Direito e Antropologia

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Transcrição da apresentação:

Direito e Antropologia XIX Encontro Nacional do CONPEDI Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito Fortaleza, 10 de junho de 2010 Direitos Fundamentais e Transdisciplinariedade Direito e Antropologia Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer - alps@usp.br NADIR – Núcleo de Antropologia do Direito Departamento de Antropologia - FFLCH-USP http://www.fflch.usp.br/da/index.php/nucleos/nadir

Breve noção da Antropologia enquanto área de conhecimento

Ciências Humanas

Ciências Sociais

Antropologia

Antropologia Social ou Cultural Estudo dos mais diversos grupos humanos, visando constituir um “arquivo” de suas aptidões, praticamente infinitas, para inventar os mais distintos modos de vida e de organização social.

Direito = ciência social aplicada...

Antropologia do Direito Fonte: Rouland, Norbert – L’Anthropologie Juridique. Paris: PUF, 1990 Estudos de como cada grupo compreende e pratica “direito” e “justiça” no conjunto de seus mecanismos de regulação. São analisados discursos (orais e/ou escritos), práticas e representações que podem ser considerados “jurídicos” pelo próprio grupo ou estar incluídos em outros sistemas de controle social, como a moral e a religião.

“Marca de nascença” da antropologia = conhecer para dominar... Perguntas inaugurais - final do séc. XIX (não inéditas!): A Humanidade é una? Como explicar a diversidade? Universalidade (= uniformidade?) X Diversidade (= desigualdades?) 1870 – 1920: Escola Evolucionista Britânica (Imperialismo Britânico) História Humana = monogênica, progressiva (cumulativa) e universal; Diferenças culturais = etapas de um mesmo processo evolutivo cujo ápice é o progresso científico e tecnológico. selvageria  barbárie  civilização (europeus, brancos, urbanos, industrializados, detentores da ciência moderna, organizados em Estados, monoteístas, monogâmicos...) Pesquisas = fontes secundárias (textos de missionários, viajantes, comerciantes, administradores coloniais)  “antropologia de gabinete”. Imensa influência nos cursos de Direito e na formação de uma “mentalidade jurídica/ judicial” brasileira no século XX  1º grande encontro entre antropologia e direito no Brasil.

Rápida superação da “marca de nascença”, mas não de seus efeitos... Escola Culturalista Norte Americana (início do séc. XX): crítica ao conceito de raça, ao racismo e à noção evolucionista de progresso. Ênfase em particularidades culturais em detrimento da busca de universais. Surge o “trabalho de campo antropológico”, o método etnográfico. Escola Funcionalista Britânica e Norte Americana (1920-1950): Interesse por instituições e suas funções para a manutenção de totalidades culturais. Reflexões sobre conflito e coesão social. Escola Sociológica Francesa (primeiras décadas do séc. XX): a troca e a reciprocidade são reconhecidas como fundamentos da vida social de qualquer grupo humano (dar, receber, retribuir) Estruturalismo (a partir de 1940): Busca de estruturas e de princípios organizadores da mente humana (teorias do parentesco; estudos do totemismo). Regras baseadas em pares de oposição e códigos binários. Reciprocidade = universal, mas se expressa de inúmeras maneiras. Diferenças culturais = expressões distintas de uma capacidade lógica comum a “primitivos” e “civilizados”. Esta conclusão mal atinge faculdades e operadores do direito no Brasil.

Crítica interna radical à própria Antropologia como ciência e a seu alcance político Antropologia Interpretativa (a partir de 1960): culturas são consideradas conjuntos de significados hierarquizados expressos através de arranjos peculiares. Busca-se interpretar e descrever “densamente” leituras que os “nativos” fazem de sua própria cultura (ler leituras e leitores). Antropologia Pós-Moderna ou Crítica (a partir de 1980): politização da relação observador-observado na pesquisa antropológica. Critica à “autoridade etnográfica” do antropólogo. Culturas são consideradas processos polissêmicos e etnografias são pensadas como representações que devem respeitar essa polissemia. Questiona-se a Antropologia como ciência e aponta-se que se trata mais de uma experimentação ou de uma arte da crítica cultural. No Brasil da transição democrática e da Constituição de 1988, estes novos discursos antropológicos produzem ecos político-jurídicos, especialmente via antropólogos militantes atuantes nos mais variados movimentos de direitos humanos: questões étnicas, feministas, de orientação sexual, indígenas, camponesas, urbanas, religiosas etc. 2º grande encontro entre antropologia e direito no Brasil.

Resumindo... Proponho considerarmos que houve dois grandes encontros entre Antropologia e Direito no Brasil: 1º) na virada do Séc. XIX para o XX: Evolucionismo Social. Educar = doutrinar para corrigir imperfeições, para acelerar o progresso dos “atrasados”. 2º) no período da redemocratização (a partir de 1980): Educar = aprendizado pelo qual antropólogos e seus interlocutores passam ao se expor uns aos “outros”. Processo dialógico e interpretativo. Possível fusão de diferentes horizontes culturais.

Transdisciplinariedade, Antropologia e Direitos Fundamentais 1) é uma proposta central da antropologia atual “compreender o que os outros compreendem” (por direitos fundamentais, por exemplo), a fim de tentar construir diálogos transculturais; 2) a Antropologia do Direito reconhece a historicidade (o ocidentalcentrismo) dos textos e discursos jurídicos e analisa suas limitações e potencialidades, a partir de contextos locais; 3) devemos assumir que todos falamos de postos de observação não neutros e problematizar essa parcialidade; 4) não devemos cair na armadilha de um Neo-Evolucionismo baseado em princípios dos Direitos Humanos (um “imperialismo do bem”)... 5) vale a pena apostarmos, antes de tudo, no diálogo, na “arte da escuta” e nas possibilidades de revisitarmos nossas posturas a partir de afetos produzidos em interações dialógicas.

Precisamos realizar mais pesquisas transdisciplinares Precisamos realizar mais pesquisas transdisciplinares !! Pesquisar = estar curioso

Pesquisar cientificamente = estar cientificamente curioso

Várias pesquisas atuais em Direito pretendem-se: Aplicadas (com alcance sócio-política), mas são “doutrinárias”; Exploratórias ou elucidativas, porém seus objetos são bastante conhecidos e analisados por outras áreas do conhecimento científico; Quantitativas (generalizáveis), todavia não costumam contar com amostras significativas; Históricas, contudo abordam acriticamente o processo histórico; Monográficas, entretanto generalizam conclusões (indicam tipos, modelos); Baseadas em técnicas indiretas de observação, especialmente bibliográficas e documentais, mas não fazem uma análise crítica dessas fontes de dados; Explicativas, porém não passam de identificações e descrições de fatos, geralmente, descontextualizados.

Confirmam essas críticas a maior parte dos(as)

Mas há boas exceções! Equipes e projetos multi, inter/ transdisciplinares (às vezes, inter-regionais, inter-estaduais e mesmo internacionais); Várias fontes financiadoras: instituições de apoio à pesquisa, projetos governamentais e empresariais de caráter sócio-cultural; Múltiplos vínculos entre universidades, ONGs, outros centros e núcleos; Necessário compromisso ético.

Como a antropologia pode colaborar em pesquisas transdisciplinares na área do direito? Inserindo-se, efetivamente como “ciência da alteridade”, nos cursos de graduação e de pós-graduação em direito (causando desconfortos!); Enfatizando que pesquisar é estimular a curiosidade, a insatisfação e a inquietação, não o comodismo da reprodução acrítica de saberes consolidados; Demonstrando que pesquisar “cientificamente” é, a partir de certos paradigmas, inclusive questioná-los, situando histórica, política e socialmente cientistas, a própria ciência e seus resultados; Reiterando que ética e pesquisa são indissociáveis. Pesquisar é um ato político. A pesquisa, portanto, como linha mestra de uma metodologia de discussão e de ensino de direitos fundamentais/ humanos deve, antes de tudo, estimular a humildade. Vivemos tempos de problemas e soluções suprapessoais, supranacionais, pluridimensionais, TRANSDISCIPLINARES e TRANSCULTURAIS.