Privacidade, dados genéticos e consentimento

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Transcrição da apresentação:

Privacidade, dados genéticos e consentimento

1) Direito à privacidade e seu desenvolvimento Privacidade como o direito de ser deixado só (right to be let alone). Samuel Warren e Louis Brandeis (1890). Avanços tecnológicos: aumento do fluxo de informações e da capacidade seu de processamento e utilização.

Proteção de liberdades e direitos fundamentais. Informação pessoal passa a ser alvo de maior interesse de entes públicos e privados. A privacidade desenvolveu-se para também abranger a prerrogativa da pessoa humana de exercer controle sobre seus dados pessoais e determinar as modalida- des de construção da própria esfera privada (Stefano Rodotà). Proteção de liberdades e direitos fundamentais. Caso de discriminação genética no Brasil (2004) Dado pessoal é toda informação relativa a pessoa singular identificada ou identificável (Diretiva 95/46/CE, art. 2º, a; Parecer nº 4/2007 do Grupo de Trabalho do art. 29). Administração Pública: desde identificação de perfil populacional para fins de direcionamento de políticas públicas sanitárias e educacionais (Welfare State) até, no atuais dias, a vigilância eletrônica de pessoas, sob o argumento de prevenir atos contra a segurança nacional (medidas de combate e prevenção ao terrorismo). Entes privados: colheita de informações de consumidores para fins de proteção ao crédito no mercado de consumo e profiling dos clientes e publicidade direcionada ao potenciais consumidores, tal como os dados de ordem sanitária para as operadoras de plano de saúde. Cristiano Guedes e Debora Diniz relatam o caso de uma jovem e talentosa atleta de vôlei que, depois de se submeter aos exames médicos obrigatórios conduzidos pela Confederação Brasileira de Vôlei, foi cortada do processo seletivo para integrar a equipe nacional da categoria juvenil, em razão de ter sido diagnosticada com traço falciforme. Foi dito à atleta que ela não poderia seguir carreira no esporte. Os autores apontam que, todavia, estudos recentes concluem pela não contraindicação da prática de esportes competitivos para pessoas que têm o traço. Não discriminação por características genéticas (DUGHDH, art. 6; DUDGH, art. 7º)

2) Dados genéticos entre informação pessoal e dispersão do corpo Dados genéticos são informações relativas às características hereditárias dos indivíduos, obtidas pela análise de ácidos nucleicos ou por outras análises científicas (DIDGH, art. 2º, i). Dados sensíveis. Lei nº 25.326/2000, art. 2º (Argentina); Dec. Leg. nº 196/2003, art. 4º, 1, d (Itália). DIDGH, art. 4º, b.

Informação genética: Primária Secundária A informação genética tem amplitude que ultrapassa o âmbito individual. Recomendação nº 934/1982, CE; DIDGH, art. 4º, a, i e iv; CNS, Res. nº 340/2004, item III.1; Casos de Talassemia no Chipre; Casos da doença de Tay-Sachs entre judeus Ashkenazi. Rodotà (Tra diritto...p., 596) e Schiocchet (p. 4) De acordo com Stefano Rodotà “as informações genéticas se apresentam como um elo forte e ineliminável entre os sujeitos pertencentes à mesma linha genética, sendo o único tipo de informação pessoal que qualquer um de nós compartilha estruturalmente com outros. Os dados genéticos, portanto, definem ao mesmo tempo a especificidade da pessoa e a sua pertinência a um grupo, fornecendo assim uma sua classificação ao mesmo tempo individual e social” (Tra diritto e società..., p. 584). Casos de Talassemia no Chipre. As Talassemias são um grupo heterogêneo de doenças genéticas que têm como sintoma característico a anemia, nestes casos, hereditária. A política de prevenção iniciada no 1980 no Chipre, realizou amplo mapeamento genético, que teve por resultado amplo acesso a informações genéticas, permitindo controle social até pela Igreja, que, para casar os noivos, exigia atestado de aconselhamento genético. Casos da doença de Tay-Sachs entre judeus Ashkenazi. Essa doença é hereditária e considerada neurodegenerativa fatal. Tem forte predileção étnica, com alta incidência em grupos como os judeus Ashkenazi. A taxa de portadores é de 1 em 30 (C. Molinari)

Finalidades de tratamento dos dados genéticos (DIDGH, art. 5º) Diagnóstico e cuidados de saúde; Investigação médica e científica; Fonte de prova em procedimentos civis (investigação de paternidade/maternidade) e procedimentos penais (investigação penal); Outras finalidades compatíveis com a DUGHDH e o sistema internacional de direitos humanos. Dispersão do corpo Exame de DNA a partir da saliva encontrada em guimba de cigarro FINALIDADES: (ii) Investigação médica e científica (v. CNS, Res. nº 340/2004, 441/2011; Min. Saúde, Portaria nº 2.201/2011; CNS, Res. nº 466/2012); (iii) Fonte de prova em procedimentos civis (Lei nº 8.560/1992) e procedimentos penais (Lei nº 12.037/2009; Dec. nº 7.950/2013 – institui o Banco Nacional de Perfis Genéticos e a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos); (iv) Talvez seja interessante vedar outro tipo de finalidade para tratamento de dado genético. Um exame de DNA realizado pela Polícia Civil do Distrito Federal revelou que Cristiane Michelle Martins da Silva é filha legítima da empresária Vilma Martins Costa, condenada, no ano passado [2003], a cinco anos e quatro meses de prisão pelo seqüestro de Pedro Rosalino Braule Pinto, o Pedrinho. Ela também cumpre pena por subtrair Aparecida Fernanda Ribeiro da Silva de uma maternidade de Goiânia (GO).

3) O consentimento na tutela dos dados genéticos: funções e limites Funções do consentimento legitimação da intervenção sobre o corpo da pessoa – com métodos invasivos ou não –, assim como para o tratamento de seus dados pessoais (genéticos); realização da autodeterminação da pessoa humana. Circulação de dados pessoais e caráter procedi- mental do consentimento (v. DUDGH, art. 8º, a) Consentimento para tratamento de dados sensíveis Daniel Romero Muñoz e Paulo Antônio Carvalho Fortes; Salvatore Sica; Mara Messina. O ato autorizativo é um dos instrumentos que torna possível o efetivo controle exercido pela pessoa relativamente às informações que lhe dizem respeito, controle este que se opera in itinere – ou seja, presente em todo circuito informativo e em qualquer tratamento dos dados -, e que realiza o caráter procedimental que é próprio da proteção dos dados pessoais (v. SCHREIBER). DUDGH, art. 8º, a. “O consentimento prévio, livre, informado e expresso, sem tentativa de persuasão por ganho pecuniário ou outra vantagem pessoal, deverá ser obtido para fins de recolha de dados genéticos humanos, de dados proteómicos humanos ou de amostras biológicas, quer ela seja efectuada por métodos invasivos ou não-invasivos, bem como para fins do seu ulterior tratamento, utilização e conservação, independentemente de estes serem realizados por instituições públicas ou privadas. Só deverão ser estipuladas restrições ao princípio do consentimento por razões imperativas impostas pelo direito interno em conformidade com o direito internacional relativo aos direitos humanos”. Consentimento para o tratamento de dados sensíveis. É indispensável, salvo em situações excepcionais. No caso dos dados genéticos e dados sanitários, pode haver a dispensa do consentimento desde que para proteger, no caso concreto, liberdades e direitos fundamentais de outrem. V. Dec. Leg. 196/2003, art. 26, 1 (Itália). Regime ainda mais restritivo para os dados relativos à saúde da pessoa (art. 26, 4, c, 5) e genéticos (art. 90). Art. 90. Trattamento dei dati genetici e donatori di midollo osseo 1. Il trattamento dei dati genetici da chiunque effettuato è consentito nei soli casi previsti da apposita autorizzazione rilasciata dal Garante sentito il Ministro della salute, che acquisisce, a tal fine, il parere del Consiglio superiore di sanità.

Revogação do consentimento DIDGH, art. 9º Anonimização (anonymisation) de dados pessoais. Limites do consentimento a) Princípio da finalidade DIDGH, art. 6º, d b) Interesses relevantes de terceiros e direito à não informação DIDGH, art. 10º Anonimização da informação genética. “Quando uma pessoa retira o seu consentimento, os seus dados genéticos, os seus dados proteómicos e as suas amostras biológicas não deverão voltar a ser utilizados a menos que sejam irreversivelmente dissociados da pessoa envolvida.” (DUDGH, art. 9º, b). Problemas para a anonimization: i) em janeiro de 2013, Yaniv Erlich, um pesquisador da Whitehead Institute, afiliada ao MIT, se propôs a encontrar 5 pessoas aleatoriamente selecionadas de um banco de dados que armazenava genes de 1.000 pessoas, utilizando apenas o DNA delas, idade e Estados em que moravam. Resultado: em poucas horas encontrou as 5 pessoas e vários de seus parentes, perfazendo um total de 50 identificadas; ii) em 2008, o geneticista David W. Craig, ... DUDGH, art. 6º, d. “Do ponto de vista ético, é imperativo que sejam fornecidas informações claras, objectivas, adequadas e apropriadas à pessoa a quem é solicitado consentimento prévio, livre, informado e expresso. Estas informações, além de fornecerem outros pormenores necessários, especificam as finalidades para as quais serão obtidos, utilizados e conservados os dados genéticos humanos e dados proteómicos da análise das amostras biológicas. Estas informações deverão, se necessário, indicar os riscos e consequências em causa. Deverão igualmente indicar que a pessoa poderá retirar o seu consentimento sem coerção e que daí não deverá resultar para ela qualquer desvantagem ou penalidade”. - DUDGH, art. 10º. “Quando são recolhidos dados genéticos humanos, dados proteómicos ou amostras biológicas para fins de investigação médica e científica, as informações fornecidas na altura do consentimento deverão indicar que a pessoa em causa tem direito a decidir ser ou não informada dos resultados. Esta cláusula não se aplica à investigação sobre dados irreversivelmente dissociados de pessoas identificáveis nem a dados que não conduzam a conclusões individuais relativas às pessoas que participaram na referida investigação. Se necessário, o direito a não ser informado deverá ser tornado extensivo aos familiares identificados dessas pessoas que possam ser afectados pelos resultados”.

4) Considerações finais A tutela dos dados genéticos deve ter regime restritivo e não focado apenas no indivíduo O consentimento para o tratamento dos dados genéticos deve ter regime consciente de seus limites Os dados genéticos, ainda que anonimizados irreversivelmente, jamais deixarão envolver elemento corporal do ser humano

Obrigado! Diego Carvalho Machado diegocm@ymail.com