e o direito de ter um filho

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Transcrição da apresentação:

e o direito de ter um filho Infertilidade e o direito de ter um filho M. Patrão Neves

I. Acerca da infertilidade: de um destino ignóbil ao imperativo de medicalização II. Acerca dos direitos: da exigência de uma “fundamentação comum” à reivindicação de um “consenso regulador” III. Acerca do direito da pessoa infértil a ter um filho: do desejo ao direito

Acerca da infertilidade perspectiva tradicional sobre a infertilidade “A infertilidade é a incapacidade do casal em realizar o seu projecto de ter um filho, ou seja, de constituir família” realidade comum ao longo da história da humanidade

Acerca da infertilidade perspectiva tradicional sobre a infertilidade Disse Deus a Abraão: “Abençoarei [Sara] e dela dar-te-ei um filho. Será por mim abençoada e será mãe de nações e dela sairão reis”. Abraão prostrou-se por terra, dizendo dentro de si: “Pode uma criança nascer de um homem de cem anos? E Sara, mulher de noventa anos, vai agora ter filhos?” [...] Abraão tinha cem anos quando nasceu Isaac, seu filho. Sara disse: “Deus concedeu-me uma alegria, e todos quantos o souberem felicitar-me-ão”. (Génesis, 20-21) Acerca da infertilidade perspectiva tradicional sobre a infertilidade Disse o anjo: “Não temas, Zacarias, a tua súplica foi atendida. Isabel, tua mulher, vai dar-te um filho e chamar-lhe-ás João”. [...] Zacarias disse ao anjo: “Como hei-de verificar isso, se estou velho e minha mulher avançada em anos?” [...] Passados estes dias, sua mulher Isabel concebeu e, durante cinco meses, permaneceu oculta. Dizia: “Assim procede o Senhor para comigo, nos dias em que Lhe aprouve tirar-me a ignomínia entre os homens”. (Lucas, 1, 13-25)

Acerca da infertilidade perspectiva tradicional sobre a infertilidade A infertilidade é um infortúnio cuja causa é, regra geral, atribuída à mulher a qual é, por isso, estigmatizada

Acerca da infertilidade factores determinantes da redefinição de infertilidade A partir da II Guerra Mundial destacam-se: - a entrada das mulheres para o mercado de trabalho e a necessidade de controlo da natalidade - o desenvolvimento de meios contraceptivos e o melhor conhecimento do sistema reprodutivo feminino - o movimento dos direitos humanos e a luta pela igualdade das mulheres

Acerca da infertilidade outros factores: - o aumento da taxa de infertilidade - o melhor conhecimento das causas: de origem feminina e masculina; de natureza biológica, psicológica - a crescente convergência de factores poten-cializadores da infertilidade - os avanços biotecnológicos e a capacidade de artificialização da vida humana

Acerca da infertilidade aumento da taxa de infertilidade Nos países ocidentais a taxa de infertilidade varia entre os 12 a 15% (quase 1 em cada 5 casais)

Acerca da infertilidade melhor conhecimento das causas femininas (45%) Factores ovulatórios Ausência de óvulos Disfunção ovariana - Anormalidades no eixo hipotálamo hipofisário - Factor Tubário - Ausência ou obstrução das trompas de falópio - Aderências pélvicas - Endometriose - DIP - Doença Inflamatória Pélvica - Factor uterino - Anomalias anatómicas - Distúrbios de implantação (alteração endometrial) - Sequelas de infecção ou cirurgia (sinéquias) - Pólipos e miomas Factores imunológicos Factores psicossomáticos

Acerca da infertilidade melhor conhecimento das causas masculinas (40%) - Produção ou excreção inadequada do espermatozóide - Infecção espermática - Anticorpos anti-espermatozóides - Varicocele - Obstrução do trato genital - Criptorquidia (falha na descida dos testículos) - Distúrbios do canal da ejaculação - Alterações hormonais - Anomalias genéticas

Acerca da infertilidade crescente convergência de factores potencializadores da infertilidade - Adiamento da idade em que é desejada a primeira gestação - Utilização desregrada de alguns métodos contraceptivos - Infecções no aparelho sexual (sequelas de tuberculose genital feminina) - Prática mais generalizada de abortos - Abortos recorrentes - Factores ambientais (poluição) - Estilo de vida (stress)

Acerca da infertilidade Artificialização na vida humana Acerca da infertilidade níveis de introdução do artificial transferência encontro e fusão implantação fusão material biológico esperma ovócito útero espermatozóide técnicas (procedimentos) inseminação artificial fertilização in vitro útero de substituição injecção intracitoplásmica

Acerca da infertilidade medicalização da infertilidade A “infertilidade”, medicalizada, é redefinida como: “ausência de gravidez após um período de doze meses (a 24 meses) de relações sexuais regulares (mínimo de seis relações por ciclo) desprotegidas, isto é, sem uso de qualquer método contraceptivo”

Acerca da infertilidade medicalização da infertilidade um infortúnio uma doença cuja causa é atribuída à mulher do casal psicossomática por isso é estigmatizante curável

Acerca da infertilidade medicalização da infertilidade o milagre divino poder humano converteu-se em o filho dom divino direito humano converteu-se em

Acerca dos direitos O “direito” é uma realidade reivindicada pelo indivíduo, enquanto pertence ao género humano Esta ideia está presente: - Grécia e Roma Antigas - Pensadores cristãos medievais - Contratualistas (séc. XVII) - Declaração Inglesa de Direitos (Bill of Rights), de 1689 - Declaração de Direitos da Virgínia, de 1776 - Declaração dos Direitos e Garantias da Constituição Federal Norte-Americana, aprovada a 17 de Setembro de 1787, mas proclamada apenas a 15 de Dezembro de 1791 - Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de Agosto de 1789 - Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Constituição Francesa, de 24 de Junho de 1793 - Declaração dos Direitos e dos Deveres do Homem e do Cidadão da Constituição Francesa, de 22 de Agosto de 1795

perspectiva histórica Acerca dos direitos perspectiva histórica Lei natural direitos naturais ou humanos (universais) Prevalece sobre as leis da cidade, convencionadas Lei divina, eterna Prevalece sobre a lei dos homens Contrato social e direitos naturais Prevalece sobre o direito positivo

perspectiva histórica Acerca dos direitos perspectiva histórica direitos naturais negativos adquiridos positivos consensuais fundamentais sócio-económicos biomédicos

Acerca dos direitos Denominador comum: - a prevalência dos reconhecidos direitos individuais/sociais sobre o direito do Estado (direito positivo) como meio de protecção dos cidadãos/grupos em relação à eventual prepotência do Estado (no exercício de um poder arbitrário) - salvaguarda da liberdade de cada indivíduo/ comunidade como garante da sua dignidade incondicional intrínseca e condição para o seu desenvolvimento pessoal, moral

Acerca dos direitos Neste amplo quadro teórico dos “direitos” (traçado na sua natureza e estatuto ao longo da história) e tendo a “infertilidade” como contexto (tomada na sua dominante perspectiva médica contemporânea), estamos agora em condições para nos interrogarmos sobre a legitimidade do “direito a ter um filho”. Onde se inscreve o “direito a ter um filho”? Qual o seu fundamento? Qual o seu estatuto?

Acerca do direito da pessoa infértil a ter um filho - Direito natural (individuais e universais, negativos): o “ter um filho” seria um direito natural porque a reprodução é um dado da natureza de todos os seres vivos, especificamente dos seres humanos. - Porém, o direito natural recai sobre uma realidade a preservar ou a recuperar (como a vida ou a liberdade) perante uma força superior que a ameaça (como a do poder político), o que neste caso não se confirma.

Acerca do direito da pessoa infértil a ter um filho - Direito adquirido (sociais e comuns a uma comunidade, positivos): o “ter um filho” seria um direito adquirido porque a reprodução é indispensável para a realização pessoal, devendo a sociedade proporcionar condições para permitir o acesso a este bem. - Porém, nem a reprodução é indispensável para a realização pessoal (como se verifica, por exemplo, com a saúde), ainda que desempenhe um contributo importante para tal, nem o proporcionar de condições favoráveis para a reprodução produzem necessariamente um filho.

Acerca do direito da pessoa infértil a ter um filho - Direito consensual (individuais e sociais, universalizáveis, negativos e positivos): o “ter um filho” seria um direito consensual porque a maioria das pessoas considera que a reprodução é essencial para o desenvolvimento pessoal humano. - Direito negativo - “ninguém deve ser impedido de ter filhos”. - Direito positivo - “a sociedade deve proporcionar condições para que todos os querem ter filhos os tenham”.

Acerca do direito da pessoa infértil a ter um filho Problema (incontornável, insuperável, que põe em causa a própria existência de “direitos” pela inevitável contradição interna a que conduz), atendendo ao interesse sobre que incide o direito: - direitos negativos visam a protecção (ou não-violação) do que é constitutivo do próprio; - direitos positivos obrigam a criar condições favoráveis para a obtenção dos mesmos. Um “filho” é uma pessoa que, enquanto tal, é também sujeito de direitos, jamais podendo ser um bem reclamado, um objecto visado pelo direito de outrem.

Acerca do direito da pessoa infértil a ter um filho Se os direitos, independentemente da sua natureza e estatuto, pudessem visar pessoas humana, teríamos: - a objectivação da pessoa, a qual ficaria de posse de quem a reclamasse; - a instrumentalização da pessoa, reduzida ao mero estatuto de meio para alcançar fins mais dignos.

Acerca do direito da pessoa infértil a ter um filho Contrariando os princípios que estão na origem dos direito do homem, a saber: - o princípio da dignidade da pessoa humana; - o princípio da igualdade entre os homens; o que, a limite, corresponderia à dissolução ou implosão mesma (por insuperável contradição) da noção de “direito”.

Acerca do direito da pessoa infértil a ter um filho Sem justificação, nem a montante, pela ausência de fundamentação teórica, nem a jusante, pela natureza do bem reclamado, o reivindicado “direito a um filho” resulta: 1) de uma falaciosa interpretação do “desejo” como “direito” – decorrente da erosão da objectividade do fundamento dos direitos; 2) e da equívoca compreensão do “poder” das biotecnologias como um “dever” a exercer – decorrente do renascimento do mito da bondade do progresso científico; 3) situando-se no contexto dúbio da percepção da “infertilidade” como “doença” – decorrente de uma visão restritiva do homem frequentemente ditada por interesses sectoriais.

Acerca do direito da pessoa infértil a ter um filho A “infertilidade” não se reduz a uma “doença” O “poder” não coincide com o “dever” O “desejo” não constitui um “direito”

Acerca do direito da pessoa infértil a ter um filho A infertilidade, enquanto desejo de um filho, é expressão da dimensão humana de relação, relação com o outro, a qual se apresenta então como um desafio na vivência de uma alteridade responsável pela dignidade do eu e respeitadora da dignidade do outro, num relacionamento que, só assim, será autenticamente humano.