PRIVAÇÃO E DELINQUÊNCIA

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Transcrição da apresentação:

PRIVAÇÃO E DELINQUÊNCIA UMA VISÃO INTERDISCIPLINAR ENTRE O DIREITO E A PSICANÁLISE A PARTIR DE D. W. WINNICOTT

Texto para uso exclusivo dos alunos em sala de aula, favor não citar. Elaboração Professor Rosângelo Rodrigues de Miranda

QUAL A NATUREZA DA TENDÊNCIA ANTI-SOCIAL NO VIVER HUMANO? QUAIS AS ORIGENS DOS ATOS DE AGRESSÃO? POR QUAIS MOTIVOS DEVEMOS ESTUDAR, ENQUANTO OPERADORES DO DIREITO, A PSICOLOGIA HUMANA E AS RAÍZES DA AGRESSÃO?

PELA RAZÃO DE QUE LIDAMOS COM A AGRESSÃO EM NOSSO COTIDINO, SEJA PELA CRIANÇA, PELO ADOLESCENTE, SEJA PELO ADULTO.

Assim, perceber a natureza da agressão Assim, perceber a natureza da agressão. Perceber como ela funciona no mecanismo da psique humana. Saber o que pode gerar uma agressividade exacerbada. Saber que a agressividade é natural a todo Ser humano, tudo isto pode contribuir para que compreendamos melhor o fenômeno da agressividade e, em conseqüência, possamos agir de modo mais adequado na prática de nossas profissões jurídicas.

Por conseguinte, ponderar e questionar quais ações ou atitudes podem minorar as tendências anti-sociais, pode permitir aos operadores do direito uma melhor compreensão do agressor/criminoso/delinqüente, propiciando, num futuro próximo, uma melhor operatividade do Direito/punição, pois fica-se senhor de que a agressividade possui raízes que, às vezes, fogem ao senso comum que clama tão somente pela vingança social contra o agressor.

Por quais motivos estudar Winnicott? Médico, Pediatra, Psicanalista, gestor público. Campo de observação: crianças desamparadas no período do entre-guerras e pós guerra. Forte poder de síntese e comunicação popular de seus pensamentos e ações. Como clínico, apresenta soluções, sempre ciente dos limites, defendendo, contudo, uma atitude de esperança frente à agressividade.

O QUE É AGRESSIVIDADE PARA WINNICOTT? Direta ou indiretamente ela é uma reação à Frustração. Fonte de energia de um indivíduo: a) criativa b) autopreservação Ela está presente em todos os estágios do viver: No bebê, na criança, no adolescente, no jovem e no adulto, no dizer de Winnicott: “as pessoas não têm apenas a própria idade, elas têm, em certa medida, todas as idades e nenhuma idade”( pg. 50) 5) É na interação meio/indivíduo que a agressividade torna-se criadora, preservadora, restauradora ou destrutiva.

Assim, estar vivo é estar lidando com a agressividade Assim, estar vivo é estar lidando com a agressividade. Para Winnicott, a agressividade é diferente de agressão

Inicial a Agressividade Havendo cuidado inicial a Agressividade Integra-se à personalidade de modo adequado Não havendo cuidado Inicial a Agressividade Desintegra a personalidade dominando-a gerando: Passividade timidez masoquismo Destrutividade agressões

A raiz do comportamento Anti-social vem da não integração inicial da violência dentro da personalidade do indivíduo.

Como se dá esta integração da agressividade Como se dá esta integração da agressividade? Como é o processo de amadurecimento do indivíduo? De início, Winnicott parte da premissa de que “qualquer potencialidade do indivíduo só se torna dele quando experienciada” (pg 13), o que acarreta o amadurecimento Esta experienciação se dá, para Winnicott, nas seguintes fases:a)Dependência absoluta; b)Motilidade; c)Desadaptação gradual; d) Destruição do objeto; e)Reparação.

FASES DESTA EXPERIENCIAÇÃO A) DEPENDÊNCIA ABSOLUTA: Bebê é Ser indiferenciado em relação à mãe

B) MOTILIDADE: Gera Prazer “Necessita de algo contra o qual fazer força, caso contrário,a Agressividade permanecerá não experimentada, constituindo-se uma ameaça ao bem estar” (pg.16) A mãe sumamente boa gradua estes obstáculos

Um excesso de oposição inibe o impulso e impede que a motilidade se fusione à experiência instintual. Na prática, o bebê necessita de cuidados vindos do meio ambiente, além disto necessita, também, que o meio ambiente resista às suas invectivas.

Se o meio ambiente invade o bebê, ocorre reações, inibições, isolamentos. Em casos extremos, o bebê dissolve-se no meio e não estrutura o EU.

Quando a agressão é exacerbada, ativa-se um sistema de perseguição Quando a agressão é exacerbada, ativa-se um sistema de perseguição. O EU do bebê e mais tarde o do adolescente e do adulto, dará boas vindas à perseguição, pois diante dela ele se sente REAL, pois foi dela que minimamente ele pôde gerar o próprio EU.

Exemplos: adolescentes que delinqüem clamando o aparecimento de uma autoridade, ou um pai persecutório. Alguns adultos reiteradamente criminosos Nesta falsa fusão do EU com a AGRESSIVIDADE, o indivíduo só se sente real quando é destrutivo e cruel.

Enfim, na relação bebê/meio ambiente se abrem 4 possibilidades O Bebê pode esconder seus impulsos uma vez que o ambiente não tolera agressão ( mãe deprimida) Inibir os impulsos e gerar auto-controle ( experienciar a raiva ) Cindir, desconhecer os impulsos Desenvolver tendências anti-sociais

C) DESADAPTAÇÃO GRADUAL: No ciclo do amadurecimento, a mãe deve criar um modo saudável de desadaptação gradual, desiludindo o bebê da ilusão de sua onipotência. A mãe deve resistir e aplacar a revolta do bebê, sem entretanto persistir na adaptação absoluta.

D) DESTRUIÇÃO DO OBJETO: EU TE DESTRUÍ, EU TE AMO A agressividade na separação EU e o MEIO/MÃE gera a percepção não apenas do EU, mas do OUTRO que é bom, isto é, o objeto amado. Aqui o bebê amadurece gerando a capacidade de preocupar-se, sentir culpa, reparar, restituir. Da AGRESSIVIDADE AO PREOCUPAR-SE, Winnicott diz que a mãe deve segurar a situação (pg.37)

O Pai surge como terceiro que auxilia a criança a proteger a mãe ( objeto do amor) da própria agressividade, contribuindo para integrar a agressividade à sua personalidade.

E) REPARAÇÃO: um dos caminhos rumo ao amadurecimento são os passos reparadores do brincar, do contribuir para a vida doméstica, do trabalho. Se há conflitos, se não há ambiente para experienciar a reparação (desagregação familiar) a agressividade explode na criança e após no adolescente e no adulto.

Diz Winnicott: “ onde a perseguição é deliberadamente esperada, há risco de que ela seja provocada numa tentativa de fugir à loucura ou ao delírio”. Então Provoca-se, a agressão. Provoca-se o crime, para aplacar a angústia de uma perseguição esperada, pois a dor da angústia sentida pela espera de que algo persecutório irá ocorrer é maior do que a repreensão concreta efetivada pelo perseguidor. A repreensão torna-se um remédio, uma saída para a dor da angústia persecutória. É pela perseguição que o EU não integrado reconhece-se real. (pg 99).

A chave para a integração da agressividade nos indivíduos está na oferta de meios e oportunidades de recuperação, via gestos acolhedores ( pg. 109) A delinqüência é um gesto de esperança do indivíduo que sofreu privação e não integrou a agressividade em seu EU, para que o meio lhe possibilite oportunidades de reparar o dano, encarar sua culpa e integrar a sua agressividade à sua personalidade. Na ausência da situação otimamente boa, e na ausência das oportunidades reparadoras, o Indivíduo agride para aplacar a dor da perseguição que lhe daria o sentido de ser um Ser real.

A situação otimamente boa e as oportunidades de reparação geram capacidade de ENVOLVIMENTO Positivo: senso de responsabilidade. Preocupar-se. Importar-se Negativo: angústia pela ambivalência frente ao objeto bom e a idéia de destruição

O Envolvimento é a base da família O Envolvimento é a base da família. Para além do prazer, os cônjuges assumem a responsabilidade pelos filhos. O Envolvimento está por trás de todo trabalho e brincar construtivos. Envolver-se é amadurecer, é ter saúde. Quando há confiança num ciclo benigno, quando há expectativa de oportunidades reparadoras, a culpa se modifica e advém a capacidade de ENVOLVIMENTO.

Diante deste quadro, adverte Winnicott, vê-se o alto preço pago pelo Direito como um todo, e o Direito Penal e de Família em particular, em desconsiderar o valor do inconsciente na prática de atos ilícitos. Ao lidar com a delinqüência apenas com anseios de vingança pública, o Direito mostra-se despreparado para ofertar ao delinqüente meios de reparar seu ato agressor e, por via de conseqüência, gerar neste capacidade de envolvimento e senso de responsabilidade pessoal e social

A delinqüência deriva da privação O delito é um ato de esperança

Os pequenos delitos iniciais cometidos pela criança e ou adolescente são um pedido de socorro. Ele ou ela pede pessoas fortes, amorosas e confiantes. Num primeiro momento pede a mãe, depois o pai. Se há falhas busca tios, amigos, avós. Num longo horizonte, a criança anti-social recorre, via atos agressivos, à Sociedade, visando encontrar a autoridade que lhe aplaque as angustias de um EU não integrado ( ex. Filme Homem Morto caminha, e livro A Caixa Preta de Amós Z)

Na delinqüência plenamente desenvolvida, há cada vez mais depressão, despersonalização e inibição para o amor. Para Winnicott, neste estágio, o indivíduo torna-se incapaz de sentir a realidade a não ser pela violência.

Soluções (adaptadas à nossa realidade) Preventivas Políticas públicas de apoio à família Incentivo à maternidade e à paternidade responsável

Reparadoras Instituição de Lar-substituto, com mãe e pai sociais, para crianças em privação Instituição de meios que possibilitem ao adolescente integrar sua agressividade via trabalho, diversão e educação, gerando capacidade de envolvimento APAC, para adultos, gerando ciclo benigno de confiança e envolvimento, gerando senso de responsabilidade.

Enfim, quando há confiança num ciclo benigno de geração de oportunidades de reparação, a culpa se modifica e advém a capacidade de ENVOLVIMENTO, ocorrendo, por via de conseqüência, o AMADURECIMENTO DO EU, e a SAÚDE individual e social.

Não se trata, adverte Winnicott, de sentimentalismos, mas, ao contrário, trata-se de quebrar, pelo âmago, o ciclo vicioso do delinqüir, que vai do reformatório infantil, à prisão para jovens e adultos. Só uma ação familiar e social que se abra para o delinqüente como Ser em privação, e que se disponha a ofertar a este meios de integração da própria agressividade via atos de reparação pode vir a lidar, de maneira produtiva e pragmática, com a agressividade, visando minorar os efeitos prejudiciais do crime e da delinqüência juvenil. Frente a atos de agressão, só atos de carinho e não meramente repressivos podem gerar algum benefício aos indivíduos e à Sociedade que se desejam amadurecidos e com saúde.

Fonte: WINNICOTT, D.W. Privação e Delinqüência. Ed. Martins Fonte. 2005