O Sistema Monetário Nacional Instituições e suas conseqüências Gustavo H. B. Franco (PUC-Rio, Rio Bravo Investimentos) Por ocasião do Ciclo de Debates Justiça e Economia, e do seminário “Eficiência da Justiça e sua eficácia na Economia”, Instituto ETCO, São Paulo, 30.11.2007
Tese
A moeda é uma instituição (John Hicks)
O Sistema Financeiro Nacional (Lei 4.595/65, CF Art. 192)
Lei 4.595/65, ementa: Dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias, cria o CMN e dá outras providências
A tese completa: A organização do Sistema Monetário Nacional (moeda, câmbio e bancos) foi distorcida no Brasil para “servir” ao financiamento inflacionário do Estado
A inflação é uma receita do Estado
decorrente da pintura de pedaços de papel,
e também de inúmeros efeitos “contábeis” (aplicação desigual de correção monetária em ativos e passivos, rendas e despesas)
A inflação se tornou o combustível principal do Desenvolvimento “liderado” pelo Estado,
gerando (talvez) a maior inflação da História
e uma tragédia distributiva
Pergunta: Estamos tratando de uma forma (a inflação) ilegítima, ou mesmo ilegal, de intervenção do Estado na economia?
Se a inflação pode ser vista como um imposto (Keynes) que incide principalmente sobre o pobre,
como é possível que não tenha sido ilegal?
Quem autorizou? Como?
Quem é responsável?
CPI?
Lembrar que a hiperinflação ocorre DURANTE a transição para a Democracia,
Democracia faz aparecer a intolerância com relação a esta forma de tributação,
e via generalização das “defesas”, chegamos ao raro fenômeno da hiperinflação
a hiperinflação foi uma espécie de revolta contra o “imposto inflacionário”.
(e. g. congelamento de preços) Sabemos que as leis econômicas, às vezes, agridem as “leis jurídicas”, e vice versa (e. g. congelamento de preços)
Mas, às vezes, o “ordenamento” cria os canais para a catástrofe econômica, como parece ter sido o caso da organização do nosso sistema monetário
Este é nosso roteiro
3 construções
1933
1965
1994
1933: A ordem “getulista”
Era uma reorganização institucional por conta do colapso do Padrão Ouro
Padrão Ouro: A unidade monetária corresponde a xpto gramas de ouro fino
Era uma regra de política monetária e cambial.
O crédito era governado pela prudência dos bancos, administrada pelo BC.
PO: 4 pilares
PO: 4 pilares Primado da Natureza Câmbio fixo Moeda bancária “exceção” BC grande banco comercial
1933: os 4 pilares da ordem getulista
Na verdade 3 DLs e uma ausência
1. DL 23.501 – moeda fiduciária de “curso forçado”
2. DL 23.238 – controle cambial
3. DL 23.626 – lei da usura, era uma espécie de estatização do crédito
3. (bis) Usura era um assunto de regulação bancária
4. A ausência de um banco central
Qual o problema?
A moeda passava a ser apenas um pedaço de papel, sem nenhuma conexão com a “Natureza”, e não havia nenhum “contrapeso” ao poder do Estado de abusar do papel moeda de curso forçado
Outras democracias fortaleceram seus BCs para melhor proteger seus cidadãos dos abusos do papel moeda ...
Aqui não
Strictu sensu talvez tenhamos sido o último país deste planeta a criar um BC
Mas isto não criou problema nos anos 1930 e 1940 ...
Inflacionismo “anestesiado” pq o mundo estava em deflação, ou em guerra
No Brasil prevalece a crença na indisciplina fiscal como “virtude”.
Governo bom faz OBRA
Resumo: a ordem getulista 1. DL 23.501 - “Moeda fiduciária”, um pedaço de papel sem conexão com a “Natureza”, e nenhum “contrapeso” ao poder do Estado de abusar do papel moeda de curso forçado; 2. Ausência do Banco Central. Outras democracias fortaleceram BC, mesmo na Am. Latina; o Brasil é “diferente”. 3. DL 23.238 “Controles cambiais”, definição de “operação legítima” conforme interesses do governo. (Separação (autonomia) circunstancial entre política monetária e cambial, ambas sob estrito controle estatal; possível no ambiente de restrições.) 4. DL 23.626 “Lei da Usura”, ao limitar juros “exclui” bancos privados do processo de criação de moeda (depósitos), reserva de mercado de crédito para o Estado, prenúncio da criação de sistema bancário público com recursos “fiscais”.
1965
1965: 4 pilares
3 decretos reciclados e uma frustração
1. DL 23.501/33 substituído pelo DL 857/65, para melhor acomodar diversidade de “moedas de conta” (Correção Monetária)
2. DL 23.238/33 + Lei 4.131: “Operação legítima” e “registro” de CE compõe sistema amadurecido de controle das “naturezas” e das taxas & tributos de cada relacionamento com o exterior.
3. DL. 23. 626 “Lei da Usura” afastada do SF via Lei 4 3. DL. 23.626 “Lei da Usura” afastada do SF via Lei 4.595, mas sem prejuízo do impulso aos bancos públicos com recursos “fiscais”; a invenção do recurso “parafiscal”.
3. (bis) Orçamento Monetário ou Parafiscal: “tributação disfarçada” para bancos (compulsórios, direcionamentos, carteiras específicas) para financiamento de políticas públicas.
3. (bis bis) O problema não é a usura, mas quem pode compartilhar com o Estado a capacidade de criar moeda.
4. Banco Central primeiro adiado (SUMOC) depois “subordinado” ao BB (conta movimento), ao “orçamento monetário” (às necessidades de outros bancos oficiais esp estaduais);
4. (bis) não era um BC, mas uma repartição do BB, uma forma de guardar aparências
4. (bis bis) Permanece fortalecida crença na indisciplina fiscal como “virtude”: um BC “de verdade” seria um obstáculo ao desenvolvimentismo;
4. (bis bis bis) e também a crença na neutralidade da correção monetária, que era, sempre foi, “seletiva” (reserva legal)
4. (bis bis bis bis) CM: “moeda estável sintética” para os escolhidos do governo
Resumo: a ordem “desenvolvimentista” 1. DL 23.501 - mantido no DL 857/67, para melhor acomodar a “correção monetária”, de aplicação seletiva, causa e anestesia para a inflação; 2. BC subordinado ao BB (conta movimento), ao “orçamento monetário”, é mecanismo de financiamento (indireto e seletivo) ao Tesouro. 3. DL 23.238/33 + Lei 4.131: Câmbio é assunto de Estado, e todas as taxas são fixadas pela Autoridade cf prioridades. 4. DL 23.626 “Lei da Usura” afastada do SF via Lei 4.595, bancos podem “criar moeda” via crédito, mas pagando “pedágio” e sem prejuízo do incentivo ao sistema bancário público com recursos “fiscais”
A Tragédia
Inflação Acumulada (%) Padrão Monetário Início Fim Duração (em meses) Inflação Acumulada (%) Inflação Média Mensal 1 Cruzeiro nov/42 jan/67 292 31,191 1.99% 2 Cruzeiro Novo fev/67 mai/70 40 90 1.61% 3 jun/70 fev/86 190 206,288 4.10% 4 Cruzado mar/86 dez/88 35 5,699 12.30% 5 Cruzado Novo jan/89 fev/90 15 5,937 31.44% 6 mar/90 jul/93 41 118,590 18.85% 7 Cruzeiro Real ago/93 jun/94 11 2,396 33.97% 8 Real jul/94 fev/04 115 150 0.80%
20.759.903.275.651% nos 15 anos anteriores ao Plano Real;
A maior inflação do mundo em 1961-94
14,2 quatrilhões por cento em 1961-2006 (5,5 quatrilhões por cento em 1961-94)
1994
1994: 4 pilares
1. Mantido DL 857/67, mas mitigado na Lei 10 1. Mantido DL 857/67, mas mitigado na Lei 10.192/01, reserva a “correção monetária” para o “contrato longo”, elimina “unidades de conta”(Ufir, etc).
1. (bis) moeda estável para TODOS
2. DL 23.238/33 + Lei 4.131 amenizados por (novas Ress CMN) com base Lei 4.595: Discricionaridade usada para liberalizar, crescente conversibilidade, controles apenas no tocante a “compliance”, e tributação.
2. (bis) Câmbio é preço de mercado, não tarifa pública.
2. (bis bis) uma operação bancária como outra qualquer
3. Temas de regulação bancária (ou temas para-fiscais):
3.1. Encolhimento dos bancos públicos (de 45 para ½ dúzia, PROES);
3.2. Regulamentação prudencial universalizada;
3.3. Usura, assunto menor ref CC art. 478
3.4. Recaptura do CMN, e controle do “orçamento monetário”.
4. Banco Central de facto independente, mas não de jure.
4. (bis) Falta: (i) mandatos; (ii) a competência exclusiva.
4. (bis bis) “autoridade” do mercado “alinha” o país com cânones internacionais
4. (bis bis bis) Perigo: El sistema monetario nacional debe propender al logro de los fines esenciales del Estado Socialista y el bienestar del pueblo, por encima de cualquier otra consideración. El Poder Ejecutivo Nacional, a través del Banco Central de Venezuela, en estricta y obligatoria coordinación, fijará las políticas monetarias y ejercerá las competencias monetarias del Poder Nacional.
Resumo: a ordem monetária ao final do sec. XX 1. DL 23.501 - mantido DL 857/67, mas mitigado na Lei 10.192/01 “Valorismo” mitigado, convivendo com teoria da imprevisão (CC art.478) um “escape” à disciplina do contrato, “seletivo e redentor” como a JT; 2. Banco Central de facto independente. Impossibilidade de desalinhamento internacional em normas e políticas. Falta LCs do novo Art. 192: mandatos e competência. Criado a 3 anos do fim do sec. XX. Ocaso do inflacionismo, mas sem maiores traumas; 3. DL 23.238/33 + Lei 4.131 amenizados por (novas Res CMN) Lei 4.595: Discricionaridade usada para liberalizar, crescente conversibilidade, controles apenas no tocante a compliance, e tributação. “Registro” se torna fato estatístico ex post. 4. Regulação bancária Encolhimento do sistema bancário público, regulamentação prudencial universal, recaptura do CMN, e a usura questão de desequilíbrio contratual.
Lições
Amarras institucionais no SFN defendem os “interesses difusos” dos abusos dos governantes através da moeda
Instituições “fracas” incentivam (ou são criadas para facilitar) a emissão abusiva de moeda, e tributação do pobre através da inflação
Hoje temos, não totalmente compostos, os “contra-pesos” institucionais que sempre faltaram
Hoje temos um Banco Central que cumpre a sua função constitucional,
Constitucional ????
e pode não conseguir se não há “responsabilidade fiscal”
loose fiscal tight money Impasse clássico: loose fiscal tight money
“não consigo governar sem gastar”
O resultado do impasse é a pressão sobre a dívida pública e sobre o juro
Por que o Brasil é o campeão mundial de juros?
O crédito público é ruim ! Déficit e dívida, medidos corretamente Ámerica Latina Europa Ásia + África do Sul Déficit nominal + Amortiz, % do PIB Rating A2 Ca1 Dívida Soberana como % do PIB
“Dominância fiscal”
Faz parecer que o BC é o culpado pelos juros altos
É o crime perfeito
O Sistema Monetário Nacional Instituições e suas conseqüências Gustavo H. B. Franco (PUC-Rio, Rio Bravo Investimentos) Por ocasião do Ciclo de Debates Justiça e Economia, e do seminário “Eficiência da Justiça e sua eficácia na Economia”, Instituto ETCO, São Paulo, 30.11.2007