Caso Clínico: IMUNODEFICIÊNCIA Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS) Internato – Pediatria Hospital Regional da Asa Sul/SES/DF João Victor Rolim Lucas Mazoni Coordenação: Luciana Sugai www.paulomargotto.com.br Brasília, 12 de fevereiro 2009
Admissão PS 31/01/09 – 07h50 Identificação M.E.M.C Idade: 1 ano e 7 meses Cor branca Sexo feminino Registro: 180707-2 Natural e procedente de Samambaia - DF
Queixa Principal / HDA “Inchaço em coxa esquerda há 4 dias” Há 05 dias, criança iniciou febre, termometrada entre 38º e 39º C, evoluindo com induração em região lateral de coxa esquerda há 04 dias, no mesmo local onde foi aplicada vacina DTP no dia 23 de janeiro. Nega outros sintomas.
Revisão de sistemas Nada digno de nota
Antecedentes gestacionais, nascimento e período neonatal Gestação: mãe refere ITU e cefaléia. Nascida de parto normal a termo hospitalar Chorou ao nascer Peso Nascimento: 2880 g PC: 32,5 cm Estatura: 47 cm Nega intercorrências no período neonatal
Antecedentes pessoais Vacinação incompleta: não realizou BCG, tríplice viral, febre amarela, varicela. Justifica a falta das vacinas pois criança está sendo investigada por imunologista (ver antecedentes familiares). Alimentação: nega SME até o sexto mês, iniciando leite de vaca no 1º mês de vida. Hoje tem alimentação variada.
Antecedentes patológicos Internações anteriores: aos 06 meses, teve processo infeccioso na boca (?) associado a celulite periorbitária bilateralmente. Aos 09 meses teve ITU novamente associada a celulite periorbitária bilateralmente. Até o final do primeiro ano de vida, teve vários episódios de febre de origem desconhecida. Nega cirurgias, traumas, alergias, transfusões. Usava Amoxicilina e Bactrim profiláticos.
Antecedentes Familiares Mãe relata que dois filhos anteriores faleceram em decorrência de imunodeficiência primária, não diagnosticada o tipo: a primogênita, sexo feminino, faleceu aos dois anos e 07 meses por sepse, apresentando múltiplos abscessos em pele e celulite periorbitária bilateralmente. O segundo filho, sexo masculino, faleceu aos 06 meses também por sepse, com diagnóstico inicial de pneumonia em mesmo ano da morte da irmã. A paciente é filha de pai diferente das crianças anteriores.
Antecedentes familiares Pai, 21 anos, saudável. Mãe, 22anos, saudável. Tio (lado materno) faleceu aos 09 anos por processo infeccioso agudo (SIC). Prima faleceu aos 02 anos também por processo infeccioso agudo (SIC). Nega outras doenças na família. Nega consanguinidade.
Antecedentes Habitacionais Reside em casa de alvenaria com 04 cômodos. Possui rede de esgoto. Tem 01 cachorro em casa.
Exame Físico Ectoscopia: Bom estado geral, normocorada, hidratada, anictérica, acianótica, eupneica, eutrófica, afebril, irritada ao exame. ACV: RCR em 2T, BCNF sem sopros. FC: 108 bpm AR: MVF sem ruídos adventícios. FR: 22 irpm Abdome: plano, RHA +, flácido, sem VCM. Extremidades: presença de induração de aproximadamente 03 cm de diâmetro em terço distal, face lateral, de coxa esquerda, associada a discreto eritema.
Hipótese diagnóstica / Conduta HD Conduta Abscesso em coxa esquerda. HC, VHS, TGO, TGP, Ur, Cr, eletrólitos Ultrassonografia de coxa esquerda Cefazolina 250 mg IV 6/6h À DIP
Exames HC (30/01/2009): VHS: 20 mm/h Glicose: 107 mg/dL Leuc. 7550/mm³( Seg. 33%, Bast. 01%, Linf. 58%, Mono. 08%, Eos. 00%, Baso. 00%) Hem. 4,77 x 106/mµl HG: 13,0 g/dl HT: 37,7% Plaq: 211.000/mm3 VHS: 20 mm/h Glicose: 107 mg/dL Uréia: 28 mg/dl Creat: 0,5 mg/dl TGO: 28 U/I TGP: 14 U/I Na+: 143 mEq/L K+: 3,1 mEq/L Cl-: 109 mEq/L
Ultrassonografia de coxa esquerda “Evidência de imagem sólida hipoecóica, alongada, localizada entre fáscia do músculo vasto lateral e o tecido celular subcutâneo no terço distal da coxa, medido 3,1 x 3,0 cm, sugerindo abscesso.”
Evolução 01/02/09: apresentou picos febris (38º), aceitando parcialmente dieta, porém com bom estado geral. Mantido cefazolina. 02/02/09: alta hospitalar com cefalexina por 10 dias.
Avaliação da criança com suspeita de imunodeficiência Conceito: resistência a infecção é defeituosa por uma doença sobrejacente ou terapia imunossupressora < 2 anos normais tem 5-6 doenças agudas do trato respiratório por ano (máximo de 11-12) Otite média e gastrenterite tem freqüência similar nos < 2 anos normais (máximo de 14) Acompanhamento em grupos de cuidados de criança e exposição a fumantes Diferenciar “normal mas azarado” do imunologicamente anormal
Identificação História de uma “normal mas azarada” criança Falta de documentação, infecções profundas em sítios múltiplos Crescimento e desenvolvimento normais Morfologia e fisiologia normais entre as infecções Falta de história familiar de imunodeficiência
INFECÇÕES RECORRENTES Anormalidade anatômica e/ou fisiológica Condições adjacentes Imunodeficiências primárias
Anormalidade predisponente Tipo de infecção Anormalidade predisponente Infecção sanguínea Asplenia; anormalidade cardíaca valvar; cânula intravascular ou trombo; Neutropenia Infecção óssea Corpo estranho; Artefato ortopédico Meningite Implante coclear; defeito na dura-máter; defeito de Mondini da orelha interna; fratura óssea oculta; cânula ventricular Pneumonia Reflexo de tosse anormal; atelectasia; bronquiectasia; intubação endotraqueal; compressão extrínseca da via aérea; corpo estranho; refluxo gastresofágico; seqüestro pulmonar; anel vascular Infecção de tecido mole Diminuição da sensação; corpo estranho; linfoedema; injúria térmica Infecção do trato urinário Duplicação do trato, seio, fístula ou obstrução; nefrostomia; cateter urinário; vesicostomia
Condições subjacentes Asma Doenças vasculares do colágeno Fibrose cística Diabetes mellitus Condições genéticas/metabólicas Deficiência de crescimento/ síndrome de imunodeficiência Síndrome neurológica com imunodeficiencia Sindrome dermatologica com imunodeficiencia Síndrome do TGI com imunodeficiencia Sindrome de Down Ictiose Distrofia miotônica Doença de Werdnig-Hoffmann Galactosemia Alfa-manocsidose Mucolipidose II Acidúria orotica Acidúria metilmalônica Acidemia propiônica Acidemia isovalérica Glicogenose IB Condições hematopoiética/imunológica Hemoglçobinopatia Imunossupressão Corticoterapia Quinioterapia Radioterapia Transplante de medula óssea e de órgão sólido Malignidade linfohematopoiética Citopenia droga-induzida Síndrome asplênica Mielocatexia Recém-nascido Prematuridade Condições nutricionais Má nutrição Entreopatia perdedora de proteínas Sarcoidose Condições renais Falha renal Síndrome nefrótica Terapia antagonista de FNT
Imunodeficiências primárias Condição Freqüência Asma 1:26 Deficiência de IgA 1:500-700 DM 1:556 HIV 1:1000 Doença da pilha de Sickle 1:2200 Fibrose cística 1:2500 Leucemia linfocítica aguda 1:9000 Fenilcetonúria 1:10000 agamaglobulinemia 1:50000-100000 Imunodeficiencias severas combinadas 1:100000-500000 Doença granulomatosa crônica 1:255000
Características da criança com imunodeficiência primária Sintomas infecciosos começam nos primeiros dias-semanas de vida Resposta terapêutica lenta Infecção é suprimida por terapia apropriada Organismos comuns causam manifestações severas ou infecção recorrente Organismos não patogênicos Atraso no crescimento e desenvolvimento Múltiplas infecções Complicações inesperadas
Freqüência relativa das imunodeficiências primárias Fator Porcentagem Linf. B 50-70 Linf. T 20-30 Linf. T e B 10-15 fagócitos 15-20 complemento 2-5 Outros fatores imunológicos <1
Avaliação da criança com infecção recorrente História História médica História familiar Condições do nascimento Social Revisão de sistemas Exame físico Exames laboratoriais Testes específicos Testes genéticos
Revisão de sistemas Abscesso cutâneo, rash, rinite, dermatite e paroníquia perda da proteção da pele Sinusite, alergias sazonais, coriza, distúrbio do sono processo alérgico Gengivite, doença periodontal, estomatite Imunodeficiência primária
Exame físico Conciliar sinais vitais com história Avaliar crescimento e desenvolvimento; dismorfismo Marcas de atopia, hiperplasia do tecido linfóide da nasofaringe Linfoadenomegalias Defeitos do linha média da cabeça, pescoço, coluna e sacro, ou rinorréia com glicose Membrana timpânica Gengivite ulcerações, perda de dentes e doença periodontal Pele Doença pulmonar crônica Tamanho do fígado e baço Pararretal Examinar região com história de infecções repetidas
Manejo Baseada na condição específica
Infecções de Pele
Manifestações cutâneas na infecção bacteriana: mecanismos patogênicos Infecção primária da pele Exotoxinas circulantes (S. pele escaldada) Mecanismos Imunológicos (Vasculites) Infecção sistêmica com envolvimento cutâneo Manifestação cutânea de Coagulação Intravascular Disseminada.
Impetigo Não-bolhoso Camada da pele: epiderme 70% casos de impetigo Fatores de risco: trauma, lesões de varicela, picadas de inseto, laceração, queimadura. Agentes: S. aureus, S. pyogenes Lesões: base eritematosa, crostas com exsudato cor de mel, indolores. Adenopatia local (90%) Laboratório: leucocitose (50%) Resolução espontânea em 2 semanas
Impetigo Bolhoso Acomete mais lactentes. Lesão: bolha única ou aglomerados que pode se tornar purulenta. Eritema circulante não é comum. Agente: Staphylococcus aureus Lesões são causadas por produção local de toxinas.
Bolhas e erosão em lactente com impetigo bolhoso causado por Staphylococcus aureus
Impetigo Complicações (raras): celulite (10%), linfadenite supurativa, escarlatina, GNDA. Tratamento: amoxicilina com clavulanato, cefalexina, clindamicina.
Celulite Camadas envolvidas: derme e subcutâneo Fatores de risco: trauma ou lesões superficiais Manifestações clínicas: edema, calor, eritema e dor. Bordas mal definidas (lesão profunda). Outros sintomas: linfadenopatia regional, febre, calafrios, mal-estar. Agentes: Streptococcus pyogenes e Staphylococcus aureus Complicações: osteomielite, artrite, tromboflebite, sepse, fasciite necrosante.
Celulite Agentes envolvidos em imunodeficientes: Pseudomonas, Haemophilus influenzae type b, Enterobacteriaceae e Cryptococcus neoformans Exames: cultura de aspirado da lesão, biópsia de pele, hemocultura. Tratamento: Cefalexina, oxacilina.
Erisipela Forma mais superficial da celulite Agente: S. pyogenes Fatores de risco: trauma, dermatoses, micoses, picadas de insetos. 1/3 dos pacientes tem histórico de IVAS recente por agente viral. Locais mais comuns: extremidades e face. Clínica: início abrupto com febre, calafrios, mal-estar, seguido de lesões cutâneas após 1-2 dias. Lesões: placas eritematosas, edematosas e quentes, bem delimitadas, pode ser sensível. Vesículas e bolhas podem estar presentes. Textura de casca de laranja.
Erisipela Tratamento: penicilina cristalina por 3 dias, seguido de antibiótico oral (espectro para S. pyogenes) até completar 10 dias.
Bibliografia Ferri: Practical Guide to the Care of the Medical Patient, 7th ed. Long: Principles and Practice of Pediatric Infectious Diseases, 3rd ed.
Obrigado
Nota: Editor do site www. paulomargotto. com. br Dr. Paulo R Nota: Editor do site www.paulomargotto.com.br Dr. Paulo R. Margotto Consultem: Imunodeficiência Combinada Grave Autor(es): Fabrício Prado Monteiro Caso clínico: Imunodeficiências primárias Lenira Silva Valadão, Elisa de Carvalho Caso Clínico: Imunodeficiência combinada grave (SCID) Danillo Hellou, Paulo R. Margotto, Fabíola Scancetti Tavares