Estética Relacional – Nicolas Bourriaud

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Transcrição da apresentação:

Estética Relacional – Nicolas Bourriaud UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS DOUTORADO EM HISTÓRIA, TEORIA E CRÍTICA DE ARTE PROFA. DRA. MARIA AMÉLIA BULHÕES Estética Relacional – Nicolas Bourriaud Luiza Fabiana Neitzke de Carvalho Porto Alegre, 2011.

Título original: Les presses du réel. Dijon, 1998. BOURRIAUD, Nicolas. Estética Relacional. São Paulo: Martins Fontes, 2009. 151 pgs. Título original: Les presses du réel. Dijon, 1998.

O livro, apesar de seu compacto tamanho, aborda questões substanciais para o pensar da arte contemporânea e as mudanças no entendimento da arte como um todo de momentos encandeados – clássico, moderno e contemporâneo. O autor situa a produção dos artistas como indissociável de sua relação com o público – o que de antemão podemos entender como o “relacional” em que sua estética se embasa. Ao citar diferentes exemplos de obras e artistas, períodos e filósofos, as premissas do autor tornam-se visualizáveis e, social e historicamente, localizáveis. Borriaud escreve não somente uma reflexão estética, mas ele está fazendo ali uma micro história social da arte contemporânea, que nos lembraria a fluidez de um outro autor, já citado nas aulas, Arnold Hauser. Borriaud se utiliza de uma gama de “artistas-exemplo” que em regresso temporal, tangem no máximo, expoentes da arte moderna. Ele não recua para antes disto, pois sua arte objeto de análise está nos contemporâneos, tal como Félix-Gonzalez Torres. Se embasa nos artistas conceituais e na produção da década de 1960, uma vez que o contemporâneo no qual se debruça é bastante atual. Identificamos também as citações de vários pensadores da estética ou da história da arte, ou do pensamento social, como Hubert Damisch, Arthur Danto, Thierry de Duve, Félix-Guatari, Walter Benjamin, Althusser e ainda Marx.

Por tratar de estética, o autor parte da tentativa de definir um espectro de contornos para o novíssimo objeto de arte, já que este não depende mais de uma configuração puramente formal. O objeto sobre o qual se debruça, é fielmente gerado pela motivação de um cotidiano, que por mais que embase os fundamentos teóricos discutidos na arte até então (moderna e início da contemporânea), não usa destes fundamentos para se afirmar; tais objetos de arte se afirmam em um discurso, que as vezes se embaralha em uma produção aparentemente autobiográfica dos artistas, mas que transcende isso, pois os propósitos motivadores são capazes de trazer uma condição social universal para os observadores, artistas e mesmo para os pensadores de arte. Por mais incisivas que sejam as motivações dos artistas, ou mais afastadas de um determinado observador, este não estaria alheio a tais digressões, pois estas, socialmente existentes, se movimentam no mesmo contexto onde o observador está inserido – são parte das problemáticas pós-modernas.

Algumas problemáticas discutidas no livro: A ilegibilidade das práticas contemporâneas, uma vez que são impossíveis de análise a partir de soluções ou problemas deixados pelas gerações anteriores; Os verdadeiros interesses da arte contemporânea, suas relações com a sociedade, a história e a cultura; O entendimento da arte atual, na referência à forma material, não dispensa uma reflexão com base na história da arte dos anos 1960 – e portanto, no conceitual. Arte hoje: noções interativas, conviviais, relacionais; a arte atual escaparia às uniformizações do comportamento; Sociedade dos figurantes: sujeito reduzido à condição de consumidor de tempo e de espaço, pois o que não pode ser comercializado estaria fadado ao desaparecimento.

A FORMA RELACIONAL: As práticas artísticas contemporâneas e seu projeto cultural: O novo não é mais um critério; O projeto emancipador moderno foi substituído por inúmeras formas de melancolia. Diferença entre os pressupostos filosóficos, culturais e sociais. Não foi a modernidade que morreu, mas sim sua versão idealista e teleológica. A obra de arte como interstício social: Arte relacional: uma arte que toma como horizonte teórico a esfera das interações humanas e seu contexto social mais do que a afirmação de um espaço simbólico autônomo e privado. O interstício é um espaço de relações humanas que, mesmo inserido de maneira mais ou menos aberta e harmoniosa no sistema global, sugere outras possibilidades de troca além das vigentes nesse sistema.

A estética relacional e o materialismo aleatório: Não há fim da história nem fim da arte possíveis, porque a partida sempre é retomada em função do contexto, isto é, em função dos jogadores e do sistema que eles constroem ou criticam. A forma da obra contemporânea vai além de sua forma material: ela é um elemento de ligação, um princípio de aglutinação dinâmica. Uma obra de arte é um ponto sobre uma linha. A forma e o olhar do outro: Observando as práticas artísticas contemporâneas, deveríamos falar mais em “formações” do que em “formas”: ao contrário de um objeto fechado em si mesmo graças a um estilo e a uma assinatura, a arte atual mostra que só existe forma no encontro fortuito, na relação dinâmica de uma proposição artística com outras formações, artísticas ou não. A essência da prática artística residiria, assim, na invenção de relações entre sujeitos; cada obra de arte particular seria a proposta de habitar um mundo em comum, enquanto o trabalho de cada artista comporia um feixe de relações, e assim por diante, até o infinito. Quando um artista nos mostra alguma coisa, ele expõe uma ética transitiva que situa sua obra entre o “olhe-me” e o “olhe isso”.

A ARTE DOS ANOS 1990 – participação e transitividade A “participação” do espectador, teorizada pelos happenings e pelas performances Fluxus, tornou-se uma constante na prática artística. O espaço de reflexão aberto pelo “coeficiente de arte” de Marcel Duchamp, que tenta delimitar exatamente o campo de intervenção do receptor na obra de arte, hoje consiste numa cultura interativa que apresenta a transitividade do objeto cultural como fato consumado. A transitividade, tão antiga quanto o mundo, constitui uma propriedade concreta da obra de arte. Sem ela, a obra seria apenas um objeto morto, esmagado pela contemplação. Cremos ser possível explicar a especificidade da arte atual com o auxílio da idéia de produção de relações externas ao campo da arte: relações entre indivíduos ou grupos, entre o artista e o mundo e, por transitividade, relações entre o espectador e o mundo. Tipologia Ora, a arte contemporânea muitas vezes opera sob o signo da não-disponibilidade, apresentando-se num momento determinado. Em suma, a obra suscita encontros casuais e fornece pontos de encontro, gerando sua própria temporalidade. Assim, o espectador vai ao local para constatar um trabalho, que existe como obra de arte apenas em virtude dessa constatação.

Convívio e encontros casuais A formação de relações de convívio é uma constante histórica desde os anos 1960. As utopias sociais e a esperança revolucionária deram lugar a microutopias cotidianas e a estratégias miméticas: qualquer posição crítica “direta” contra a sociedade é inútil, se baseada na ilusão de uma marginalidade hoje impossível, até mesmo reacionária. Relações profissionais: clientelas O artista, aqui, atua no campo real da produção de serviços e mercadorias e pretende introduzir no espaço de sua prática uma certa ambiguidade entra a função utilitária e a função estética dos objetos apresentados. É essa oscilação entre a contemplação e o uso que tentei identificar com o nome de realismo operatório. (...) O ponto em comum entre (...) artistas (que utilizam da) modelização de uma atividade profissional, com o correspondente universo relacional enquanto dispositivo de produção artística. Como ocupar uma galeria? A cada modificação, evoluindo o contexto geral, a exposição desempenha o papel de uma matéria dúctil, que ganha forma pelo trabalho do artista. O visitante ocupa um lugar preponderante, pois sua interação com as obras ajuda a definir a estrutura da exposição. O visitante deve entender que seu gesto contribui para a dissolução da obra.

Qual a posição a adotar diante de uma obra que distribui seus componentes e ao mesmo tempo quer salvaguardar sua estrutura? OS ESPAÇOS-TEMPO DA TROCA – as obras e as trocas Uma boa obra de arte sempre pretende mais do que sua mera presença no espaço: ela se abre ao diálogo, à discussão, a essa forma de negociação inter-humana que Marcel Duchamp chamava de “o coeficiente da arte” – e que é um processo temporal, que se dá aqui e agora. Quanto à arte, e Marx foi o primeiro a dizê-lo, ela representava a “mercadoria absoluta”, visto que era a própria imagem do valor. O tema da obra Todos os artistas cujo trabalho deriva da estética relacional possuem um universo de formas, uma problemática e uma trajetória que lhes são próprias: nenhum estilo, tema ou iconografia os une. O que eles compartilham é muito mais importante, a saber, o fato de operar num mesmo horizonte prático e teórico: a esfera das relações humanas. A obra de arte dos anos 1990 transforma o observador em vizinho, em interlocutor direto.

Espaços-tempo na arte dos anos 1990 (...) a arte relacional inspira-se mais em processos maleáveis que regem a vida comum. E, sobretudo, hoje o cotidiano se apresenta como terreno muito mais fecundo do que a “cultura popular” – forma que só existe em relação e oposição à “alta cultura”. (...) de certa maneira, um objeto é tão imaterial quanto um telefonema, e uma obra que consiste numa sopa de jantar é tão material quanto uma estátua. CO-PRESENÇA E DISPONIBILIDADE: A HERANÇA DE TEÓRICA DE FELIX GONZALEZ TORRES – A homossexualidade como paradigma de coabitação A homossexualidade em Gonzalez-Torres não se fecha numa afirmação comunitária; pelo contrário, apresenta-se como modelo de vida que pode ser compartilhado por todos, e com o qual todos podem se identificar. A inserção do universo intimista do artista nas estruturas da arte dos anos 1960 cria situações inéditas e retroativamente orienta nossa leitura dessa arte para uma reflexão menos formalista e mais psicologizante.

Formas contemporâneas do monumento (...) a arte atual não tem nada a invejar no “monumento” clássico, no tocante aos efeitos de longa duração. A obra contemporânea, mais do que nunca, é essa “demonstração , para todos os homens futuros, da possibilidade de criar a significação habitando à beira do abismo”, nas palavras de Cornélius Castoriadis: uma resolução formal que roça a eternidade justamente por ser pontual e temporária. O critério de coexistência (as obras e os indivíduos) Assim, a obra de Gonzalez-Torres reserva um lugar central para a negociação, para o desenvolvimento de uma coabitação. Ela também contém uma ética do observador. Nisso, ela se inscreve numa história específica: a das obras que levam o espectador a tomar consciência do contexto em que se encontra (os happenings, os environnements dos anos 1960, as instalações in situ). Hoje, o que estabelece a experiência artística é a co-presença dos espectadores diante da obra, que seja efetiva ou simbólica. (...) as obras de arte que me parecem hoje dignas de interesse são as que funcionam como interstícios, como espaços-tempos regidos por uma ordem que vai além das regras vigentes para a gestão dos públicos.

O espectador, então, oscila entre o papel de consumidor passivo e o de testemunha, associado, cliente, convidado, co-produtor, protagonista. A aura das obras de arte deslocou-se para seu público O artista leva o “observador” a participar de um dispositivo, a lhe dar vida, a completar a obra e a participar da elaboração de seu sentido. O encontro com a obra gera uma duração mais do que um espaço. Tempo de manipulação, de compreensão, de tomada de decisões, que ultrapassa o ato de “completar” a obra com o olhar. A aura da arte não se encontra mais no mundo representado pela obra, sequer na forma, mas está diante dela mesma, na forma coletiva temporal que produz ao ser exposta. A aura da arte contemporânea é uma associação livre.