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“O Corte”, de Costa Gravras “Le Couperet” (França, 2005) Análise do Filme Versão 1.0 (65 Slides) Projeto “Cinema Como Experiência Crítica” www.telacritica.org.

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1 “O Corte”, de Costa Gravras “Le Couperet” (França, 2005) Análise do Filme Versão 1.0 (65 Slides) Projeto “Cinema Como Experiência Crítica” Giovanni Alves - UNESP

2 Estrutura Narrativa Após quinze anos de leais serviços como gerente-executivo de uma empresa da indústria de papel, Bruno Davert. é despedido com centenas dos seus colegas devido a reestruturação produtiva. Após três anos como desempregado, ele não consegue encontrar um novo emprego. De repente, Bruno tem a idéia de eliminar seus concorrentes, antes de matar um gerente-executivo que ocupa a vaga de emprego cobiçada por ele. Giovanni Alves - UNESP

3 Eixos temáticos Capitalismo global e reestruturação produtiva
Formas da superpopulação relativa: desemprego em massa e trabalho precário Estranhamento e fetichismos sociais Barbárie social Giovanni Alves - UNESP

4 Donald E. Westlake O filme “O corte” é baseado no romance “The Ax”, de Donald E. Westlake, publicado em Westlake, nascido em 1933, no Brooklin (Nova York,EUA) é um novelista de renome , tendo publicado centenas de títulos de novelas criminais ou de ficção-científica. Edição brasileira de “The Ax”, publicada em 2006 pela Companhia das Letras e que adotou (como na edição francesa) o nome do filme de Costa-Gavras Capas de edições norte-americanas do livro com o sugestivo título “The Ax” Giovanni Alves - UNESP

5 “The Ax” Em inglês, “ax” significa “machado”, um instrumento de corte de arvores e madeira. Entretanto, na língua inglesa, o termo “ax” guarda o significado de um instrumento de barbárie pré-histórica, utilizado no passado pelos homens do Neolítico para repelir seus inimigos. O título “The Ax” sugere que a trama de Westlake é sintoma do sociometabolismo da barbárie que marca o capitalismo global – barbárie social cujas atrocidades são incomparáveis com as atrocidades da barbárie histórica. Giovanni Alves - UNESP

6 George Bush pai e Bill Clinton no enterro de Boris Yelstin em 2007
Anos 1990 Donald E. Westlake, no romance “The Ax”, consegue ilustrar, por meio de sua narrativa quase surreal, as loucuras da década da globalização. A década de 1990 nos EUA, sob o governo de George W. Bush, começa com uma brutal recessão (por exemplo, é o cenário do filme “O sucesso a qualquer preço”, de James Foley). A expansão capitalista em virtude da derrocada do Leste Europeu e da União Soviética significam aumento da concorrência desenfreada e o acirramento do processo de reestruturação produtiva. Ocorre a I Guerra do Golfo. Sob o impacto da recessão do começo da década, Bush pai é derrotado pelo democrata Bill Clinton, após mais de uma década de governos republicanos. Sob Clinton, os EUA participam da guerra da Bósnia e da Yugoslávia. Emerge a Internet, a nova economia e a exuberância irracional das bolsas de valores. A partir de 1997, deflagra-se a crise do mercados financeiros. Sob a globalização, prolifera os empregos precários é a década da precarização do trabalho (para ilustrar, os anos 1990 terminam com a narrativa do filme “O Corte”). George Bush pai e Bill Clinton no enterro de Boris Yelstin em 2007 Giovanni Alves - UNESP

7 Capitalismo Global Financeirização da Riqueza Capitalista Revoluções Tecnológicas Políticas Neoliberais Giovanni Alves - UNESP

8 Downsizing Na década de 1990, as corporações industriais promoveram cortes significativos na sua força de trabalho, buscando adotar o modelo toyotista da lean production. Muitas delas se relocalizaram para reduzir custos salariais. Aumenta o desemprego em massa, atingindo com destaque “proletários de ‘classe média’”. Downsizing (em português: achatamento) é uma técnica aplicada das abordagens contemporâneas da Administração voltada a eliminar a “burocracia corporativa” desnecessária (principalmente, empregados e gerentes de médio escalão).Trata-se de um projeto de racionalização da empresa capitalista cuja meta global é construir uma “empresa enxuta”, mais eficiente, segundo a lógica do mercado, capaz de se tornar competitiva no cenário mundial. A curto prazo envolve demissões, achatamento da estrutura organizacional, reestruturação, redução de custos, e racionalização. Giovanni Alves - UNESP

9 A relocalização A deslocalização industrial é uma das estratégias capitalistas de redução de custos salariais, visando competir no mercado mundial. Com a União Européia e a inclusão do Leste Europeu como zona de baixos salários, muitas empresas se deslocaram para a periferia européia buscando reduzir custos salariais. Na verdade, o movimento do capital visa aumentar a produção de mais-valia e não a satisfazer o mercado consumidor. Obter o surplus é seu objetivo precípuo acima dos interesses da Nação e dos cidadãos de qualquer país. Seu horizonte é o mercado mundial onde ocorre a concorrência capitalista. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo O gerente da Arcadia, Raymond Machefer, conversa com Bruno. É um homem que possui “lucidez” da miséria capitalista, mas numa ótica particularista (só os diretores das outras empresas são idiotas). Enfim, ele é incapaz de, por si só, ir contra a lógica do capital. Ele observa a lógica irracional do capital que visa apenas a redução de custos salariais (na Romenia, diz ele, “se trabalha por três vezes menos”),; por isso, o capital deslocaliza empresas, predando o mercado de trabalho e o mercado consumidor de seu País. Observa: “Quando arruinarem a economia, para quem vão vender?”. Ao ser inquirido por Bruno, o que faria se fosse demitido, Machefer responde: “Entraria na sala dos diretores e acabaria com eles”. Bruno, racional e pragmático, observa: “Isso não traria seu emprego de volta.” E Machefer responde: “Eu me sentiria bem”. Giovanni Alves - UNESP

10 Contradições Sob o capitalismo global se acirram as contradições (e ironias ) da lógica perversa do capital. A principal contradição do capitalismo global é a contradição entre desenvolvimento das forças produtivas e relações sociais de produção capitalista, isto é, por um lado, devido o acirrado progresso técnico (inclusive com o maior envolvimento da subjetividade do trabalho na produção de mercadorias), produz-se riqueza em escala ampliada, e, por outro lado, ao mesmo tempo, promove –se a precarização do trabalho vivo e a degradação do estatuto salarial. Enfim, sob o capitalismo, riqueza é pobreza. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Nesta cena é candente a ironia do mundo do capital. Bruno recebe um pequeno gravador digital de presente, pelos 15 anos de leais serviços prestados à empresa (“que também é sua”, diz o gerente). Logo a seguir, Bruno seria demitido, junto com mais 600 pessoas. Redução antes da relocalização da empresa para a Romênia. De um lado, a manifestação coletiva de cariz irracional (“Morte aos que nos mataram”, diz o slogan dos manifestantes). De outro, a saída individual, instigada pelo gerente, que incorpora a razão da empregabilidade : “Com sua capacidade, logo vai conseguir trabalho”. Dois anos depois, Bruno continuaria desempregado e iria buscar sua própria saída (matar, com método, os concorrentes) Giovanni Alves - UNESP

11 A Redundância do Trabalho
O gerente diz que o gravador digital é para Bruno “registrar a qualquer momento suas idéias criativas que tanto ajudaram nossa produtividade”. Eis mais uma ironia do capital: o operário e empregado que participa da produção do capital, produz sua própria redundância. Produtividade do capital significa criação de uma população sobrante, supérflua às necessidades de expansão do capital. Outra ironia (da narrativa do filme): o gravador digital sino-japonês que Bruno recebe de presente da empresa é o mesmo que ele utiliza para se confessar - confissão que teve apenas a função catártica de fazê-lo dar continuidade à trama macabra Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Giovanni Alves - UNESP

12 Criatividade e Alienação
Sob o espírito do toyotismo, ideologia orgânica da produção de mercadorias, busca-se incentivar nas empresas, a participação de empregados e operários no incremento da produtividade por meio de idéias criativas que otimizem o processo de trabalho. É uma forma sutil de produção da redundância do trabalho vivo e da força de trabalho com o auto-consentimento laboral. O capital expropria o saber-fazer de operários e empregados e os utiliza para incrementar a alienação entre o trabalhador e o produto de sua atividade. Sob o capitalismo, o aumento da produtividade tende a significar expulsão de trabalho vivo da produção (downsizing) e superfluidificação da força de trabalho. Giovanni Alves - UNESP

13 Formas da Superpopulação Relativa
A superpopulação relativa é a população de força de trabalho excedente constituída pelo modo de produção capitalista e que pode assumir um caráter funcional, afuncional e disfuncional. A população liquida, é o contingente de proletários que fluí de acordo com os ciclos industriais (por exemplo, no período de crescimento, tendem a serem absorvidos e com a recessão da economia, demitidos). A população estagnada é o contingente de proletários que não consegue fluir e para sobreviver, insere-se em empregos precários de baixos salários. A população latente alimenta a oferta de força de trabalho para a produção do capital. O lumpen-proletariado é a população excluída da produção do capital, constituída pelos pobres inválidos e incapaz de atividade produtiva. Giovanni Alves - UNESP

14 A sociedade do desemprego
Sob o capitalismo global, o impulso inédito à acumulação de capital pelo incremento da produtividade de trabalho, significou a disseminação do processo de reestruturação produtiva. O complexo de reestruturação produtiva atinge os mais diversos setores da economia capitalista – indústrias, serviços e administração pública. Possui a lógica da redução de custos e racionalização capitalista do trabalho. O impacto na estrutura de emprego é perverso – significa a eliminação de milhões de postos de trabalho nas empresas. Deste modo, a sociedade do capital explicita-se como sociedade do desemprego. Trabalho abstrato que nega trabalho concreto. O que era fluido torna-se estagnado e o que era estagnado tende a cair na “exclusão social” (lumpenproletariado). Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Na oficina mecânica onde conserta o carro, Bruno conversa com um velho empregado que lhe relata que a esposa, técnica de raio-X, onze anos no emprego, foi dispensada do hospital: vítima da redução, reestruturação, custos. Diz ele: “Resultado: nós nos danamos”. O velho operário ressalta: “Temos que nos unir. Posso ser o próximo”. O mundo social do filme “O corte” é um mundo social permeado de experiências de demissão em vários setores sociais. É o mundo da desconstrução do trabalho salarial. O velho operário da oficina mecânica diz que se perder o emprego, “vou lá para cima e estouro meus miolos na frente do meu chefe”. De imediato, Bruno retruca: “E por que não acabar com os outros dois?” – “Sem que ninguém saiba”. Primeiro, é interessante contrastar a saída do velho operário com a do gerente Raymond Machefer, que diz que, caso seja demitido, mata os diretores da empresa. Segundo, Bruno ao sugerir como saída matar os concorrentes, “sem que ninguém saiba”, demonstra viver num mundo do particularismo quase absoluto, onde pode-se ocultar atos insanos da punição dos homens (ou do castigo de Deus). Giovanni Alves - UNESP

15 Desemprego e criminalidade
O aumento da população estagnada e do lumpenproletariado contribui para o incremento da criminalidade. Na medida em que se rompe o pacto de coesão social instituído pela “sociedade salarial” do pós-guerra, sociedade do “pleno emprego” sob regulação fordista-keynesiana, que acalentava perspectivas de mobilidade social na ordem do fetichismo da mercadoria, dissemina-se a “anomia social “. O Estado rompeu seu compromisso com os indivíduos que se voltam contra o Estado. Homo homini lupus (o homem é o lobo do homem). A crise do Estado-Nação como entidade moral significa a volta do “estado de natureza”. Instaura-se a barbárie social. Enfim, tudo é válido. Além da criminalidade eventual, prolifera, por conta da crise do Estado-providencia , a indústria da criminalidade, o crime organizado. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Ao conversar com o delegado de polícia, Bruno observa que o “crime é a única indústria em crescimento”. O capitalismo preserva a capacidade de transformar tudo em negócio lucrativo – inclusive a barbárie social. Noutra cena, Henri Birch, garçom desempregado da indústria de papel, observa: “São tempos de criminalidade”. Como diz o mecânico: “Tudo é válido”. A criminalidade origina-se da crise moral que a crise da ordem salarial instiga nos “sujeitos monetários”. Giovanni Alves - UNESP

16 Crise do Estado A crise social da sociedade do desemprego é a crise do Estado como instituição de controle social. É claro que o Estado preserva seus aparatos de vigilância policial, capaz de deter infratores das leis. Mas ao mesmo tempo, é incapaz de dar conta do crime organizado e de averiguar crimes eventuais. Inclusive, nessas circunstâncias, torna-se impotente para dar proteção ao cidadão comum. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo O investigador policial que visita Bruno o alerta que há um serial killer matando, com uma Luger nazista, empregados desempregados da indústria de papel. Bruno pede proteção à polícia. O investigador observa: “Não temos pessoal”. E Bruno retruca: “Então contratem”. O investigador observa que “nunca seremos suficientes”. Mais adiante, ele observa que o cunhado dele também está desempregado. Mas a impotência diante do mundo do capital, não lhe tira a crença na infalibilidade da justiça criminal. Afirma: “Nós sempre os pegamos [os criminosos]”. Realmente, a atuação policial no filme “O Corte” é quase uma farsa diante de um mundo social descontrolado, permeado de irracionalismo e desrespeito às leis e ao Outro. Giovanni Alves - UNESP

17 “Tudo é permitido” A anomia social significa a desfaçatez moral. A derrocada da moral burguesa é a derrocada de toda ordem ético-moral. O que vigora é a moral das coisas e do particularismo dos interesses individuais. A adoção da transgressão da lei como meio de vida é sintoma da crise do Estado-nação como instância de coesão moral. É a “lei da selva” e a “lei do mais forte” que se dissemina com a cultura neoliberal que coloca o mercado no centro do universo social. Ao enfraquecer o poder regulatório do Estado, “dignifica-se” a barbárie social. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo A idéia do crime como meio de vida é um principio moral que Bruno adota. É o cinismo desesperado (e irremediável) da lógica da concorrência levada ao limite. O “proletário de ‘classe média’” desesperado explicita a lógica particularismo à exaustão. Como tudo licito, por que não? Basta evitar que alguém saiba. Todo meio torna-se valido desde que satisfaça os interesses do homem reduzido ao estado de particularidade. Nega-se o Outro como próximo. Giovanni Alves - UNESP

18 O Problema Moral No alvorecer do capitalismo monopolista, Dostoievski , no romance “Os Irmãos Karamazov”, afirmava: “Se Deus não existe e a alma é mortal, tudo é permitido”. Ora, a ética burguesa sempre foi um construto impossível na modernidade do capital, a sociedade da guerra permanente. Na medida em que a sociedade burguesa é a sociedade mais social que existiu, ela é permeada de questões morais. No cotidiano estamos imersos em decisões morais. O sujeito humano é convocado a fazer escolhas. Mas a lógica do capital que reduz o homem como “sujeito moral “ao estado de particularidade, esvazia o universo ético-moral da individualidade pessoal, que se torna mera individualidade de classe calculistas e egoístas (o homo economicus), onde os fins particularistas justificam os meios. Deste modo, nega-se a construção ético-moral da genericidade humana (o gênero humano para-si) como aspiração de sujeitos morais para além do estado de particularidade. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Num dialogo em família, o jovem Máxime comenta com a família o tema de sua prova de filosofia: “Os fins justificam os meios?”. Na verdade, o filme “O Corte” é uma fábula moral. Máxime diz que os fins nunca justificam os meios (sua irmã, observa com ironia: “Menos para tirar o filho da cadeia”). Mas com uma ressalva: “Menos em tempos de guerra.” Ora, a sociedade burguesa é a sociedade do estado de guerra permanente. A concorrência, que lhe é intrínseca, faz com que o homem seja “o lobo do próprio homem”. Sob o capitalismo global, e com a constituição da “sociedade do desemprego em massa”, acirra-se ainda mais a concorrência. Explicita-se, assim, a guerra de todos contra todos (o que justificaria os atos de Bruno Davert.). Mas Máxime observa que “a escolha dos meios é luxo de uns poucos privilegiados.” (o que se coloca o problema das classes). Giovanni Alves - UNESP

19 Cinismo e Desrespeito A lei da selva do mercado é a lei da concorrência desenfreada onde busca-se sempre levar vantagem. A escassez social de empregos – escassez artificial criada pelo capital e que possui a função simbólica de regular a reprodução estranhada do metabolismo social – leva à disseminação de estratégias particularistas, preparando as individualidades de classe para a predação social. O devassamento da intimidade do Outro é uma forma de desrespeito à pessoa humana. Ao lado da corrosão do espaço público, a falta de respeito com a pessoa humana – vista como meio e não como fim em si mesmo – é sintoma da barbárie social. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Bruno Davert vasculha o curriculum vitae dos concorrentes para averiguar se devem ser eliminados ou não – caso sejam (ou não) potenciais concorrentes dele (descobre que apenas cinco possuem diploma de carreira e experiência). O individuo reduzido ao estado de particularidade torna-se juiz supremo do Outro. Diz ele: “Eu me senti superior lendo os segredos de meus concorrentes”. Num certo momento, Davert observa: “Todos esses currículos refinados cheios de conformismo”. O particularismo de Bruno Davert contém um espírito mordaz de critica do Sistema. Nesse ponto, ele procura se distinguir dos demais: “Descobri que eles [os concorrentes] eram muito ignorantes e cheios de vaidade. Metade dizia se importar com os acionistas.”” Nesta cena, explicita-se um traço da personalidade paradoxal de Bruno Davert - apesar de ser critico mordaz do Sistema e considerar os acionistas como inimigos (diz ele: “Eles fizeram milhares serem demitidos de empresas saudáveis para dar mais aos gananciosos”), Bruno busca se integrar ao Sistema, tornando-se serviçal dos interesses do capital.. Na verdade, Bruno Davert é o homem cínico, que persegue, como individualidade de classe, a qualquer custo, seus interesses egoístas. Seu “inconformismo” é tão contingente quanto sua condição de classe. Giovanni Alves - UNESP

20 Estranhamento e Fetichismos Sociais
Os fetichismos sociais que permeiam a estrutura do cotidiano da ordem burguesa são obstáculos ao desenvolvimento da genericidade humano-genérica, contribuindo para a redução do individuo ao estado de particularidade. O particularismo em sua múltiplas formas é um modo de metabolismo social estranhado. O fetichismo social constrange as individualidades de classe por meio de valores-fetiches inscritos nas pletoras de imagens que permeiam o cotidiano da vida burguesa. Mais do que nunca, as imagens-fetiches contém modos de vida e visões de mundo. É através delas que ocorre a reprodução espúria da ordem do capital como modo de controle estranhado do metabolismo social. O metabolismo social estranhado da ordem do capital, para se reproduzir sob as condições históricas da crise estrutural do capital e de um processo civilizatório complexo negado, constitui, com maior intensidade, formas múltiplas de fetichismos sociais. É através da disseminação de objetivações sociais fetichizadas, modo de aparecimento do estranhamento social em sociedades mercantis complexas, que se reproduz a ordem social do capital. Giovanni Alves - UNESP

21 Capitalismo manipulatório
As imagens-fetiches da ordem burguesa tardia são imagens que contém valores coisificados que se impõem aos sujeitos negados. Elas permeiam o cotidiano metropolitano, disseminando-se sob a forma de propaganda e marketing. Muitas das imagens-fetiches articulam pulsões inconscientes ligadas a vida libidinal de homens e mulheres, sendo elementos da dessublimação repressiva, isto é, da “expropriação do inconsciente pelo controle” ou ainda a neutralização social do conflito entre princípio de prazer e princípio de realidade através de uma satisfação administrada, ou seja, “uma liberalização controlada que realça a satisfação obtida com aquilo que a sociedade oferece”, pois, “com a integração da esfera da sexualidade ao campo dos negócios e dos divertimentos, a própria repressão é recalcada”(Herbert Marcuse). No filme “O Corte”, o personagem Bruno Davert é “cortado” por imagens-fetiches impressas em outdoors e cartazes de propaganda dos mais diversos tipos, em sua maioria de claro apelo eróticos. A “sociedade do trabalho abstrato” é a sociedade do engodo e da manipulação da subjetividade do trabalho vivo. A forma predominante da manipulação social ocorre através da pletora de imagens-fetiches que seduzem corações e mentes com apelos comerciais do consumo ou da política. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Giovanni Alves - UNESP

22 A marca A marca é um tipo de imagem-fetiche que representa o valor da empresa, valor estranhado que se valoriza (e desvaloriza) de acordo com o jogo do mercado. A Marca compõe o imaginário da natureza social do capital. Como capital social abstrato, ela é produzida (e reproduzida) cotidianamente no imaginário de homens e mulheres. A marca da sociedade anônima não possui rosto, mas apenas vigor imagético. É um ícone social e simbólico, extensão virtual do capital social abstrato. É importante lembrar que a mercadoria é, acima de tudo, imagem, que se traduz hoje, na marca do negócio. Nesta cena, a marca Arcadia, grande empresa da indústria de papel, objeto de desejo do sonho salarial de Bruno Davert. Ao cometer suas atrocidades, Bruno têm em mente ocupar uma vaga de emprego na Arcadia. É por ele que executa seus concorrentes. A marca Arcadia é o mito mobilizador de seu instinto assassino. O nome Arcadia – marca da grande empresa ligada a indústria de papel, significa o lugar mítico onde o homem vive em plena comunhão com a natureza. Em termos geográficos, a Arcádia é a parte central, que se prolonga para nordeste, da península do Peloponeso. É a terra dos pastores, paraíso de felicidade, onde, na mítica idade do ouro, o homem convivia livremente com os deuses e se nutria dos bens que a terra lhe prodigalizava. É irônico que no filme “O Corte”, Arcadia seja a marca de uma empresa ligada a indústria de papel, uma das indústrias mais contestada pelo movimento ecológico.. Giovanni Alves - UNESP

23 A sociedade do espetaculo
A sociedade burguesa tardia é a sociedade do espetáculo (Guy Debord). O sóciometabolismo do capital, espetaculariza os eventos cotidianos, equalizando-os como espetáculos ou imagens consumidas por sujeitos contemplativos. Tornam-se eventos-mercadorias – imagéticos e virtuais. Na tela da TV, reduz-se os eventos transmitidos à espetáculos sensacionalistas. Eles são apresentados como eventos esportivos ou desfiles de moda. A banalização da tragédia sociais é um modo de reiterar a ordem sociometabólica do capital. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo O filho de Bruno Devert, Maxime mostra à família a reportagem na TV que trata do assassinato do engenheiro da indústria de papel e de sua mulher. A filha observa: “Ela está toda produzida hoje. Como estivesse apresentando um desfile de moda.” No filme “O corte”, a filha do casal é uma menina de observações mordazes. Por exemplo, é ela que, numa cena de diálogo familiar, após o irmão dizer que os fins nunca justificam os meios, retruca: “Menos para tirar o filho da cadeia” Giovanni Alves - UNESP

24 Confissão virtual A incapacidade de enfrentar o próximo, expondo-se à presença do Outro como sujeito moral é um traço de sujeitos dessefetivados em sua dignidade moral. O virtual torna-se, deste modo, uma prótese da sociabilidade negada e em desefetivação. Ao se confessar, em sua aguda solidão, o sujeito dessefetivado do contato direto com o Outro como sujeito moral, submerge em seu particularismo. É mais um sintoma dos laços sociais fraturados pelo estranhamento social. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Bruno Davert utiliza o pequeno gravador digital que ganhara de presente da empresa para confessar suas atrocidades. É uma confissão virtual. Como Jean-Marc Faure, no filme “O Adversário”, Bruno decide confessar e cometer suicídio, abandonando seu plano macabro. Mas a confissão virtual torna-se mera via de catarse que o liberta do medo de prosseguir em seu insano plano criminoso.. Giovanni Alves - UNESP

25 Sociedade da Imagem Na sociedade do espetáculo, as imagem-fetiches são elementos organizadores da aparição social. É preciso adequar-se aos requisitos da ordem burguesa. O parecer ser é mais importante do que o ser (e inclusive o ter). Na busca de emprego, o ritual das entrevistas exige do candidato, plena desenvoltura na sua Imagem. Deve-se incorporar nela valores caros à ordem disciplinar do trabalho estranhado . A valorização do “sorriso” é o sinal imagético do consentimento à ordem estranhada do capital. Sorrir desarma o pensamento negativo, além de significar abertura para atitudes pró-ativas e propositivas. Do “sorriso” às idéias criativas que contribuem para a produtividade – eis o caminho da “captura” da subjetividade do trabalho pelo capital. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Nesta cena do filme “O Corte”, Bruno Davert prepara seus curriculum vitae com foto para enviar para as empresas. A esposa observa que ele deve usar uma foto “mais relaxada” (ele se irrita e diz que não é bom em se promover). Mais tarde, o filho iria lhe abordar e dizer que, caso ele esteja indo para uma entrevista, deveria “sorrir”. Tanto a mulher, quanto o filho, sabem mais que Bruno dos requisitos formais exigidos pela sociedade da imagem. As empresas preferem pessoas relaxadas e que expressem, se em sua face, satisfação com o mundo (o sorriso é fundamental, mesmo que você esteja indo para o matadouro...). Giovanni Alves - UNESP

26 A imagem do capital Sob o capitalismo midiático, a imagem do empregado é, de certo modo, a imagem da empresa, imagem midiática que possui um valor no mercado de capitais. Na medida em que cuida de sua Imagem, o empregado agrega valor à marca da empresa. Constrói-se uma imagem como se produz um produto-mercadoria, artigo de luxo, delicado e complexo. Ao expor-se nos aparatos midiáticos, o que vale é o que parece ser. A partir dele, se constrói efetivamente o metabolismo social. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Bruno Davert observa na TV uma propaganda da Arcadia, a empresa dos seus sonhos. O gerente de produção Raymond Machefer apresenta uma máquina que produz toneladas de papel a partir de papel reciclado. (eis uma metáfora do filme “O Corte” - papéis se reciclam – e os homens? Quem “reciclaria” os desempregados de longa duração?). Em sua fala, Machefer diz: “Nossas ações subiram devido a nossa experiência”. É um auto-engano: a subida de ações pode representar um movimento especulativo a partir de sinais de maior produtividade e lucratividade futura da empresa (no mundo do capital, maior produtividade significa mais redundância da força de trabalho e portanto, mais desemprego) Esta cena do filme “O Corte” é fundamental – nela o filho Máxime sugere, a título de brincadeira, a eliminação do gerente de produção da Arcadia. Diz ele: “Vou acabar com ele para você ficar com a vaga”. Mas Bruno sabe que não adianta – ele não seria o único candidato (‘Máxime, ainda brincando com o controle remoto diz: “Vou ressuscitá-lo”). E Bruno diz para si (dando o exemplo do pensamento particularista): “Esse cara pegou sua vaga. Eu tinha que descobrir quantos caras qualificados com fotos sensuais estavam à minha frente.” Giovanni Alves - UNESP

27 Geração “virtual” A subjetivação pela imagem-fetiche nos educa para o fingimento e a trapaça (pode-se fingir o que se deseja como sonho particularista). Trata-se de um jogo virtual que se torna corriqueiro devido a subjetivação pela virtualidade que se dissemina na “sociedade em rede”. Por exemplo, com o videogame finge-se ser o que está na tela. A tela é a realidade virtual que nos envolve (ou nos in-corpora). Tornamo-nos “sujeitos virtuais” ou simulacros de sujeitos humanos. A juventude que nasce sob o mundo social das novas tecnologias de subjetivação virtual incorpora, com vigor, os novos referentes da individuação. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Máxime brinca com o controle remoto da TV, primeiro, “matando” o gerente de produção da Arcadia, que ocupa uma suposta vaga que poderia ser de seu pai. E depois, o “ressuscita”, apenas manipulando o controle remoto da TV. Como um videogame, “mata-se” e “ressuscita-se”, sem maiores conseqüências. A geração de Máxime é a geração da virtualidade. Noutra cena do filme, em que a família está almoçando ao ar livre, dialogando, Máxime é repreendido pela mãe por querer jogar, à mesa, videogame portátil . Giovanni Alves - UNESP

28 Sociedade do Fingimento
A sociedade do espetáculo e das imagens-fetiches é a sociedade do fingimento , que aparece como estratégia particularista de sobrevivência diante das injunções sistêmicas. É sintoma da corrosão moral e da intransparência social. Na verdade, a sociedade do fetichismo é a sociedade do fingimento. O fetichismo oculta a verdade das coisas. O fetichismo da mercadoria oculta a verdade da mercadoria: ser produto do trabalho social. Mas a mercadoria “finge” ser mero objeto de desejo. O fingimento é a atitude do sujeito desefetivado, “sujeito pós-moderno”, homens e mulheres de identidades fluidas e incapaz de auto-referencia moral. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Pela manhã cedo, os policiais chegam para revistar a casa dos Davert. Bruno aconselha a filha Betty a fingir: “Finja que acabou de acordar. Não abra na primeira. Diga que estamos dormindo.” Mentir e fingir tornam-se regras de sobrevivência no mundo sistêmico do capital. Ao agir desta forma, Bruno “educa”, quase subliminarmente, a filha (e o filho) nas regras “morais” da ordem burguesa. Giovanni Alves - UNESP

29 Sociedade da Trapaça O fingimento é forma de trapacear e afirmar interesses particularistas, desprezando, deste modo, o movimento social. É sintoma da dessocialização e desefetivação dos laços sociais. É a negação do diálogo e da ação comunicativa entre sujeitos morais. Ao trapacear por meio do fingimento, o sujeito desefetivado afirma sua vontade egoísta no mundo do capital marcado pela guerra de todos contra todos. A trapaça é a moral do mercado desregulado, onde se busca afirmar, não a vontade coletiva, mas a vontade do individuo reduzido ao estado de particularidade. O fingimento e a trapaça como sintomas da barbárie social, tendem a subverter a reprodução social. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Um casal consegue “furar” o bloqueio da manifestação grevista de lixeiros em Paris, mentindo e trapaceando. Diz o homem: “Minha esposa está doente. Estou indo para o hospital”. O policial que controla o tráfego, diz: “Ninguém pode passar”. Mas o homem insiste, apelando para a auto-piedade do policial: “Tenha dó. E se fosse com você?”. Ele consegue passar, sendo seguido por Bruno, que aproveita-se da situação. Logo adiante, o homem caçoa dos grevistas: “E eles acreditaram!”. Bruno faz um sinal obsceno para o homem. Ao educar os filhos para o mundo social da trapaça e mentira , Bruno apenas o reitera. Giovanni Alves - UNESP

30 O sociometabolismo da barbarie
Com a barbárie social, uma forma de “regressividade” histórica, repõe-se elementos sociometabólicos de sociedades tribais nas condições de um processo civilizatório avançado. Na verdade, a adoção de práticas coletivas de cariz tribal é expressão do contraste paradoxal, agudamente contraditório da modernidade tardia do capital, isto é, uma sociedade onde o trabalho está objetivamente socializado, mas que preserva e reproduz relações sociais privatistas. A “regressividade” é mera aparência desta contradição essencial. Os rituais coletivos de cariz particularistas – práticas tribais – que simulam a ativação coletiva para a guerra social explicitam a contradição social candente. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Bruno Davert presencia cenas inusitada ao circular pela cidade: primeiro, uma família liquida todos os bens para obter dinheiro (“Preciso de dinheiro – Vendo tudo”). Diz o cartaz: “Je liquid tout” (as coisas tornam-se “liquidas “tanto quanto os homens). Na verdade, os proletários “excluídos” são “sujeitos monetários sem dinheiro”(Kurz). Depois, a exibição performática de um grupo de percussão musical ao estilo tribal. Outra cena é a de um grupo de homens uniformizados que, num estilo marcial, se desestressam praticando tiro. Estas cenas explicitam elementos de uma “regressividade” histórico-social : elementos tribais repostos na sociedade da precarização do trabalho (a sociedade do stress). Giovanni Alves - UNESP

31 Limpeza e sujeira social
A produção de uma população sobrante às necessidades de acumulação do capital, explicita a irracionalidade da ordem burguesa. Por um lado, uma preocupação com limpeza e ordem e por outro, um mecanismo social que produz a superfluidade da força de trabalho. Não se contesta que os downsizing das empresas “poluam” a Natureza social, destruindo planos de carreira e a ordem pessoal e familiar do homem. Nem se contesta que o desemprego de longa duração “suje” o metabolismo social, degradando as relações sociais e o trato humano interpessoal. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Bruno Defort é um transgressor compulsivo das etiquetas sociais burguesas. O policial observa: “Não jogue lixo na rua para se acalmar”. E diz: “É perigoso também”. Noutra cena, ao jogar, no rio, a luger que utilizou nos assassinatos, é pego de surpreso por um desconhecido que grita: “Poluidor!”. Ora, como ser “limpo” numa “sociedade suja” (a sociedade do capital)? – é outra questão moral suscitada pelo filme “O Corte”. Giovanni Alves - UNESP

32 O mundo social na TV Na tela da TV expõe-se a cena social do mundo, literal ou metaforicamente. A recorrência a temas de violência exacerbada explicita um traço candente da ordem social dilacerada pelo estranhamento e múltiplos fetichismos. A violência está na tela virtual da TV porque antes, está no mundo real da sociedade burguesa. Aliás, a midiatificação da violência social é um modo da sociedade auto-banalizar seu próprio flagelo, passando a encará-lo como algo natural com o qual se deve conviver. A banalização do mal é a ante-sala dos fascismos do cotidiano. Na medida em que não se indigna com o “mal social”(e a indignação é um valor moral), o “mal social” se reproduz, tornando-se uma “segunda natureza” que se impõe a todos nós. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Ao acordar na madrugada, Bruno Davert está diante de uma TV ligada. Passa um filme noir não-identificado, filme policial, de perseguição sinistra, rostos aterrorizados, quase um pesadelo. É quase que a metáfora visual de sua vida oculta como serial killer salarial. Giovanni Alves - UNESP

33 Egoísmo e Precariedade
O desemprego de longa duração (o trabalho precário,) exerce, um efeito desgastante nas relações humano-sociais. A rotina da “exclusão social” na sociedade do trabalho é a rotina da barbarização à prazo, principalmente no caso do “homem provedor”, o chefe de família desempregado, que se torna, muitas vezes sem o saber, cada vez mais, auto-centrado, egoísta, imersos no particularismo que o consome. Na medida em que o emprego digno na sociedade salarial é um passe de identidade social, o desempregado está imerso num processo reverso de auto-identidade e referência pessoal. É um modo de desmontar a personalidade social, cujo subproduto é o egoísmo e a concorrência dilacerante. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Num certo momento, numa tomada de cena de cima para baixo, Costa-Gavras coloca Bruno Davert, no alto da escada, observando a mulher sair para o trabalho. O homem provedor fica em casa e a mulher, “rainha do lar” no imaginário fordista-keynesiano, sai para o trabalho precário. Ele pensa consigo mesmo: “Tornei-me hostil e anti-social”. E arremeta: “Marlene tinha dois empregos”. A condição critica da ordem burguesa inverte a normalidade social (e moral). Percebemos que Bruno tornou-se um homem amargurado, ressentido e pragmático. Giovanni Alves - UNESP

34 Síndrome da precarização
A precarização do trabalho é um processo de perda paulatina do padrão de vida do mundo do trabalho. É uma síndrome social que desgasta a objetividade (e subjetividade) da força de trabalho e do trabalho vivo. Precarização é desefetivação ou perda da percepção de realidade. Ela corrói laços sociais (e psicológicos) do individuo com o mundo social. Naquele continuum de tempo, desgastam-se, por exemplo, hábitos de consumo que são elementos de auto-identidade de classe. Precarização do trabalho é precarização da vida, porque o trabalho (ou emprego digno) na sociedade salarial é a fonte de rendimentos capazes de permitir acesso às mercadorias de consumo, não apenas objetos de necessidade necessária, mas objetos de distinção e de auto-referencia social. Na medida em que o “proletário de ‘classe média’” perde acesso às mercadorias de distinção social, temos a experiência vivida e percebida da precarização da vida, extensão da precarização do trabalho como identidade social. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Nesta cena, Bruno Davert observa pela janela, a mulher pegando carona com o vizinho, também desempregado. Marlene vai para o trabalho, um emprego precário part-time. Ele pensa no passado, quando, ao ser empregado dos papéis Kamer, tinha dois carros. Hoje, tem apenas um carro, que utiliza para procurar emprego. Mas Bruno – com ciúmes – não deixou de reconhecer uma “positividade” na desgraça da precarização: eles conheceram o vizinho, que passou a dar carona para Marlene. Giovanni Alves - UNESP

35 O drama do desemprego O desmonte da relação salarial fordista-keynesiana, um tipo de salariato vinculado ao modo de desenvolvimento keynesiano/regime de acumulação fordista que marcou o capitalismo do pós-guerra, implicou na migração de um contingente da força de trabalho para relações salariais de emprego precário, part-time, casual, descontinuo, desqualificante, trabalho alienado insatisfatório, aquém das habilidades profissionais de seus ocupantes. É a proletarização de contingentes de assalariados médios, “proletários de ‘classe média’” que se reencontram com sua condição de proletariedade. Altera-se a morfologia do trabalho social. A cena urbano-social é marcada pelos personagens à deriva, desempregados, alguns ociosos, outros a procura de emprego e outros em empregos precários. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo A cena do bar em que Bruno Davert dialoga com Etienne Barnett é interessantíssima. Expõe um personagem “proletário de ‘classe média’”que vive também o mesmo drama de Bruno: o desemprego de longa duração. Barnett trabalho como garçom. Diz ele: “Trabalhei 16 anos numa empresa, depois fui demitido.” Na cena, Barnett é amável com Bruno, oferecendo-lhe vinho, sem imaginar que Bruno será seu algoz. Como garçon, Barnett diz pensar muito (“É tudo que me resta fazer como garçom”). Giovanni Alves - UNESP

36 Homem dividido No bar “L ‘Étape”, onde Ettiene Barnett trabalha como garçom, Bruno se vê refletido no espelho do bar. Sua imagem está bipartida. É a metáfora do homem burguês em crise, dividido entre a condição de individualidade de classe egoísta, pragmática, que busca preservar sua força de trabalho como mercadoria; e a condição de individualidade pessoal que aspira alcançar a genericidade humana e que cultiva valores humanistas. Bruno busca “reprimir” seus impulsos humanistas para se adequar à ordem burguesa (Ser humanista na ordem anti-humanista seria pura loucura! – pensaria ele) É o senso de pragmatismo que leva Bruno a matar seu concorrente. Pelo emprego, ele é capaz de fazer tudo (é interessante que Etienne Barnett é da mesma estirpe de homem burguês, alucinado pela precarização salarial e com idéias fascistas na cabeça – Barnett sugere, por exemplo, “eliminar”os velhinhos para resolver o problema da economia nacional). Giovanni Alves - UNESP

37 Modernidade desumana Ao pedir uma dica de hotel próximo, Etienne Barnett sugere a Bruno um hotel moderno – “moderno, mas sem nenhum contato humano”. É um “hotel horrível”, segundo ele. Bruno que busca incorporar o espírito do serial killer salarial, observa: “Ótimo. Sem contato humano”. Ele sabe que ao praticar atos desumanos deve-se evitar qualquer vislumbramento de humanidade. É por isso que ele evita se envolver humanamente com o garçom Etienne Barnett, sua próxima vítima. O hotel onde se hospedará Bruno Davert - “moderno, mas sem nenhum contato humano” – é a metáfora da modernidade do capital em sua condição critica. Talvez, outra metáfora do inconsciente da ordem burguesa desumana, constituída por homens psicóticos, divididos em si e para si, seja o Bates Hotel, no filme “Psicose” de Alfred Hitchcock. Logo na entrada do motel indicado por Etieene Barnett, “moderno, mas sem nenhum contato humano”, a imagem de uma mão segurando um relógio... Giovanni Alves - UNESP

38 Era insana Henri Birsch observa que vive-se uma era insana. Em sua condição critica, a ordem burguesa é ordem de loucuras sistêmicas, onde homens proletarizados ou homens que vislumbram a condição de proletariedade e tiornam-se homens enlouquecidos. Mas a loucura da ordem burguesa é objetivamente discernível: é a ordem da produção destrutiva, com destaque para a destruição do trabalho vivo e da força de trabalho, explicitada pela disseminação do desemprego de longa duração que atinge um imenso contingente de trabalhadores qualificados. Como observa Birsch: “’Nós nos livramos das pessoas quando estão no auge da produção”. Isto é não apenas produção destrutiva, mas autodestruição. Giovanni Alves - UNESP

39 Tudo por emprego Ettiene Barnett se revela como sendo alguém da mesma estirpe sócio-psicológica de Bruno Davert. Aliás, eles são “proletários de ‘classe média’” que vislumbram a condição de proletariedade. Quando Barnett propõe a eliminação dos velhinhos para salvar a economia nacional, Bruno observa, para Barnett, quase se traindo, que o desemprego de longa duração “está deixando você maluco também”. Mas logo a seguir, como ser dividido, imerso em contradições ideológico-pessoais, Barnett faz uma observação lúcida, mas derrotista: “Mas não pode enfrentar o avanço do capitalismo”. Pela primeira vez no filme, surge a palavra: “capitalismo”. Eis a questão. Giovanni Alves - UNESP

40 O homem como centro de tudo
Ettiene Barnett oscila de opiniões cripto-fascista a idéias de um socialista desesperado. É uma personalidade confusa, dividida entre o pragmatismo e a aspiração a genericidade humana. A idéia de ”tornar os seres humanos no centro de tudo” é a idéia do socialismo. Mas Bruno Davert, num impulso de classe, é pessimista. Observa: “Mas é tarde demais”. Bruno incorpora a ótica da “pequeno burguesia assalariada” que vislumbra sua condição de proletariedade e que, marcada pelo individualismo , não vê saídas históricas efetivas. Na verdade, a única saída histórica efetiva é a saída coletiva na perspectiva política (e social) da consciência de classe. Entretanto, ela não se põe, hoje, no horizonte histórico destes personagens. Giovanni Alves - UNESP

41 O drama da exclusão A busca cotidiana por emprego dignos, alimentada pela perspectiva de empregabilidade, é uma forma contingente de dar sentido à vida de proletários desempregados. Na medida em que o tempo passa, pode ocorrer o desalento que acompanha o desemprego de longa duração. Ao abandonar, de vez, a busca por emprego de acordo com as qualificações profissionais construídas no decorrer da carreira social, ocorre a “exclusão”, o desligamento do empregado ou operário do circuito liquido da população produtiva. Ele não consegue fluir mais, mas fica estagnado nos empregos precários insatisfatórios. Para alguns, significa a “morte social”. Na verdade, a “exclusão” é a nova forma de desligamento/inclusão precária de assalariados precarizados. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo No diálogo com um vendedor de roupas masculina, engenheiro de papel desempregado há 5 anos, vítima do desemprego de longa duração, Bruno conhece outro aspecto do “desmonte” da subjetividade pessoal do homem desempregado: a auto-imputacão do fracasso. O vendedor é a própria expressão da desefetivação humana. Perdeu o emprego e um anos depois, perdeu a mulher. Não consegue mais ver perspectivas de empregabilidade e afirmação pessoal. É um homem à deriva. Giovanni Alves - UNESP

42 A auto-imputação do fracasso
A ordem burguesa em condição critica é uma máquina de produção destrutiva (e auto-destrutiva). Dilacera a auto-estima e cria um complexo mecanismo de culpabilização das vítimas de desemprego. Querem-lhe imputar a imagem de fracassados. A pessoa humana carrega toda a culpa do mundo. O sentimento de culpa é um sentimento atroz (que o diga Joseph K., de “O Processo”, de Franz Kafka). O vendedor de ternos é uma figura triste. Ele observa: “Depois de ficar desempregado por 5 anos, você é um fracasso”. Eis a palavra maldita na ordem do sucesso: fracasso (Bruno reitera, concordando: “fracasso”). Mais tarde, o vendedor iria cometer suicídio, para a felicidade salarial (e familiar) de Bruno Davert (o investigador policial irá imputar ao vendedor a culpa pelos assassinatos em série). É curioso que, tal como na ordem do capital, uma provável vítimas de Bruno Davert é que irá receber, post mortem, a imputação de “culpada”. Giovanni Alves - UNESP

43 Reflexividade perversa
Eles dialogam num pequeno provador de roupas com espelhos nas laterais, criando um ambiente de reflexividade literal. Na verdade, uma imagem reitera a outra e perpetua o jogo da aparência. A mise-en-scene sugere, a título de metáfora, a perversa reflexividade da ordem burguesa, onde quem tem mais, acumula (sempre) mais. As políticas neoliberais salientam a mesma lógica da reflexividade perversa. No mercado de trabalho, ela é aplicada da mesma forma: empregados e operários que não estejam no mercado do trabalho há muito tempo, perdem, aos poucos , a chance de serem “incluídos”. E ao não serem empregados, ficam afastados irremediavelmente do mercado de trabalho. Outra situação ocorre com aqueles que não conseguem emprego porque não tem experiência profissional; e não tem experiência profissional, porque não lhe dão a chance de terem o primeiro emprego. Giovanni Alves - UNESP

44 “Proletários de ‘classe média’”
Os “proletários de ‘classe média’” são um contingente específico de proletários afetados de negação em sua possibilidade de virem a desenvolver uma consciência de classe do proletariado e portanto, pertencerem efetivamente à classe do proletariado . A consciência de classe é “deslocada” pela estratificação social (status e prestigio social), que decorre da posse de habilidades técnico-profissionais, posse de prerrogativas de poder e posse de objetos de consumo de distinção e ostentação. Os “proletários de ‘classe média’” cultivam um determinado tipo de cultura familiar (a família nuclear) e possuem determinadas práticas de lazer e entretenimento, circulando por determinados ambientes privilegiados da sociedade burguesa (por exemplo, shopping centers, verdadeiros templo da modernidade do consumo de distinção e ostentação. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Ao seguir sua próxima vítima, Bruno Davert a segue até o hipermercado do lar, bastante sortido, lugar sofisticado, ambiente típico para “proletários de ‘classe média’”que cultivam o ambiente da casa luxuosa como espaço sagrada (quase mágico) na estrutura social. É curioso o detalhe dos anõezinhos de jardim, ícone kitsch para decorar casa de assalariados de “classe média”. Anõezinhos de jardim da casa do gerente desempregado no filme “Ou Tudo Ou Nada”, de Peter Cattaneo, filme inglês que trata de desempregados. Giovanni Alves - UNESP

45 Marginalidade A proletarização de assalariados médios, “proletários de ‘classe média’” que reencontram a condição de proletariedade, constitui a nova marginalidade social que cresce nas metrópoles e seus subúrbios, reencontrando-se com a velha marginalidade social urbana, que atinge setores historicamente excluídos das realizações de consumo da sociedade burguesa tardia (o maior índice de desemprego na França, por exemplo, é entre jovens e imigrantes). A cena urbana do capitalismo “pós-moderno”é constituído pelo encontro multi-temporal de velhas e novas “manchas sociais” de exclusão e precarização social. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Ao perseguir sua próxima vítima, pelas ruas de um bairro suburbano de classe média, Bruno Davert, “proletário de ‘classe média’” marginalizado, se depara com policiais perseguindo jovens delinqüentes. O mundo social de “O corte” é o mundo da marginalidade social ampliada. A condição de proletariedade se explicita para amplas camadas sociais – inclusive de “classe média”. Giovanni Alves - UNESP

46 Sonhos O sonho do “proletário de classe média” desempregado é voltar à sua terra prometida de prestigio social e status profissional. Ela é fonte de rendimentos de consumo de distinção e ostentação que lhe propicia um vinculo específico de classe, controverso mas efetivo. Ele vive o desemprego como flagelo individual, não questionando suas conexões sociais com a ordem da exploração e espoliação. Está imbuído do espírito de concorrência com o outro , que implica o exercício voraz do consentimento à valores sistêmicos. Apesar dos pequenos surtos de consciencia critico-particularista, cultiva os valores da ordem vigente. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Bruno Davert adormece na confortável poltrona do escritório na mansão de Raymond Machefer, sua próxima vítima. Sonha com o emprego na Arcadia. Como na inserção publicitária na TV, onde Machefer fala do processo de produção do papel, Bruno Davert demonstra desenvoltura ao explicar o “milagre” da produtividade na Arcadia. Esta cena possui a estrutura onírica – a justaposição de motivos com significados contrapostos, criando um significante absurdo, isto é, sem significado efetivo na realidade (o que é a estrutura da ideologia como falsa representação do real). Ao afirmar na cena do sonho que “o que importa é que o homem está no centro disso”, Bruno, homem dividido, mistura, no subconsciente, uma afirmação de Ettiene Barnett, uma de suas vítimas (uma afirmação que ele concordou intimamente), com seu desejo íntimo de ser o gestor do capital. Ora, é um significante absurdo imaginar que, sob a ordem do capital, o homem possa ser o centro. Giovanni Alves - UNESP

47 Ideologia O sonho ideológico de Bruno Davert contém outras “pérolas” do subconsciente delirante de um “proletário de ‘classe média’” que busca compatibilizar, no desejo, os interesses da ordem sistêmicas do capital com as aspirações de uma sociedade emancipada do trabalho. Assim ele diz: “Aqui a automação vem depois do homem”. E ainda: “Meu objetivo: melhoria das condições de trabalho com aumento de produtividade.” Ora, pode-se até melhorar as condições de trabalho, mas a fábrica torna-se uma fábrica enxuta. Resultado: incrementa-se a superpopulação relativa e a precarização do trabalho e da vida social. Giovanni Alves - UNESP

48 Fascism is alive! O espectro do fascismo ronda a ordem burguesa. Ele apareceu no século XX como a ideologia política do capitalismo em sua fase critica, sob determinadas condições da luta de classe (o avanço político do proletariado no contexto da Revolução Russa). Caracterizou-se pelo poder autocrático (e personalista) do Estado político a serviço dos interesses do grande capital. Sustentou-se na aguda manipulação das massas em prol de interesses nacionalistas de caráter bélico-expansionista. Autocracia burguesa, manipulação das massas e interesses bélico-nacionalistas caracterizaram o fascismo histórico. Mas o fascismo não é apenas uma ideologia política, mas uma forma de irracionalismo e metabolismo social que expressa, em síntese, em situações do cotidiano, o desprezo agudo pela dignidade humana em prol de interesses abstratos (a Nação ou o mercado). Em função destas abstrações mata-se (e dilacera-se) a vida social. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Bruno Davert recupera como arma de “guerra”, uma velha pistola nazista, uma luger guardada pelo seu falecido pai, que matara alguns inimigos na II guerra mundial. Bruno diz que, ele tinha, como se diz no mundo dos negócios, “talento para esse tipo de coisa.” O pai falecera de câncer de pulmão. Provocado por cigarros. Diz ele: “Morto por caras legais que vivem vendendo a morte e tremendo de medo de perder o emprego.” Giovanni Alves - UNESP

49 Sociedade do Controle A entrevista é um momento importante na seleção da força de trabalho mais qualificada a ser contratada pela grande empresa capitalista. Ao mesmo tempo que o capital promove a superfluidade da força de trabalho, promovendo o downsizing, ele adota procedimentos sofisticados de intenso controle do trabalho, não apenas no escritório ou chão de fábrica, mas, por exemplo, no ato de seleção dos novos empregados. Ora, o aumento do controle do trabalho vivo e da força de trabalho empregada, em suas várias instâncias produtivas (e sócio-reprodutivas) e a superfluidificação da força de trabalho com a ampliação da superpopulação relativa – desempregada ou imersa em empregos precários - são movimentos intensamente contraditórios do capital em processo. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo A cena da entrevista é deveras preciosa, contendo inúmeros elementos de reflexão sobre a realidade intransparente dos processos de seleção empresarial e os critérios de inserção profissional no mundo do trabalho. A primeira cena é uma curiosa gravura de estilo abstrato na sala de espera da seção de Recursos Humanos. Parece sugerir traços do mapa europeu permeado de cédulas de dinheiro (arte tão abstrata quanto o projeto da União Européia do capital?). É o mundo do dinheiro que convulsiona o espaço-tempo da civilização. Destaca-se também na cena, o estilo inconformista de Bruno diante da venalidade pequeno-burguesa que predomina no meio empresarial. Giovanni Alves - UNESP

50 Homem inconformista Na sala de espera para a entrevista de emprego, tendo ao fundo a gravura abstrata do mapa da União Européia permeada de cédulas de euro, Bruno demonstrou ser um homem inconformista. Embora aparenta ser inconformista, Bruno dirige seu inconformista para objetivos particularistas. Eis sua candente contradição íntima – por um lado, contesta com acidez o sistema e, ao mesmo tempo, quer ser parte dele. Giovanni Alves - UNESP

51 O Deus particularista A prece de Bruno é uma prece particularista. Ele apela para seu Deus em prol de seus interesses particulares. Cada individualidade de classe possui seu “Deus” como representação alienada invertida de sua impotência radical diante do mundo da contingência. Giovanni Alves - UNESP

52 Design enxuto A sala de entrevista possui um design construído para deixar entrevistadora e entrevistado face-to-face num entorno abstrato – tão abstrato quanto a lógica do capital. Apenas um notebook numa mesa de reuniões e nada mais. Note-se o estilo clean do traje da entrevistadora e sua expressão sóbria, quase sisuda, em contraste com o sorriso largo que se exige dos candidatos a emprego. Um detalhe, logo percebido por Bruno: uma câmera vigia o ambiente da entrevista. Na verdade, ela focaliza a entrevistadora. Ela diz: “Está me observando”. No mundo do trabalho abstrato, o controle é totalizante e totalizador, implicando, inclusive os gestores do capital. Giovanni Alves - UNESP

53 Paradoxos Na entrevista de Bruno, salienta-se sua alta qualificação. Como disse a entrevistadora, seu currículo é impressionante. Entretanto, na empresa onde ele tenta colocação, as inovações tecnológicas, segundo a entrevistadora, são limitadas. Nesse caso, na ótica do capital , qualificação demais é desperdício. A empresa poderia contratar alguém menos qualificado e com menor salário – inclusive contratando uma mulher. Ao ser inquirido se não é qualificado demais, Bruno argumenta, na ótica do valor de uso (e não do valor de troca) que, “quem sabe fazer mais, pode fazer menos.” Entretanto, os gestores empresarias sabem que, quem sabe fazer mais e ganha menos, pode ter dificuldades de motivação e desempenho. Giovanni Alves - UNESP

54 A aprendizagem de Bruno
A lógica do capital age no longo prazo – além de ser, é claro, reiterativa. Os benefícios empresariais atuam no curto prazo, buscando o consentimento do trabalho às injunções da produção de mercadoria. Aliás, a ordem burguesa busca construir subjetividades do trabalho que adotem horizontes imediatistas. Essa diferença de temporalidades contribuem para a manipulação do capital. Ao ser inquirido o que aprendeu com o desemprego, Bruno Davert faz a seguinte observação: “Que os efeitos a longo prazo destroem os benefícios a curto prazo.” Ora, Bruno é um homem sagaz e inteligente, capaz de apreender a lógica da precarização do trabalho e as armadilhas do consentimento empresarial. Os benefícios a curto prazo auferidos por ele na fábrica de papeis Kamer, foram destruídos no decorrer do seu desemprego de longa duração. Entretanto, a aprendizagem de Bruno não se traduziu numa consciência de classe necessária sobre a lógica do capital. Giovanni Alves - UNESP

55 Sociedade da Não-Comunicação
O sociometabólismo da barbárie é marcada pela impossibilidade da ação comunicativa. A não-comunicação é o conteúdo da violência molecular que dilacera as relações sócio-afetivas. Na medida em que tempo de vida reduz-se a tempo de trabalho estranhado – e o desempregado está imerso no tempo de trabalho negativo, corrói-se o campo de desenvolvimento humano, que é o tempo para si, tempo de vida comunicativa não mediada por interesses sistêmicos. As terapias aparecem como tentativas de recomposição de individualidades danificadas pelo sociometabolismo do capital. Entretanto, elas agem nos efeitos e não nas causas. Por exemplo, ao dizer que, “desabafar nos impede de ficarmos paranóicos”, atua-se na mera epiderme da relação social dilacerada. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo O casal Davert, devido a insistência de Marlene, busca um conselheiro matrimonial. O casal está em crise. O psicólogo diz: “Meu trabalho não é dar-lhe uma solução, mas ajudá-los a encontrar suas próprias forças e suas expectativas.” E arremata: “Recuperar o que tinham”. Na verdade, ao ser inquirida diretamente por que tinha marcado a sessão, Marlene disse: “Para poder falar com meu marido”. Ela reclama que, com o desemprego de longa duração, ele se distanciou e ficou calado. Diz, quase paranóica: “As vezes, ele me olha como se fosse tudo a minha culpa”. E desabafa: “O que eu preciso é de um lugar para ser feliz. Um lugar quer dizer estar com alguém com quem se possa conversar e dar risadas.” Na verdade, a falta de comunicação do casal cria uma série de fantasmas que corrói a relação conjugal. A não-comunicação é uma forma de desefetivação da relação social. Giovanni Alves - UNESP

56 Sociedade da conformação
Na linguagem técnica da Química, conformação significa “Qualquer das formas espaciais que uma molécula pode assumir, sem que seja rompida qualquer ligação”. Na medida em que dilacera laços sociais e coletivos do trabalho pela reestruturação produtiva, o capital como modo de controle estranhado do metabolismo social dissemina técnicas de conformação, isto é, práticas e discursos institucionalizados que buscam conformar o “sujeito desefetivado” com a nova situação critica. Por exemplo, a resiliência é uma prática valorativa de conformação social, que visa evitar o rompimento da ordem social estranhada. As terapias contém a ideologia da conformação, na medida em que buscam formar indivíduos positivos, alienados de coletividades, capazes de assumir nova forma pessoal, sem romper laços funcionais com o organismo burguês. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo O terapeuta Quinlan quer saber de Bruno o que ele sentiu quando foi demitido – raiva? medo? ressentimento? alivio?. Dessa vez o terapeuta quer que Bruno desabafe e fale da sua experiência de demitido. Bruno disse que não sentiu alivio porque gostava de seu trabalho. Mas depois sentiu raiva, medo e ressentimento. Quinlan questiona: “Por que?”. Alterado, Bruno pergunta: “O que eu devia sentir? Todos os desempregados sentem isso”. E Quinlan provoca: “Todos? Tem certeza?”.Nesse momento, Quinlan apresenta sua mensagem conformista e Bruno reage criticando-a e afirmando que trabalho não é tudo, mas sem ele não somos nada. Giovanni Alves - UNESP

57 Atitudes positivas Quinlan, o terapeuta, instiga Bruno a ver a situação de desempregado como uma oportunidade de vida, isto é, encarar a situação com uma atitude positiva. “Por que sentir raiva, medo, mágoas?” - interroga ele. É o discurso da conformação que está disseminado nas práticas de manipulação da subjetividade do trabalhador excluído (manipula-se não apenas o trabalhador empregado, mas também o trabalhador desempregado). Eles incentivam, como disse Bruno, o trabalhador desempregado a ser criativo e a encarar positivamente o problema. No mundo do capital, sob o capitalismo global, o capitalismo do trabalho redundante, busca-se formar não apenas para o emprego, mas principalmente para o desemprego estrutural. É o caso da psicologia da conformação e também da ideologia do empreendedorismo (dizem: adote uma atitude positiva e veja o desemprego como uma oportunidade para montar seu próprio negócio!) Giovanni Alves - UNESP

58 Trabalho e Vida Provocado por Quinlan, que, que no fundo, quer ver o cliente desabafar, Bruno exclama: “Tirando meu trabalho me tiraram a vida!”. Como trabalhador assalariado, comprometido com sua carreira profissional, Bruno tem a percepção clara do valor do emprego assalariado na estruturação do seu modo de vida. Ao mesmo tempo, faz uma observação perspicaz: “Trabalho não é tudo, mas sem ele, não somos nada”. É a afirmação de que vivemos numa sociedade salarial, isto é, uma sociedade (ainda) organizada irremediavelmente em torno do ideal de trabalho assalariado - sem ele, desefetiva-se a vida social. Giovanni Alves - UNESP

59 Cada um por si A reestruturação produtiva, ao destruir coletivos de trabalho organizados, impulsiona a dessocialização social, instaurando a barbárie social. Inimizades e pior, concorrência desenfreada e particularismo exacerbado – é o quadro da sociedade salarial negada no interior de si mesma, pelo movimento do capital. “Cada um por si e nada de Deus” – é o lema da barbárie social, uma sociedade onde tudo é válido. Mais uma vez, coloca-se uma questão moral imprescindível. A concorrência em si e para si – vinculada à lógica suprema da acumulação de valor e a constituição de sujeitos monetários, é a negação da ética. Dieu est mort! Giovanni Alves - UNESP

60 A União A idéia de coletividade social é uma força alienada na sociedade de capital, a sociedade do individualismo. Diante de condições criticas, impulsiona-se o individuo de classe à deriva para “saídas” individuais que apenas reiteram a ordem irracional do capital. Mesmo sujeitos imersos na contingência de mercado, podem perceber a insuficiência da ação individual que apenas reitera o metabolismo social que se quer combater em seus efeitos danosos. O capital é um modo de controle que só se combate por meio de ação (e formas) coletivas e socializadas, de caráter geral, sob pena das ações isoladas , parcelizadas e particularistas o reiterarem. A falta de união é expressão da fetichização social que fragmenta práticas e percepção sócio-humanas. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Num momento de lucidez, no ápice de sua deriva pessoal, após matar um de seus concorrentes, Bruno Davert, ao confessar virtualmente, faz uma observação interessante, Diz ele: “Deveríamos nos unir, não brigar por ninharia.” É o momento de percepção dos limites irremediáveis do particularismo e o valor da ação coletiva consciente numa perspectiva classista, única ação social capaz de fazer história. Giovanni Alves - UNESP

61 A luta pelo reconhecimento
Bruno Devert, em seu breve momento de lucidez desesperada, apreende o verdadeiro significado da barbárie social: a indiferença da classe dominante pelo destinos da classe dominada. Ora, a luta de classes é um momento imprescindível do processo civilizatório . Na verdade, as classes antagonistas se reconhecem por meio da luta. Na medida em que não há luta, não há sequer reconhecimento. É a barbárie social. Na medida em que houver união e luta, haverá reconhecimento de direitos – direitos antagônicos, é claro, que irão se resolver por meio da luta, isto é, da força como elemento crucial da política. A invisibilidade dos oprimidos e dominados é o verdadeiro significado da barbárie social. Uma das tarefas importantes da luta política dos dominados é tornar-se visível e ser reconhecido na cena histórica como sujeitos de direitos. Giovanni Alves - UNESP

62 O particularismo da concorrência
A lógica do particularismo da concorrência é a lógica do “levar vantagem”. Deve-se ganhar sempre, sob qualquer condição, utilizando quaisquer meios possíveis – e o principal: manter-se no “jogo de mercado”. Bruno Devert é um homem pragmático. Ao decidir matar seus concorrentes, busca assumir o emprego de seus sonhos: ser gerente de produção da Arcadia. Ele possui uma racionalidade atroz – não é como o mecânico, que, ao ser demitido, se mataria diante do chefe; e não é como Machefer, que mataria os diretores, responsáveis pela sua demissão. Acionistas e diretores – diz ele, “são meus inimigos, mas não são problema meu”. Na verdade, ele nada ganharia com atos “irracionais”. Poderia até se sentir bem, extravasando sua raiva e ressentimento. Mas seria sim, uma atitude de particularismo irracional nada prático. Não resolveria seu problema. O particularismo de Bruno é o particularismo do capital – possui a racionalidade de mercado, que visa resultados práticos, perseguindo metas factíveis. Na verdade, Bruno incorpora a lógica da concorrência em si e para si. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Giovanni Alves - UNESP

63 Quem vai poupar nossa humanidade?
A barbárie social decorre de um movimento de controle sociometabólico auto-reiterativo. Na medida em que se constitui como sistema, a barbárie social e seus procedimentos sistêmicos se reiteram, voltando sempre a acontecer. O capital possui uma temporalidade reiterativa que se auto-perpetua, dilacerando homens e mulheres. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo A cena final, que não consta no romance de Donald E. Westlake, mas apenas no filme de Costa-Gavras, uma mulher assiste em seu laptop um spot publicitário da Arcadia. O novo gerente de produção, Bruno Davert, fala das estratégias de futuro da grande empresa. Diz que a Arcadia investe no futuro – “o papel será a matéria-prima do amanhã. Novas estratégias mudarão nossa tecnologia. “Ele observa que a Arcadia investe para usar papel reciclado para poupar nossas florestas. Mas o foco da estranha mulher que assiste a publicidade da Arcadia é um homem: Bruno Defort. Ela imprime uma foto ampliada do executivo. Logo a seguir, dirige-se ao restaurante da empresa para observá-lo. Fica a pergunta: estaria ela utilizando a estratégia de Bruno de matar concorrentes para assumir o posto de trabalho na empresa cobiçada? O capital desenvolve tecnologias sofisticadas visando o desenvolvimento ecologicamente correto. Como a Arcadia, busca “poupar nossas florestas”. Ë o mote do desenvolvimento sustentável. A questão é que, como expõe o filme “O corte”, as relações sociais (e humanas) sob as condições criticas do capital tendem a se degradar. O capital não se interessa em poupar a humanidade - o trabalho vivo, degradado pelo desemprego estrutural que leva homens e mulheres a adotarem estratégias da barbárie social para se realizarem como “sujeitos monetários”. Giovanni Alves - UNESP

64 Luger, “the ax” Pistola Luger P08, utilizada por Bruno Defort em seus assassinatos, foi uma antiga pistola fabricada na Alemanha. Foi considerada como o maior souvenir da Segunda Guerra Mundial. Esta pistola foi adotada pelo exército alemão em 1908 (daí o nome P08) e dois milhões de unidades foram fabricadas entre 1914 e Como pistola militar, a Luger não justificava a reputação que granjeou. É elegante, boa de manusear e atira com precisão, mas sofre de várias limitações para ser considerada uma boa arma militar. Em primeiro lugar, sua manufatura é bastante dispendiosa. O mecanismo tem muitas peças miúdas que requerem usinagem e montagem cuidadosas, e as molas têm de ser fabricadas com certo cuidado. O sistema de culatra articulável é sensível às variações da potência do cartucho, o que pode emperrar o funcionamento da arma. Lama, poeira, gelo e neve também provocam enguiços, e uma vez que o mecanismo não é coberto, nada impede que esses agentes penetrem nele. Giovanni Alves - UNESP

65 Detalhes Bruno Davert utiliza várias vezes a cabine de telefone público no filme “O Corte”. Cada vez, é assediado por transeuntes inquietos que querem utilizá-la também. É um homem acossado pelas circunstâncias da proletariedade. Clique na Imagem para visualizar o clip de vídeo Num certo momento do filme “O Corte”, enquanto Bruno conversa com seu vizinho, também desempregado, na porta de entrada do cinema, onde sua mulher trabalha, num pano de fundo, um velhinho de cartola executa, num gesto espontâneo, uma performance de dança. Talvez seja um momento de transgressão à barbárie social, marcada pelo pragmatismo das atitudes Giovanni Alves - UNESP

66 ATENÇÃO: Por favor, ao reproduzir, preservar os créditos do autor.
Versão 1.0 1ª. Edição: 2007 ATENÇÃO: Por favor, ao reproduzir, preservar os créditos do autor. Material exclusivamente pedagógico vendido a preço de custo sem finalidade lucrativa Giovanni Alves - UNESP


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