Entrou em vigor, no dia 10 de março, a Lei 13

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Transcrição da apresentação:

Entrou em vigor, no dia 10 de março, a Lei 13 Entrou em vigor, no dia 10 de março, a Lei 13.104/2015, que trata do feminicídio. O Brasil foi o 16º país da América Latina a prever tal figura. A nova lei alterou o código penal para incluir mais uma modalidade de homicídio qualificado, o feminicídio: quando crime for praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. O § 2º-A foi acrescentado como norma explicativa do termo "razões da condição de sexo feminino", esclarecendo que ocorrerá em duas hipóteses: a) violência doméstica e familiar; b) menosprezo ou discriminação à condição de mulher; A lei acrescentou ainda o § 7º ao art. 121 do CP estabelecendo causas de aumento de pena para o crime de feminicídio. A pena será aumentada de 1/3 até a metade se for praticado: a) durante a gravidez ou nos 3 meses posteriores ao parto; b) contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência; c) na presença de ascendente ou descendente da vítima. Por fim, a lei alterou o art. 1º da Lei 8072/90 (Lei de crimes hediondos) para incluir a alteração, deixando claro que o feminicídio é nova modalidade de homicídio qualificado, entrando, portanto, no rol dos crimes hediondos.

A Lei do Feminicídio faz referência expressa à vítima mulher A Lei do Feminicídio faz referência expressa à vítima mulher. Tal também se dá no âmbito da Lei Maria da Penha (LMP - Lei 11.340/2006). Quando se trata da aplicação da LMP, há decisões jurisprudenciais e parte da doutrina que se posiciona no sentido de aplica-la para situações que envolvem transexuais, travestis, bem como relações homoafetivas masculinas. A LMP cuida primordialmente de medidas protetivas. Nesse terreno, a analogia é válida para proteger até mesmo o homem (nas relações homoafetivas). Na qualificadora do feminicídio, o sujeito passivo é a mulher. Aqui não se admite analogia contra o réu. Mulher se traduz num dado objetivo da natureza. Sua comprovação é empírica e sensorial. De acordo com o art. 5º, par. Ún., a Lei 11.340/2006 deve ser aplicada, independentemente de orientação sexual.

Na relação entre mulheres hetero ou transexual (sexo biológico não correspondente à identidade de gênero; sexo masculino e identidade de gênero feminina), caso haja violência baseada no gênero, pode caracterizar o feminicídio. A aplicação da Lei Maria da Penha para transexual masculino foi reconhecida na decisão oriunda da 1ª Vara Criminal da Comarca de Anápolis, juíza Ana Cláudia Veloso Magalhães (proc. N. 201103873908, TJGO). No caso das relações homoafetivas masculinas definitivamente não se aplicará a qualificadora. A lei falou em mulher. Por analogia não podemos aplicar a lei penal contra o réu. Não podemos admitir o feminicídio quando a vítima é um homem (ainda que de orientação sexual distinta da sua qualidade masculina).

O Projeto que deu origem à Lei 13 O Projeto que deu origem à Lei 13.104/2015 (PL 8305/2014) sofreu, pouco tempo antes de ser aprovado, uma alteração: o vocábulo “gênero” foi substituído pela expressão “condição de sexo feminino”. Tal alteração traz algum impacto interpretativo? Entendemos que não, já que a expressão “por razões da condição de sexo feminino” vincula-se, igualmente, a razões de gênero. Perceba-se que o legislador não trouxe uma qualificadora para a morte de mulheres. Se fosse assim bastaria ter dito: “Se o crime é cometido contra a mulher”, sem utilizar a expressão “por razões da condição de sexo feminino”. Uma vez esclarecido que a qualificadora não se refere a uma questão de sexo (categoria que pertence à biologia), mas a uma questão de gênero (atinente à sociologia, padrões sociais do papel que cada sexo desempenha) convém trazer algumas considerações sobre o assunto.

De acordo com a Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, “Convenção de Belém do Pará”, “a violência contra a mulher constitui violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais e limita total ou parcialmente a observância, gozo e exercício de tais direitos e liberdades”. Também ela “constitui ofensa contra a dignidade humana e é manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens.” A violência de gênero envolve uma determinação social dos papéis masculino e feminino. Toda sociedade pode (e talvez até deva) atribuir diferentes papéis ao homem e à mulher. Até aí tudo bem. O problema? O problema ocorre quando a tais papéis são atribuídos pesos com importâncias diferenciadas. No caso da nossa sociedade, os papéis masculinos são supervalorizados em detrimento dos femininos. A violência de gênero representa “uma relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher. Demonstra que os papéis impostos às mulheres e aos homens, consolidados ao longo da história e reforçados pelo patriarcado e sua ideologia, induzem relações violentas entre os sexos.”

Violência doméstica e familiar contra a mulher A primeira das “razões da condição de sexo feminino” trazida pela nova Lei refere-se ao fato de o crime envolver “violência doméstica e familiar”. A partir de uma interpretação sistemática (que é aquela que leva em consideração o conjunto do ordenamento jurídico) chega-se à Lei Maria da Penha e percebe-se que lá a expressão “violência doméstica e familiar” é fartamente utilizada. Em seu art. 5º ela é conceituada como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Como se pode perceber, para que se configure a violência doméstica e familiar justificadora da qualificadora, faz-se imprescindível verificar a razão da agressão (se baseada ou não no gênero). A Lei Maria da Penha também traz o contexto em que a violência doméstica e familiar baseada no gênero pode se dar: âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto (art. 5º, I a III).

A qualificadora do feminicídio é subjetiva ou objetiva? A qualificadora do feminicídio é nitidamente subjetiva. Sabe-se que é possível coexistência das circunstâncias privilegiadoras (§ 1º do art. 121), todas de natureza subjetiva, com qualificadoras de natureza objetiva (§ 2º, III e IV). Quando se reconhece (no júri) o privilégio (violenta emoção, por exemplo), crime, fica afastada, automaticamente, a tese do feminicídio(defesa de alguns criminalistas). É impossível pensar num feminicídio, que é algo abominável, reprovável, repugnante à dignidade da mulher, que tenha sido praticado por motivo de relevante valor moral ou social ou logo após injusta provocação da vítima. Uma mulher usa minissaia. Por esse motivo fático o seu marido ou namorado lhe mata. E mata por uma motivação aberrante de achar que a mulher é de sua posse, que a mulher é objeto, que a mulher não pode contrariar as vontades do homem. Nessa motivação há uma ofensa à condição de sexo feminino. O sujeito mata em razão da condição do sexo feminino. Em razão disso, ou seja, por causa disso. Seria uma qualificadora objetiva se dissesse respeito ao modo ou meio de execução do crime. A violência de gênero não é uma forma de execução do crime, sim, sua razão, seu motivo. Por isso que é subjetiva.