Discurso(s) jurídicos: algumas considerações

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Discurso(s) jurídicos: algumas considerações

BIBLIOGRAFIA UTILIZADA NA AULA Greimas, A. 1976. «Analyse sémiotique d’un discours juridique», Sémiotique et sciences sociales. Paris, Seuil, pp.79-128 Maingueneau, D. & Cossuta, F. 1995. «L’analyse des discours constituants», Langages, 117, Paris. Larousse. pp. 112-125

Discurso constituinte Estatuto fundador de alguns tipos de discurso com a função de contribuírem para a produção simbólica de uma sociedade Função de archéion , arquivo, ligado a arché , origem, princípio, e a partir daí sede do poder – palácio, corpo de magistrados, arquivo público.

Archéion Fundação do e pelo discurso Determinação de um lugar ligado a um corpo de enunciadores consagrados Elaboração da memória

Discursos constituintes (sgd Maingueneau e Cossutta1995) Discurso religioso Discurso científico Discurso filosófico Discurso literário Discurso jurídico Existe uma interacção contínua entre discursos constituintes e não constituintes

Funções dos discursos constituintes Dão sentido aos actos da colectividade São o garante de múltiplos géneros de discurso São discursos que se pretendem por cima de qualquer outro Como se autorizam a si próprios , devem surgir como ligados a uma Fonte legitimante

São ao mesmo tempo auto e heteroconstituintes: «só um discurso que se constitui tematizando a sua própria constituição pode ter um papel constituinte face a outros discursos».

M&C acreditam que se pode estudar essa constituição em três dimensões (cf. p. 113) O acto de se estabelecer legalmente – processo pelo qual o discurso se instaura construindo o seu próprio aparecimento no interdiscurso Os modos de organização, de coesão discursiva, com vista à formação específica de uma totalidade textual A constituição no sentido jurídico-político, estabelecimento de um discurso que sirva de norma e de garante aos comportamentos de uma colectividade.

Qualquer discurso constituinte pressupõe a existência de uma comunidade discursiva que partilha um conjunto de rituais e de normas. Há comunidades discursivas que gerem o discurso e há comunidades que o produzem. A comunidade discursiva existe apenas e na enunciação dos textos, varia de acordo com o tipo de discurso constituinte e o seu posicionamento. Um discurso constituinte não mobiliza só os seus autores – ele tem a capacidade de mobilizar um a variedade de papéis socio-discursivos: por exemplo os legisladores, os advogados, os juízes, os réus, etc. Cf M&C 1995, 115

Heterogeneidade discursiva – interna a uma fonte enunciativa Hierarquia entre os textos iniciais e os que se apoiam sobre eles para os comentar, resumir, etc. Regimes enunciativos fechados vs regimes abertos

Heterogeneidade enunciativa no discurso jurídico Aplicada esta ideia da heterogeneidade enunciativa ao discurso legislativo, temos a «hierarquia das leis: Constituição Direito Internacional Actos normativos Actos de Administração

Constituição – Lei constitucional Direito Internacional – Convenções e Tratados Actos Normativos – Leis e Decretos-leis Actos de Administração – Regulamentos, Decretos, Resoluções do Conselho de Ministros, Portarias, Despachos, Instruções, Circulares, Regulamentos policiais, Regulamentos e posturas locais

«O discurso constituinte implica um tipo de ligação específica entre operações linguísticas e espaço institucional. As formas linguísticas representam no discurso a instituição, e ao mesmo tempo que elaboram o universo social em que se vão inscrever, legitimam-no: - Cenografia do discurso - Código linguístico específico - Investimento no imaginário (fixando o ethos ligado à cenografia e ao código linguístico)

Função do sistema jurídico A fonte do sistema jurídico é palavra performativa que instaura uma ordem do mundo convencional A existência dos seres e das coisas depende da enunciação Cada ser e cada coisa tem funções precisas delimitada por regras prescritivas e interdictivas

Imutabilidade do direito VS discursos jurídicos sempre renovados A prática jurídica é produção do DIREITO, das regras e das significações jurídicas

Discurso jurídico O discurso jurídico possui ao mesmo tempo certas propriedades que o distinguem dos outros, ao mesmo tempo que pode ser definido como um discurso numa língua natural. Uma língua natural permite falar do mundo e dos homens. Permite também a constituição de discursos específicos dotados de uma certa autonomia. Aparece então o lugar referencial a que reenviam as significações particulares produzidas pelos discursos do segundo grupo –como o discurso jurídico – e um em que convergem e se entrecruzam numa polissemia significativa e que releva de diferentes metadiscursos. in GREIMAS 1976, 83 (trad. minha)

Gramática jurídica A gramática jurídica constitui-se como uma construção arbitrária e explícita. Se os objectos gramaticais do direito só existem por virtude do dizer, nomear e definir, os objectos constituem um dos aspectos essenciais da prática jurídica, entendendo por prática as duas dimensões da actividade jurídica

O discurso jurídico apresenta-se modalizado em verdadeiro / falso Através de enunciados qualificativos – que atribuem determinações aos objectos discursivos Através de enunciados funcionais – que determinam a esfera do fazer que estes objectos são susceptíveis de assumir Estas modalizações surgem através de categorias próprias à linguagem jurídica

Existente VS não existente Os enunciados qualificativos identificam-se ao existente através do «dizer» do legislador – o que é explicitamente dito tem o estatuto do existente A noção de nulidade jurídica junta-se ao termo do não existente = dito VS não dito

Estrutura do legislador Sujeito colectivo – porque é a expressão de um querer, da «vontade nacional» e é quem representa com palavras o actante social que é a comunidade social. No entanto, enquanto sujeito , ele não recobre a totalidade do querer colectivo: o seu fazer é da ordem do dizer; o seu querer dizer não é directo, mas é mediatizado por todas as instâncias que comporta a estrutura desse actante colectivo. Esta mediação faz-se por uma série de operações descendentes que vão do destinador ao destinatário que se instaura como sujeito de enunciação do discurso jurídico. Greimas 1976, p. 111

A validade da linguagem jurídica é instituída por uma estrutura particular de delegação do poder. Quem codifica originalmente as mensagens jurídicas - o legislador- é no fundo um «codificador supletivo» chamado a re-dizer o direito a que chamamos justiça Greimas, p. 9 (trad. e adapt.minhas)

Discurso jurídico Gramática jurídica Enunciados jurídicos Dicionário jurídico

Enunciados jurídicos Forma canónica (a sua gramaticalidade) Conteúdo jurídico (a sua semanticidade)

A forma canónica (gramaticalidade) e ao conteúdo jurídico (semanticidade) são aparentemente, suficientes para definir as duas práticas jurídicas de produção e verificação do direito – a prática legislativa e a prática jurisprudencial.

A actividade legislativa constitui uma actividade de comunicação Leitor do texto legislativo Autor do texto legislativo Parlamento Governo Ministro Executivo municipal Adoptam um texto para transmitir ao Destinatário uma regra de direito

« Para o jurista, a intenção do legislador não se identifica com o pensamento real, subjectivo, psicológico e histórico que possa ter existido no espírito das pessoas (redactores, parlamentares, etc.) que contribuíram para a elaboração e a adopção do texto. A intenção do legislador revela-se sobretudo numa construção da doutrina jurídica, um «conceito técnico», um «facto institucionalizado» in Lajoie, Robin & Chitrit 2005, 136-137

Proposta de classificação dos textos jurídicos portugueses Textos legislativos Textos judiciais Textos académicos Textos de aplicação ao direito