ocupou até à sua morte, ocorrida em Chicago, Estados Unidos (1986).

73 Entre suas principais obras, caracterizadas pela interpretação das culturas religiosas e a análise das experiências místicas, foram Traité d'histoire des religions (1949) e Le Sacré et le profane (1965).

74 Mircea Eliade define o sagrado por oposição ao profano: "O que se pode definir do Sagrado é que ele se opõe ao profano". O profano é o comum, o corriqueiro, aquilo que carece de significado especial em nossa vida. O sagrado é o incomum, o especial, o que apresenta um significado particular em nossa vida, de modo absoluto e definitivo.

75 O homem, para Eliade "toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se mostra como qualquer coisa de absolutamente diferente do profano". A esta manifestação do sagrado, Eliade dá o nome de hierofania, isto é, "algo de sagrado se nos mostra". Assim sendo, o sagrado, segundo M. Eliade, na expressão de W. Piazza, “não é uma 'ideia', ou seja, uma expressão puramente conceitual do homem que ele faz do mistério da vida e do universo, mas uma 'experiência' de algo que se manifesta e ao mesmo tempo se oculta no mundo sensível”.

76 Tanto assim que o sagrado permanece idêntico a si mesmo, embora assuma vários aspectos fenomenológicos segundo as várias condições de vida do homem - pastores, caçadores, agricultores. (...) Ou, por outra, o homem interpreta a sua experiência do Sagrado segundo as estruturas culturais em que vive, mas a experiência do Sagrado apresenta-se em todas estas culturas como algo que transcende. Assim, o animista interpreta a experiência do sagrado como uma força vital - o mana -, enquanto o xamã vê no sagrado a manifestação de potências celestes".

77 Dando ênfase ao termo "hierofania" - manifestação do sagrado -, Eliade afirma que a história de todas as religiões, desde as mais primitivas às mais elaboradas, "é constituída por um número considerável de hierofanias, pelas manifestações das realidades sagradas". A partir da mais elementar hierofania - por exemplo, a manifestação do sagrado num objeto qualquer, uma pedra ou uma árvore - e até "a hierofania suprema que é, para um cristão, a encarnação de Deus em Jesus Cristo, não existe solução de continuidade".

78 Para Eliade, o homem moderno oferece resistência às manifestações do sagrado em pedras e árvores. Mas "não se trata de uma veneração da pedra como pedra, de um culto da árvore como árvore. A pedra sagrada, a árvore sagrada, não são adoradas como pedra e árvore, são-no justamente como hierofanias, porque mostram qualquer coisa que já não é pedra nem árvore, mas o sagrado, o ganz andere, o totalmente outro. Manifestando o sagrado, um objeto qualquer torna-se outra coisa, e contudo continua a ser ele mesmo, porque continua a participar de seu meio cósmico envolvente.

79 “Uma pedra sagrada nem por isso é menos pedra; aparentemente - de um ponto de vista profano - nada a distingue das demais pedras. Para aqueles a cujos olhos uma pedra se revela sagrada, a sua realidade imediata transmuda-se numa realidade sobrenatural”. Em outros termos, prossegue Eliade, para aqueles que têm uma experiência religiosa, "toda a Natureza é suscetível de revelar-se como sacralidade cósmica. O Cosmo, na sua totalidade, torna-se uma hierofania". O homem religioso procura ficar o mais possível num Universo sagrado e, por conseguinte, como é que se apresenta a sua experiência total da vida em relação à experiência do homem privado de sentimento religioso, do homem que vive, ou deseja viver, num mundo dessacralizado.

80 Digamos imediatamente que o mundo profano na sua totalidade, o Cosmo totalmente dessacralizado, é uma descoberta recente da história do espírito humano. (Não nos incumbe mostrar por que processos históricos e em conseqüência de que modificações do comportamento espiritual o homem moderno dessacralizou o seu mundo e assumiu uma existência profana). Para o nosso propósito, basta constatar que a dessacralização caracteriza a experiência total do homem não-religioso das sociedades modernas e, por conseqüência, este último sente uma dificuldade cada vez maior em reencontrar as dimensões existenciais do homem religioso das sociedades arcaicas".

81 A separação do sagrado e do profano - essas duas experiências do ser humano - se encontra “lendo as descrições concernentes ao espaço sagrado e à construção ritual da morada humana, ou às variedades da experiência religiosa do Tempo, ou às relações do homem religioso com a Natureza e o mundo dos utensílios, ou à consagração da própria vida humana, à sacralidade de que podem ser carregadas as suas funções vitais como alimentação, sexualidade, trabalho etc”.

82 Bastará lembrar no que se tornaram para o homem moderno e a-religioso a cidade ou a casa, a Natureza, os utensílios ou o trabalho, para captar ao vivo tudo o que o distingue de um homem pertencente às sociedades arcaicas ou mesmo de um camponês da Europa cristã. Para a consciência moderna, um ato fisiológico, como a alimentação, a sexualidade etc., não é, em suma, mais do que um fenômeno orgânico, qualquer que seja o número de tabus que o embaraça (ainda que esse ato imponha certas regras, por exemplo, para 'comer convenientemente' ou que interdite um comportamento ‘sexual’ que a moral social reprova). Mas, para o 'homem primitivo', um ato nunca é simplesmente fisiológico; é, ou pode tornar-se, um 'sacramento', quer dizer, uma comunhão com o sagrado".

83 A história demonstra que o sagrado e o profano são duas modalidades de ser no mundo, "duas situações existenciais assumidas pelo homem ao longo da sua história. Esses modos de ser no mundo não interessam unicamente à história das religiões ou à sociologia, não constituem unicamente o objeto de estudos históricos, sociológicos, etnológicos. Em última instância, os modos de ser sagrado e profano dependem das diferentes posições que o homem conquistou no Cosmo, e, por conseqüência, interessam não só aos filósofos mas também a todo investigador desejoso de conhecer as dimensões possíveis da existência humana".

84 Eliade acentua fortemente a linguagem simbólica dos mitos, pois é através dela que se manifesta o significado último do sagrado. Partindo dessa perspectiva, ele estuda a fenomenologia religiosa sob dois aspectos fundamentais: o espaço sagrado e o espaço profano; o tempo sagrado.

85 Espaço sagrado e espaço profano
Para M. Eliade, toda essa religiosidade primitiva, num esforço primário de delimitação subjetiva do mundo, pensa o espaço de maneira heterogênea e o diferencia em função de suas qualificações. Há, portanto, o espaço sagrado, real e de forte significado, e aquele outro indefinido, sem qualquer expressão ou consciência, o espaço profano. Tal dicotomia constitui uma expressão sensível que, de certa forma, é homóloga à "fundação do mundo", pois é a ação do corte espacial que descobre e determina o "ponto fixo", o centro a partir do qual emana o sagrado como realidade absoluta.

86 Assim, diferentemente da experiência profana em que o espaço é homogêneo e neutro, o homem religioso funda o seu mundo numa definição de centro orientada para uma projeção cósmica. Sim, porque o "seu mundo" é um universo no qual o sagrado se manifestou através de sinais misteriosos e no qual permanece presente. Igreja, templos etc., são marcos espaciais cujas portas estabelecem o limiar, a fronteira de separação entre mundos opostos. No seu interior, o profano é transcendido, havendo a possibilidade de comunicação direta com os deuses: os templos "re-santificam" continuamente esse mundo que ele representa e contém.

87 Eliade quer dizer que o espaço sagrado é especial, dotado de um significado particular como o do "centro do mundo", como lugar hierofânico, ou seja, da manifestação e do encontro com o Sagrado. O espaço profano é o indefinido, "sem qualquer expressão ou consciência", ou seja, é comum, sem significação particular. Poderia existir mas, também, poderia não existir. Tem uma forma, mas, também, poderia apresentar uma outra - problema da contingência.

88 Tempo sagrado Para Eliade, é sobretudo em relação ao tempo vivido pelo homem religioso que podemos melhor entender a dicotomia sagrado/profano, uma vez que aí se faz presente, através de ritos, uma delimitação entre eles. Enquanto o "tempo sagrado" é aquele "reversível", sempre "passível de ser tornado presente e atuante", "o tempo profano decorre continuamente e sem retorno". Sendo reatualizado a cada cerimônia religiosa, o momento sagrado é ontologicamente temporal, circular, igual a si mesmo, retomando sempre a origem primordial da atividade divina da criação.

89 Assim é que, ao identificar ao Cosmo o ano em sua sucessão de dias, o homem religioso acredita que o mundo se renova periodicamente, isto é, a cada Ano-Novo o sagrado original é reiterado, renasce. Por isso se faz mister, no início desse período, a purificação dos templos e a expulsão dos demônios; é a restauração do tempo puro, tal como existiu no momento da criação. A regeneração do tempo, ou seja, o seu recomeçar como tempo sagrado, é simultâneo ao "renascimento do homem" que, dessa forma, começa uma nova existência, pleno de forças vitais, tal como em seu nascimento.

90 Essa busca do tempo original é, para o homem religioso, a repetição do ato criador dos deuses. Esse encontro se faz através de múltiplas cerimônias - festas periódicas -, nas quais, pelo comportamento distinto daquele dos outros dias comuns, o homem denota integração em sua atmosfera sagrada, consciente de que em seus mínimos detalhes está executando os atos exemplares do criador in illo tempore, isto é, naquele tempo primordial, inicial, o tempo fabuloso do princípio quando tudo foi criado pelos deuses.

91 Assim, o homem se torna contemporâneo dos deuses: sai do seu tempo histórico, constituído pela soma dos eventos profanos e pessoais, para participar de um tempo eterno, mítico, "o tempo da origem", aquele que "não decorre" porque não está integrado à duração temporal da existência cotidiana. Satisfaz, portanto, seu desejo de aproximação dos deuses: a sua necessidade de retorno à origem.

92 Todas as religiões possuem o seu tempo sagrado, "circular", que renova o mundo periodicamente. Os ciclos litúrgicos do cristianismo: Natal, Quaresma, Semana Santa, Páscoa, Pentecostes etc., todos apresentando uma "integração na atmosfera sagrada" do in illo tempore.

93 Segundo Piazza, tanto o espaço como o tempo sagrado podem ser naturais ou determinados pelo homem. São naturais quando indicados por uma experiência religiosa, como no caso do sonho de Jacó: "Este lugar é santo. Não é nada menos que uma casa de Deus e a porta do céu" (Gn 28,18). De resto, são indicados pelo homem, como templos, tapetes de oração etc.


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