O princípio da liberdade de investigação científica e o acesso aos genes humanos Marlene Braz

Slides:



Advertisements
Apresentações semelhantes
Os ideais éticos.
Advertisements

Prof. Denis Coitinho Silveira (URI/CEBRAP)
O QUE É ÉTICA?.
Dinâmica e Gênese dos Grupos
UNIP FEP Prof: Msc. Carolina Brum Agosto de 2010
OS CONHECIMENTOS PRÉVIOS PARA A ELABORAÇÃO DO PLANO DE DISCIPLINA
Matemática para todos Educação Básica
Psicologia Aplicada e Ética Profissional
MORAL E ÉTICA MORAL: mos-mores
A Evolução da Ciência Do medo à Ciência.
Contrato como promessa Charles Fried
- Universidade e sociedade - A extensão universitária - Graduação e extensão
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
EXISTENCIALISMO Os existencialista não tem um pensamento unificado.
CRIAR INVENTAR X MODERNIZAR Perguntas sobre diferenças entre conceitos.
Concepção Construtivista *Mitos e verdades
Sociologia
Inseminação Artificial
NEOCONSTITUCIONALISMO
Nasceu em Marburg, na Alemanha;
A escola sustentável: apresentação da proposta aos professores da escola Zavaglia (09/02/2012)
“Immanuel Kant e a promoção de uma modernidade racional crítica”
Vivei o Presente Abdruschin (Escrito em 1931).
ASPECTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DO DIREITO
BENCHMARKING.
Sociologia das Organizações Prof. Robson Silva Macedo
Fundamentos Sócio Antropológicos da Educação
Aula 7 Kant e o criticismo.
O que é? Para que serve? Filosofia Prof. Joaquim Célio de Souza.
Teorias do conhecimento
Existencialismo – Parte II
Identificação e Desenvolvimento de Novos Líderes
OBJETO DA ÉTICA Nas relações cotidianas dos indivíduos entre si surgem continuamente problemas. Ex: Devo ou não devo falar a verdade! Desta forma faz se.
Parte II: Determinantes do Produto
Conceitos básicos para a compreensão da vida social
Karl Marx e a História da Exploração
CIÊNCIA E TECNOLOGIA E A SOCIEDADE
PERFEIÇÃO MORAL O BEM E O MAL
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA
Immanuel Kant
Filosofia O que é filosofia?.
Introdução a Questão Social
1ª aula Profª Karina Oliveira Bezerra
ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DOS HOMENS COMPROMETIDOS (A.I.H.C.)
Identificando Oportunidades
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE GRADUAÇÃO EM DIREITO – SÃO PAULO HERMENÊUTICA JURÍDICA Prof.Gabriel Lopes Coutinho Filho Inverno – Agosto de 2013.
Professor MS Alcidemar Junior
Fundamentos de economia
As possibilidades e os limites da razão
Profª. Taís Linassi Ruwer
O QUE É FILOSOFIA ?.
Cap. 6 – Trabalhadores, uni-vos!
E o Princípio Responsabilidade de Hans Jonas
Revisão de Filosofia.
Segundo Kramer “uma proposta pedagógica é um caminho, não é um lugar
Lógica e Filosofia da Ciência Professor Ulisses Mauro Lima
Conceitos básicos do Aconselhamento não-diretivo
Capítulo 17 Entre o bem e o mal.
OS IDEAIS ÉTICOS ATRAVÉS DOS TEMPOS
Processos de produção textual Profª Margarete Apª Nath Braga.
Aula 4. Ética do conhecimento Biotecnologia Módulo 2 Prof.ª. Chayane C. de Souza.
METODOLOGIA CIENTÍFICA SENSO CRÍTICO, DEDUÇÃO E INDUÇÃO
Curso de Ciências Biológicas FILOSOFIA DA CIÊNCIA Faculdade Católica Salesiana Faculdade Católica Salesiana Prof. Canício Scherer.
David Hume (1711–1776).
DO SABER ÉTICO À ÉTICA VAZ, Henrique C. de Lima. Escritos de filosofia IV: introdução à ética filosófica 1. São Paulo: Loyola, p
A FUNDAMENTAÇÃO METAFÍSICA DOS COSTUMES. O Homem deve também acreditar no Homem Boa ideia…! Assim já posso ir de férias.
A Dialética do Iluminismo Adorno e Horkheimer Método da teoria crítica: 1.Orientar para emancipação 2.Manter um comportamento Crítico.
KARL JASPERS
Immanuel Kant Köenigsberg (Alemanha). ( ).
Reinaldo  As eras psíquicas da humanidade têm correspondência com a dinâmica histórica de transformação da psique humana, desde sua concepção, passando.
Transcrição da apresentação:

Jornada sobre Acesso e uso de Material Genético Humano: Aspectos Éticos, Jurídicos e Sociais

O princípio da liberdade de investigação científica e o acesso aos genes humanos Marlene Braz

Três questões colocadas por Kant: “Que posso fazer? Que devo fazer? O que me é permitido esperar? Em função dos avanços tecnológicos, as questões seriam: “O que devo ignorar? Que devo me abster de fazer? De que devo ter medo?” (Séris, 1995). 3 braz

“Se o desenvolvimento a longo prazo também conduziria a uma reforma genética das características da espécie – se uma antropotecnologia futura avançará até um planejamento explícito de características, se o gênero humano poderá levar a cabo uma comutação do fatalismo do nascimento ao nascimento opcional e à seleção pré-natal (...) – nestas perguntas, ainda que de maneira obscura e incerta, começa a abrir-se à nossa frente o horizonte evolutivo” (Sloterdijk, 2000: 47). 4 braz

HABERMAS “Pode a filosofia se permitir uma moderação em questões relativas a ética da espécie?” 5 braz

O impacto da técnica no ser humano: A questão da técnica. Heidegger (1958) O impacto da técnica no ser humano: A questão da técnica. “Imperativo tecnológico” - a tecnociência teria uma espécie de autonomia própria capaz de direcionar seu rumo 6 braz

Na nova técnica, a natureza é requisitada para fornecer matéria prima com a finalidade de produzir coisas que podem ter duplo efeito, destruir ou ser utilizado para beneficiar. A matéria não está lá, simplesmente, não importa em que lugar e, sim, estocado, para que o suas possibilidades possam ser empregadas. Qualquer coisa da natureza pode ser empregada, inclusive o homem. Tudo é visto como um fundo de reserva. 7 braz

“É superficial afirmar-se que os seres humanos contemporâneos tornaram-se escravos das máquinas e dos mais diversos aparelhos. Uma coisa é demonstrar isto e outra muito diferente é pensar se os seres humanos, nesta época, não estarão apenas subordinados a relações técnicas mas, até que ponto devem corresponder ao processo de desenvolvimento das relações técnicas; e até que ponto são anunciadas nesta correspondência mais possibilidades para uma determinada existência livre dos seres humanos” (Heidegger). 8 braz

Heidegger questiona a concepção do que é o ser humano a partir da definição do homem ser um animal racional: O ser é experimentado como fundamento/razão. O fundamento é interpretado como ratio, como calculabilidade (Rechenschaft). Segundo esta idéia, os seres humanos são o animal rationale, a criatura que tem a capacidade de calcular e de sumariar. 9 braz

Para Heidegger foi este tipo de pensamento que trouxe a era atômica. Assim a essência dos seres humanos se esgota em ser racional? Se é a última coisa que se pode dizer que o homem é o ser capaz de calcular, se não há outro modo de pensar senão o do pensamento calculador que preparou o caminho para a era atômica, como ficamos? 10 braz

  Esta questão é para refletir e dependendo da resposta pode-se decidir o que será o futuro do planeta e do ser dos humanos. A totalidade do mundo técnico implica em saber se o homem quer tornar-se servo do projeto ou manter-se senhor. 11 braz

Os filósofos que pregam o temor: Marcuse e Hans Jonas 1979 – Jonas e O princípio da responsabilidade. As éticas tradicionais nunca tiveram que levar em conta “a condição global da vida humana e o futuro distante ou até mesmo a existência da espécie. O fato de ambos constituírem agora problema exige, em suma, uma nova concepção de direitos e deveres, para o qual a ética e a metafísica anteriores nem sequer fornecem os princípios, quanto mais doutrinas já prontas” (Jonas). 12 braz

A diferença entre o natural e o artificial se esvanece e o que paulatinamente foi sendo engolfado foi o natural. Já não importa o eu ou o nós e, sim, o futuro que não sabemos o que será, já que a ação humana tende sempre a avançar e por isso há necessidade de novos imperativos. 13 braz

“Age de tal maneira que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a preservação da vida humana genuína”. “Age de tal forma que os efeitos da tua ação não sejam destruidores da futura possibilidade dessa vida.” “Não comprometas as condições de uma continuação indefinida da humanidade sobre a terra”. “Nas tuas opções presentes, inclua a futura integridade do Homem entre os objetos da tua vontade” 14 braz

A única forma de preservar a vida dos seres futuros é infundindo-lhes temor, para que sintam a ameaça que a tecnologia traz para a humanidade e possibilitar quais intervenções técnicas devem ser proscritas. A saída redentora viria de “um poder normativo superior capaz de domesticar ´uma técnica que de certa maneira se tornou selvagem` “ (Lebrun). 15 braz

Fica em suspenso as perguntas : “O que poderia autorizar ´especialistas em ética` a exercer uma censura sobre pesquisas que, tecnicamente falando, não são de sua alçada?” (Lebrun) 16 braz

MARCUSE Mudança da condição dos cientistas que deixam de ser teóricos e se transformam em mão-de-obra, assim como o conhecimento se torna produto. A razão instrumental onde as técnicas se autonomizaram em relação aos humanos que as utilizam e as geram, despojam o homem do seu domínio - a criatividade técnica. 17 braz

Granger Esse pessimismo que tantos compartilham, no entanto, não é generalizado; ao contrário, a maioria dos pensadores pensa que a tecnociência não veio só para ficar mas, também, para solucionar problemas mesmo gerando outros e num continuum os resolverá. Para os mais prudentes, a solução vem da Bioética que objetiva estabelecer princípios norteadores que, ao mesmo tempo, não seja impeditiva do progresso e trace balizas morais em nome do bem estar dos seres vivos e do planeta. 18 braz

HABERMAS Tentativa de moralização da natureza humana. Aquilo que se tornou tecnicamente disponível por meio da ciência deve voltar a ser normativamente indisponível por meio do controle moral. 19 braz

A autonomia da pesquisa adquire proteção a partir do Estado constitucional liberal. Todos os cidadãos, segundo o princípio liberal devem ter a mesma chance de moldar sua própria vida de maneira autônoma. Todas as tentativas anteriores de se deter as pesquisa e aplicações da ciência mostram-se inócuas. Já se perguntou anteriormente sobre os limites, se já não teriam sido alcançados.Ex: FIV, transplantes,terapia gênica. 20 braz

A aceitação social não deverá diminuir no futuro enquanto a técnica estiver à serviço de uma vida mais saudável e mais longa. As intervenções legislativas surgem como tentativas vãs de se opor à tendência de liberdade que domina a modernidade social. 21 braz

Recomendação implícita: A moralização da natureza humana tem o sentido de uma ressacralização hoje discutível. Recomendação implícita: “Seria melhor reconhecer aquele resto de sentimento arcaico, que subsistiria na aversão às quimeras produzidas pela técnica genética, aos seres humanos cultivados e clonados e aos embriões utilizados em experiências” (Habermas, 2004: 36). 22 braz

Queremos mesmo caminhar na direção de uma eugenia liberal, que ultrapassa objetivos rigorosamente terapêuticos? “Quais são os princípios morais mais básicos que poderiam guiar a política pública e a escolha individual em relação ao uso de intervenções genéticas numa sociedade justa e humana, em que os poderes da intervenção genética serão muito mais desenvolvidos do que hoje?” (Buchanan, 2000:4)

A possibilidade de intervenção no genoma humano: Aumento de liberdade necessitada de regulamentação, isto é, se autonomamente e de acordo com considerações normativas que se inserem na formação democrática da vontade? Ou, permissão pessoal dependente de preferências e por isso não necessita de nenhum limite, isto é, de maneira arbitrária em função de preferências subjetivas que serão satisfeitas pelo mercado? Só quando a questão for resolvida pela primeira é que se poderá discutir os limites de uma eugenia. 24 braz

a escassez de órgãos para transplante e mais distante, As pesquisas em curso no mundo (indústria farmacêutica e universidades) têm despertado enorme expectativa de superar em pouco tempo: a escassez de órgãos para transplante e mais distante, evitar doenças graves de origem genética pela correção do genoma, estender a vida humana em até 150-200 anos 25 braz

Este cenário implica numa exigência de que a liberdade da pesquisa seja privilegiada em relação à proteção da vida do embrião, por mais que se queira ou se assuma chamar o embrião de pré-embrião ou mesmo aglomerado de células. Os cientistas apelam para objetivos elevados e chances realistas de cura para comover o público e as políticas a permitirem tais pesquisas. 26 braz

Existe um temor público de que este avanço tecnológico produza fatos consumados e que não podem ser mais normativamente recuperados (Habermas, 2002). Os cientistas financiados pelo mercado tentam amenizar o discurso para angariar a confiança das pessoas e, parece que estão conseguindo, tendo em vista que dentro da bioética há uma forte corrente favorável a uma eugenia liberal. 27 braz

Os defensores da eugenia liberal não reconhecem limites entre intervenções terapêuticas e de aperfeiçoamento (Harris, 2002) Se baseiam na liberdade que cada um tem de decidir sobre sua vida, deixando às preferenciais individuais e ao mercado a escolha dos objetivos relativos às intervenções que alteram as características. 28 braz

Dammbruchergumente –ruptura de diques Criticando esta posição: “Quem começa a fazer da vida humana um instrumento e a distinguir entre o que é digno ou não de viver perde o freio” (Presidente da República Federal Alemã). Dammbruchergumente –ruptura de diques slippery sloop argument - ladeira escorregadia; melhor tradução é efeito dominó. 29 braz

“Muitas vezes, a ciência confunde os melhores prognósticos, e nós não podemos correr o risco de nos encontrarmos despreparados para o que poderia ser um equivalente genético de Hiroschima. É melhor ter princípios que dêem conta de situações impossíveis do que não ter princípios para situações com as quais deparamos repentinamente” (Agar, 2000:172) 30 braz

OBRIGADA 31 braz