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INTRODUÇÃO GERAL À METAFÍSICA

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Apresentação em tema: "INTRODUÇÃO GERAL À METAFÍSICA"— Transcrição da apresentação:

1 INTRODUÇÃO GERAL À METAFÍSICA
Prof. Helder Salvador

2 I. O SABER FILOSÓFICO

3 1. A polêmica entre Sócrates e os sofistas
A polêmica surgida entre Sócrates e os sofistas foi, em certo sentido, marcante para o saber filosófico. Tal controvérsia ajudou a apurar o significado e o horizonte do saber que se destina a buscar as razões últimas da existência, da realidade. A diferença, que os contrapõe, incute dois modos de conceber a finalidade do saber.

4 Os sofistas desenvolviam uma sabedoria utilitária, preocupada com escopos práticos. A crítica platônica e aristotélica a eles dirigida denunciava que o saber sofístico era aparente. A busca da verdade não se fazia de modo desinteressado, mas visava à obtenção de lucros.

5 Sócrates, em contraposição, não pretendia possuir a sabedoria, mas se mantinha à procura, demonstrando que a verdadeira sabedoria se lança para além da técnica do discurso, ensinada pelos sofistas. O homem não poderá jamais possuir a sabedoria, nem dominá-la plenamente. Ele está na posição de quem não sabe tudo. Há sempre alguma coisa a ser aprendida. A verdade tem necessidade de ser parturida. Ela precisa vir à luz, ser desvelada.

6 Nesta atitude ímpar, Sócrates nos mostra que o saber filosófico só pode ser trilhado por um único caminho: o da busca. É na procura que o homem se revela a si mesmo como homem, sendo essencialmente um animal metafísico.

7 2. A distinção Enquanto sabedoria, a filosofia se distingue das ciências que se ocupam apenas com os aspectos parciais da realidade. Esta distinção já é clássica e muito corrente na interpretação da filosofia como fenômeno específico. As ciências, por sua própria natureza, são diversas e especializadas; a filosofia, ao invés, é uma só: é una. O sentido de unidade e totalidade na compreensão da realidade a diferencia das demais ciências.

8 Estas constatam os fatos necessários, emitindo hipóteses que são comprovadas através da experiência e ratificadas pela teoria. Estão impossibilitadas de formular juízos de valor e de sentido. Não estão autorizadas a dizer se isto deve ou deveria ser assim.

9 O homem, por isso, enquanto ser que propõe continuamente a questão do sentido, está sempre insatisfeito. A sua sede de verdade é insaciável, pelo fato de que não se contenta somente com os resultados das ciências. Daí que tem muita razão A. Huxley, em O melhor dos mundos, quando afirma que uma civilização exclusivamente técnica, fundada unicamente sobre o saber científico, resultaria totalmente desumana e absurda.

10 Em relação às outras respostas sapienciais, procedentes dos relatos míticos, das religiões, das artes, a filosofia também se distingue. A característica desta distinção está demarcada pelo método que viabiliza o discurso filosófico. Método este que imprime à filosofia a nota singular de ser discurso racional, coerente, necessário, segundo as leis da Lógica.

11 De imediato, já se pode deduzir que a filosofia se serve unicamente dos recursos "conceituais". Não recorre ao uso de imagens, símbolos, parábolas, provérbios etc. Seu discurso é, rigorosamente, controlável e acessível a qualquer pessoa, desde que esteja de posse da faculdade de pensar.

12 Este argumento nos remete para a afirmação de que a filosofia é um fenômeno, virtualmente, universal. Sua compreensão e racionalização estão abertas a todos. Para a aquisição e produção da sabedoria filosófica, não existem barreiras raciais ou fronteiras sociais.

13 O sentido de "universalidade", aqui expresso, precisa ser devidamente entendido. Não quer exprimir a ideia de que a filosofia seja um saber puramente abstrato e totalmente descontextualizado. A universalidade de tal saber só é compreendida de modo autêntico, quando estiver vinculada ao panorama histórico, no qual suas raízes estão fincadas. Isto indica que a filosofia é "sabedoria" culturalmente condicionada. Está profundamente radicada na história.

14 3. As implicações Assim, enquanto sabedoria, a filosofia não é um saber apenas teórico, abstrato, parcial. Está endereçado à globalidade da vida. Não tem um valor de utilidade técnica imediata, por estar fundado sobre valores essenciais e pontos referenciais últimos.

15 O saber filosófico, diante dessa exigência, implica em:
a) Certa distância crítica dos acontecimentos, dos fatos, das experiências imediatas. Observar uma situação, ver uma coisa "com filosofia", significa "tomar distância" para melhor compreendê-la, reportando-se ao núcleo central que constitui a razão de que realmente seja assim. b) Uma visão global que permite inserir cada coisa no seu devido lugar. A filosofia possibilita a visão de conjunto - a cosmovisão. A "coisa", o "fato", na apreensão filosófica, não é visto isoladamente, mas inserido em seu contexto, formando parte de um horizonte ao qual está integrado.

16 c) A procura do "porquê" que permite dar as razões da realidade, de explicitar-lhe o sentido. Esta busca pela descoberta do sentido, pelo desocultamento das razões está em sintonia com a finalidade, a necessidade de o homem orientar a própria vida. d) Em suma, o punctum dolens do saber filosófico é a questão do "porquê". O confronto com a realidade é questionante. Está permeado de perguntas.

17 As respostas, no campo filosófico, são diversificadas:
1) Num primeiro plano, três são as perguntas básicas: - Sobre a possibilidade de dizer se isto é verdadeiramente assim. Resposta com a qual se ocupa a filosofia da linguagem. - Sobre a possibilidade do conhecimento da coisa tal como ela é: se o objeto é distinto do sujeito, que tipo de relação existe entre eles. Resposta desenvolvida pela epistemologia (fenomenologia e crítica do conhecimento). - Sobre a possibilidade de que a coisa seja assim (possível, real, cognoscível). Resposta que abarca o âmbito da ontologia, em níveis diferentes: = dos seres particulares com suas diferenças peculiares. As ontologias regionalizadas: cosmologia, antropologia, teodiceia. = o nível do ser enquanto tal, da possibilidade de ser de qualquer ser particular: ontologia geral.

18 2) Num plano bem mais profundo, o homem ainda pode perguntar: por que faço perguntas?, por que posso fazer perguntas? E, assim, a questão sobre o ser é uma questão sobre a questão. Tal pergunta inspira que, ao menos, uma resposta seja possível, já que o ser não é puro fato, inexplicável. É sempre possível encontrar uma explicação, um sentido último: a última razão possível. E esta questão e resposta pertencem ao âmbito da metafísica, pois a realidade é densa de sentido, em expectativa de desvelamento.

19 II. A QUESTÃO DO NOME

20 Aristóteles buscava a "prôte philosophia", sobre a qual estariam alicerçadas as outras partes do corpo filosófico ou a "déutera philosophia". Por ter clara consciência de que um saber universal não era algo dado ou constituído com anterioridade, senão um objeto em cuja busca se achava comprometido, chamará também a sua "filosofia primeira" de "a ciência que se busca" (zetouméne epistême].

21 O termo "metafisica" não é aristotélico
O termo "metafisica" não é aristotélico. Foi dado por Andrônico de Rodes, décimo escolarca do Liceu (séc. I a.C], que havia reconhecido, ordenado e editado as obras completas (corpus misto- telicum) do Estagirita, que até então figuravam em tratados soltos.

22 O nome "metafísica" foi empregado por Andrônico de Rodes para designar os livros de Aristóteles que tinha disposto "depois dos de filosofia natural" (tà meta tà physikà). Este rótulo, em forma abreviada e substantivada, passou a ser o nome oficial e próprio deste saber primeiro e fundamental.

23 Aristóteles, ao invés, chamava-a "filosofia primeira" ou “teologia” em oposição à "filosofia segunda" ou "física". Na interpretação aristotélica, a "filosofia primeira" abordava o fundamento primeiro, a "causa primeira", da qual dependem os objetos tratados nas outras partes da filosofia teorética.

24 Contudo, o termo "metafísica'', em seu significado etimológico, é muito rico de sentido. Se a physis é o dado da experiência, na pesquisa filosófica, a atitude de propô-lo em questão indica uma pesquisa ulterior, que vai além do conteúdo que se mostra e se revela na experiência.

25 É inegável que, para a posteridade, o nome preferido foi o de "metafísica", pela própria razão de que a "filosofia primeira" é indubitavelmente a ciência que se ocupa com a realidade que se lança para além da física. Além disso, toda reflexão posterior seguiu a trilha enveredada por Aristóteles: a tentativa do pensamento humano de ultrapassar o mundo empírico para chegar a uma realidade metaempírica.

26 O termo "antologia" (ciência ou tratado do ente ou ideia do ser) remonta ao séc. XVII. Foi empregado, primeiramente, como sinônimo de metafísica. Foi Johannes Clauberg (1674) que o utilizou pela primeira vez, sendo popularizado por Christian Wolff. Dessa forma, o velho nome foi colocado ao lado do novo termo como mero sinônimo: Metaphysica síve Ontologia.

27 Christian Wolff ( ), filósofo racionalista, distingue a "metafísica geral" ou "ontologia'', que trata do ser enquanto tal, da "metafísica especial", por ele dividida em três grandes ramos: a cosmologia, a psicologia racional e a teologia natural.

28 III. O ÂMBITO METAFÍSICO

29 O ponto de partida do discurso metafísico será sempre qualquer ocasião ou qualquer experiência, da qual surja ou possa surgir uma pergunta de fundo, uma interrogação fundamental.

30 O background do âmbito metafísico, então, é toda a realidade
O background do âmbito metafísico, então, é toda a realidade. Só o real, por ser aquilo que é e por estar diante de - existindo e sendo, faz emergir questionamentos que interpelam clarificações sensatas, respostas razoáveis.

31 Ocasião, acontecimento, experiência que, na compreensão metafísica, podem ser chamados os lugares do "assombro". Ou, sob outro ângulo, pode-se dizer que é do "assombro" que a metafísica nasce, desabrocha para o pensamento humano.

32 O "assombro" é o momento inicial da via de acesso que o homem percorre para chegar ao sentido mais profundo do ser. A experiência metafísica de "assombro" causa impacto, admiração, maravilha, espanto, terror, arrebatamento; como também perplexidade, pois abre fendas, provoca rupturas, à medida que possibilita o surgimento de outras razões para explicar a realidade, desencadeando, consequentemente, novas perspectivas para a vida.

33 O "assombro" é a experiência primeira que incute necessariamente a relação de defrontação: a realidade se expõe ao homem, está diante dele, descoberta em sua condição epifânica de manifestar-se como significante e significado. A tentativa, sempre emergente na história da filosofia, de descobrir a realidade, para a identificação de seu significado metafísico, é o próprio lugar do "assombro". Tal descoberta espelha o horizonte no qual está situado o pensador, o ponto de vista através do qual vê e capta a realidade, as preocupações existenciais que o afligem, o rumo para o qual a vida deve orientar-se.

34 Na história da filosofia, vários, e até contrapostos, são os lugares do "assombro". Por exemplo: o imperativo ético (Sócrates, Kant), a beleza (Platão), a nossa capacidade de conhecer o verdadeiro (Aristóteles), o Ser necessário e absoluto (Escolástica), a res cogitans e res extensa (Descartes), a angústia existencial (Kierkegaard), o Dasein como ser-para-a- morte (Heidegger) etc.

35 O sentido de "assombro" e a identificação de seus diversificados lugares ajudam a perceber que a compreensão de metafísica como discurso abstrato, perdido "nas nuvens", "distante da vida", sem maior repercussão na existência concreta e cotidiana das pessoas, é falsa. Ela, ao contrário, é o que de mais profundamente humano possa existir.

36 No fundo, qualquer homem, à sua maneira, é metafísico, já que se maravilha, se admira, faz perguntas e, às vezes, interrogações radicais. A seu modo, com seu jeito de ser e de estar no mundo, encontra respostas e tem os seus pontos de vista sobre o "sentido último".

37 Existe, portanto, uma metafísica implícita, vivida, que precisa ser clarificada. Tem necessidade de ser expressa num discurso conceitual, rigoroso, controlável, criticável e comunicável. Segundo a expressão de J. Lacroix, faz-se mister "transformar o vivido em pensado".

38 Para Merleau-Ponty, a consciência metafísica não tem outros objetos que a experiência quotidiana, o mundo, os outros, a história humana, a verdade, a cultura. Todavia, em vez de considerá-los já existentes, consequências sem premissas, e como se procedessem de si mesmos, ela redescobre a sua estranheza, a sua "misteriosidade", que não deixa de ser o milagre de seu manifestar-se. Assim entendida, a metafísica é a esfera que contraria o sistema. Pois, se um sistema é uma disposição ordenada de conceitos que torna imediatamente conciliáveis, compatíveis entre si, os aspectos da experiência, ele, de modo subjacente, suprime a consciência metafísica.

39 Diante disso, é irrenunciável que a metafísica é algo de muito pessoal
Diante disso, é irrenunciável que a metafísica é algo de muito pessoal. É tão pessoal que chega a tocar profundamente a nossa existência. Só que existe um "porém": ela não pode ser feita e pensada "de maneira pessoal" ou "existencial", referindo-se unicamente à vivência imediata ou a ela estando exclusivamente restrita. Para que, de fato, seja reconhecida como "metafísica'', só pode ser feita, então, da forma mais "impessoal" possível, com esforço de trabalho lógico e conceitual.

40 Para concluir este item, é preciso associá- lo ao tema da fé, uma vez que, para possuí-la, o homem ao menos deve ter descoberto a dimensão metafísica de sua existência. Deve estar em posse da convicção de que nem tudo se reduz aos dados da experiência, do quotidiano, do fatual, mas que existem questões que ultrapassam a própria experiência.

41 Na civilização industrial e pós-industrial, a dimensão metafísica ficou e está muito esquecida, ou até mesmo negada. Faz parte de uma "pré-evangelização" indicar os "lugares do assombro" e os acessos que facilitam a abertura para o pensamento metafísico.

42 Para exprimir a nossa fé, para articulá-la conceitualmente tem-se necessidade de uma linguagem "autêntica", que não se limite apenas aos dados da experiência, mas que seja também capaz de dizer o que é ou o que se projeta "para além": uma linguagem e uma reflexão de dimensão metafísica.

43 IV. O OBJETO DA METAFÍSICA

44 Remontando a Aristóteles, o pai da Metafísica, o objeto da "filosofia primeira" é universal em relação às demais ciências que estudam aspectos particulares das coisas. Em que consiste este pretendido caráter universal? Constatamos que os objetos, as coisas são "isso" ou "aquilo".

45 Num segundo momento, se, por abstração, prescindimos das diferenças "isto" ou "aquilo", deparamos o que "são", com o mero "ser" das mesmas. Algo enquanto "é" recebe o nome de "ente" (ón).

46 Pois bem, segundo Aristóteles, no tratado de Metafisica IV, 1, existe uma ciência que estuda o ente enquanto ente (ón é ón) e as propriedades que lhe correspondem enquanto tal. Esta ciência é a "filosofia primeira" ou metafísica.

47 Ora, é inegável que o objeto da Metafísica seja o "ser", ou melhor, o ente enquanto ente. Pois, uma coisa é conhecer um mundo de entes sabendo vagamente que eles são alguma coisa, tendo subjacente, por assim dizer, a noção de ser como emerge da experiência quotidiana e do conhecimento científico. Outra coisa é fixar a atenção sobre a realidade do ser, considerado não sob aparência desta ou daquela forma; mas simplesmente o fato de que isso é alguma coisa, um "ens", com o intuito de identificar as suas propriedades, a sua razão fundante.

48 Para isso, é preciso ir contra a corrente, pois a nossa tendência é firmar-se nos caracteres particulares e deixar o ser num segundo plano.

49 Aristóteles também esclarece que a palavra ser se diz de muitas maneiras, entretanto, todos estes sentidos se referem a uma única coisa (Metafísica, IV, 2). Esta coisa da qual se predica o ser em sentido primário é a "substância" (ousía), o ente por si e em si, do qual dependem os acidentes.

50 Assim, para Aristóteles, "o objeto das inquirições de todos os tempos, passados e presentes, a pergunta constante a respeito do que é o ente (tí to ón) se reduz a este dado: o que é a substância?" (Metafísica, VII, I).

51 Na verdade, o que se observa, na reflexão metafísica aristotélica, é certo deslizamento do plano transcendental para o categorial, convertendo a metafísica numa investigação de substâncias. Daí que, para Aristóteles, o mundo inteiro está sustentado sobre entes que repousam em si ou em substâncias.

52 Entre as substâncias, existe uma que é a mais nobre de todas e autossuficiente, o Theós, o qual, como objeto de desejo ou de amor, move a todas sem ser movido. Assim sendo, a teoria da substância deve culminar numa investigação sobre Deus. Não é estranho que Aristóteles qualifique sua "filosofia primeira" de teologia.

53 Os comentaristas do Estagirita assinalam o caráter dual que a metafísica teve desde o início: o ente em geral, de um lado, e, do outro, Deus. O elo de ligação entre os dois é a substância: o único elemento da physis capaz de mediar os dois polos.

54 No pensamento cristão, ambos os temas são articulados através da teoria da criação, desconhecida para Aristóteles. Deus entra na Metafísica a título de Causa Primeira do ser. No horizonte cristão- escolástico, a questão do ser recebe um novo enfoque.

55 Os modernos, por sua vez, resolveram o velho problema da dualidade, distinguindo uma metafísica geral, chamada Ontologia, que trata dos primeiros princípios do conhecimento humano, da outra metafísica especial que, à luz dos primeiros princípios, analisa a questão do mundo, da alma e de Deus. A Cosmologia, a Psicologia racional e a Teologia natural seriam partes especiais, dependentes da Metafísica Geral ou Ontologia.

56 Em resumo, pode-se dizer que o objeto da metafísica é o ente enquanto ente, que sempre possibilitou a pergunta pelo ser em geral e pelos primeiros princípios e causas do ser. Todavia, a resposta a tal pergunta, ainda que sob formas aparentemente iguais, mudou de acordo com os distintos horizontes históricos da cosmovisão filosófica.

57 V. A QUESTÃO DO SER

58 Como já foi elucidado, a Metafísica se define classicamente como a ciência do ente enquanto ente. Por isso, a questão do "ser" torna-se uma questão fundamental. Na expressão shakespeariana, eis a grande questão da angustiada existência humana: ser ou não ser.

59 O ente é o particípio presente do verbo ser. Significa "aquilo que é"
O ente é o particípio presente do verbo ser. Significa "aquilo que é". O "aquilo" evoca certa individualidade, é aquilo que é e não outra coisa.

60 Por assim dizer, o "ente" é, acima de tudo, aquilo que pode ser determinado, individualizado e reconhecido a partir de sua identidade. O acento recai sobre a sua realização evocada mediante o particípio.

61 "Ente" é alguma coisa. Por isso, pode-se fazer dele um substantivo, um fato do qual se poderia abstrair o "é", o ato de ser. O verbo "ser" é a palavra mais comum da linguagem e da comunicação. Não se pode pronunciar três ou quatro orações sem o seu uso ou a sua interferência. No infinitivo, o verbo indica uma ação possível, não realizada. O verbo não é, portanto, "qualquer coisa", mas uma possibilidade de atividade.

62 Uma atividade que poderá ser exercida porque ainda não é, e o será, mediante o particípio presente, tomando-se assim ato realizado, algo atualizado.

63 Os gregos distinguiam "ser " e "ente", acrescentando um artigo ao particípio, substantivando-o. Os latinos esperaram, até o início da Idade Média, para separar o verbo "esse" do nome "ens". Nas línguas latinas, normalmente, se traduz "to ón" por "ser" e é comum substantivar o verbo no infinitivo.

64 E compreensível esta tendência de fazer passar o infinitivo para o substantivo, já que, para nós, é quase impossível pensar em um sem o outro. O particípio significa "aquilo" que é. Ora, a expressão recebe o seu peso exato sobre o "é", do verbo no presente ativo: "aquilo" que não "é", de fato, não é. Existe, neste caso, prioridade do verbo sobre o substantivo.

65 De modo inverso, "ser" é "o que é" se é presente e ativo: se age, se faz "isto". Para nós, é necessário pensar "nisto" que "é", para, enfim, poder conceber o "ser", pois "ser" é "ser" isso ou aquilo. Percebe-se, então, que existe uma circularidade entre infinitivo e particípio, circularidade articulada no presente ativo. O ente pode ser sem importância, insignificante; o fato de que ele "é" o toma importante, único, particular.

66 A distinção sutil, que as línguas usavam para diferenciar o sentido do verbo "ser" em relação ao "ente", levou à criação do verbo "existir".

67 "Existir" significa, antes de tudo, ser efetivamente, de modo real
"Existir" significa, antes de tudo, ser efetivamente, de modo real. A existência evoca a realidade de fato. Enquanto a existência é "de fato", ela é "em presença" de alguém, diante do qual o fato não pode ser eludido, evitado.

68 VI. O MÉTODO

69 A questão do método nos coloca diante do caminho a ser percorrido, da via mais segura para chegar ao saber metafísico. Na abordagem do método, já está implícita a pergunta: Como se faz metafísica? Por qual senda se adentrar, para tentar destrinçar a complexa questão do ser?

70 As tentativas foram várias:
a) Referindo-se aos escolásticos, o objeto da Metafísica era tratado de maneira nominal. O discurso, num primeiro plano, considerava o ente enquanto ente, como também os transcendentais, entendidos como proposições fundamentais. A compreensão do ente se estruturava a partir da explicitação das categorias ontológicas clássicas (ato e potência, substância e acidente etc).

71 O discurso finalizava com a questão da causalidade através da qual se procurava estabelecer a conexão ontológica, e não simplesmente categorial ou lógica, entre o ente múltiplo e contingente, e o ente enquanto ente, considerado absolutamente. Tal esquema exige um procedimento de dialética descendente, tornando-se um método puramente racional, que reconduz ao concreto diverso a unidade de um princípio. O ser, em sua diversidade, fica reduzido ao enquadramento hermenêutico do conceito, do princípio. A diversidade se dissolve na unidade no sentido do Uno." .

72 b) O método da metafísica não poderia ser evidentemente um "método experimental". O ser não é um dado que alguém poderia examinar através dos sentidos e da experiência interna. O ser não é físico nem psicológico. Não é um objeto de cobaia a ser dissecado no laboratório ou num divã de um psiquiatra. A experiência, qualquer que seja, só o apreende através de suas determinações. Se por "experimental" se tem uma compreensão mais larga, no sentido de "fundado sobre a experiência", é possível, então, falar de uma "metafísica indutiva": a que propõem problemas e questionamentos, preparando assim o terreno, o material para a metafísica tout court; porém, não a substitui.

73 c) A metafísica não é a pura explicitação de uma intuição intelectual
c) A metafísica não é a pura explicitação de uma intuição intelectual. Para Malebranche e os ontologistas (Gerdil, Gíoberti, Lavelle), a ideia do ser nada mais é que o Ser mesmo de Deus, que se revela ao espírito humano como exemplar eminente dos seres. Esta dedução incorre em panteísmo. d) O método da metafísica será, talvez, a pura e simples análise do conceito abstrato do ser e a dedução de tudo aquilo que nele está implícito?

74 A noção de ser não é isolável, circunspecta, como a do triângulo, do potássio... Não é um objeto que posso colocar diante do espírito e considerá-lo dal di fuori. O ser não é uma "ideia geral", ordinária. Pelo contrário, eu mesmo sou o ser, estou envolvido por aquilo que, em mim, é profundamente subjetivo e que se torna o objeto do meu estudo. O problema do ser, segundo esta compreensão, não é somente um problema, mas um "mistério", no sentido de G. Mareei. O ser é algo que me envolve, que perpassa toda a minha interioridade. Por este motivo, não pode ser tratado como se fosse uma simples análise ou uma construção objetiva. O discurso, radicalmente objetivo, tende a esquecer que o homem também é ser. Ou, na interpretação heideggeriana, o único ser capaz de propor a questão do ser.

75 e) É possível adotar o método fenomenológico
e) É possível adotar o método fenomenológico? Basta descrever o ser como ele simplesmente se apresenta? Temos de levar em consideração que o ser como ser não é um simples fenômeno, no sentido husserliano. O ser é propriamente aquilo que a redução fenomenológica deixa "entre parênteses". O leitmotiv que guia a reflexão husserliana é "Zu den Sachen selbst", para encontrar pontos sólidos, dados indubitáveis.

76 Mas, para que isso se realize, é preciso fazer epoché, cuja exigência básica é a suspensão de todo juízo sobre o que diz a filosofia, as ciências, as pressuposições da vida cotidiana, colocando tudo entre parênteses. O objetivo último da epoché é o desocultamento. O mundo sempre está aí; o problema é o significado que ele tem para todos os sujeitos. Daí se pode perceber que existe algo que é impossível ser colocado entre parênteses - a consciência: o cogito com a sua cogita ta, isto é, a consciência na qual se manifesta tudo o que aparece. O ser, no entanto, se manifesta à consciência, não podendo ser reduzido a mero fenômeno, pois transcende a esfera da intencionalidade, sendo esta, para Husserl, a característica básica da consciência.

77 Heidegger aplica o método fenomenológico à existência, de modo especial, ao Dasein: existente aberto ao ser e mediante o qual o ser vem a si, é posto em questão. Na analítica existencial heideggeriana, o ser se confunde com a realidade humana em seu processo e projeto temporal, que está marcado pela inquietude e pela angústia. No fundo, o Dasein é sempre único, singular: "meu". Em vista disso, a reflexão metafísica não corre o risco de permanecer fechada na confissão ou na autobiografia?

78 Sartre, em L'Etre et Te Néant, procurou construir uma ontologia fenomenológica. Mas, as suas análises sutis e sugestivas pressupõem a redução do ser ao fenômeno do être-en-soi e être-pour-soi. É claro que a fenomenologia pode ser uma excelente introdução à metafísica; não é, porém, a metafísica, visto que o ser não é objeto de intuição, não se dá à maneira de um fenômeno, do qual é suficiente a descrição. A metafísica transcende o próprio fenômeno.

79 f) Adotaremos o método que prestigia os lugares do "assombro", pois valorizamos o sentido de "assombro" e consideramos que a metafísica precisa sempre ser repensada e, continuamente, redescoberta. A valorização dos lugares do "assombro" desperta o nosso interesse para duas constatações:

80 A primeira é a da dimensão histórica da metafísica
A primeira é a da dimensão histórica da metafísica. O "assombro" é experiência histórica. Sua esfera de envolvimento atinge um horizonte localizado no espaço e no tempo, tomando-se ponto de referência (o lugar-comum) que dá vida à investigação metafísica. Por causa disso, seguiremos a trilha da história da filosofia para analisar como se desenvolveu a indagação metafísica que sonda o mistério do ser, em função de que esta é uma questão de importância fundamental, que a todos diz respeito.

81 O "assombro", que esta indagação provoca, parte das coisas, da multiplicidade de aspectos, "que as tomam interessantes, maravilhosas, espantosas, problemáticas etc. Pouco a pouco, porém, um aspecto desperta, com maior força, nossa atenção, o aspecto da sua existência, o seu ser: antes que não ser, as coisas são! Improvisadamente, a mente percebe a fundamentalidade de tal aspecto, comparado a todos os outros, e começa a perguntar-se sobre o ser das coisas, sobre o ser do ente e no ente. É neste ponto que a investigação metafísica alça voo".

82 No que tange à segunda constatação, gostaríamos de recordar a observação de Heidegger: o ser não é acessível de modo direto. Não se tem dele experiência imediata, como se falasse a nós face a face. Ele sempre se encontra velado. Está encoberto sob a aparência de alguma coisa concreta, sob a máscara de um ente singular. Diante dessa evidência, cabe ao homem assumir a tarefa própria de quem é o "pastor do ser". Só e apenas isso: "ser pastor", cuja missão se define pela busca do desvelamento do ser.

83 O caminho, então, para o ser, é o caminho da revelação, do desvendamento. E tal caminho, por ser único e inevitável, sempre propõe a questão do sentido do ser. Questão esta fundamental, que nos certifica que todo questionamento é sempre uma procura. Uma busca infindável pelo sentido último, pela razão fundante, pelo critério iluminador, como resposta à questão do ser enquanto questão privilegiada.

84 Sabemos que, na existência cotidiana, de alguma maneira, o sentido do ser se apresenta a nós já disponível. Os passos que empreendemos se movem orientados por uma compreensão do ser. Compreensão que, talvez, seja vaga, mediana, deixando-nos à superfície ou à margem do ser. A nossa intenção, neste estudo, não é a de nos conformarmos com mero conhecimento verbal ou vivencial do ser. Queremos ultrapassar este limiar, colocando-nos à procura dos múltiplos sentidos atribuídos ao ser, uma vez que diferentes são os lugares do "assombro" na história da metafísica.

85 VII. UTILIDADE

86 A metafísica é, em certo sentido, a ciência mais inútil, porque não comporta diretamente nenhuma conclusão prática original. Ela é o tipo de conhecimento puramente especulativo.

87 Esta inutilidade, porém, não deve ser compreendida em sentido privativo: a metafísica - entendida formalmente. - não serve a nada, enquanto não está a serviço de nada.

88 É, ao contrário, a ciência mais fecunda, pois a nossa vida possui uma profunda dimensão metafísica, pelo próprio fato de que, para poder existir, o homem necessita, substancialmente, de um sentido para ser. Além do mais, a metafísica valoriza as outras ciências, projetando sobre seus dados e conclusões uma nova luz e dimensão.

89 Desse modo, a investigação metafísica é conduzida pela preocupação de descobrir as razões supremas da realidade. "Quem faz metafísica perscruta o mistério do ser dos entes com a finalidade de descobrir o que é que lhes dá consistência, e os preenche da realidade".

90 Pensar metafisicamente é pensar, sem arbitrariedade nem dogmatismo, nos mais básicos problemas da existência. Os problemas são básicos no sentido de que são fundamentais, de que muita coisa depende deles, por exemplo, a religião, a moral, a lógica ...


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