A sucessão do cônjuge: uma análise da ordem da vocação hereditária

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Transcrição da apresentação:

A sucessão do cônjuge: uma análise da ordem da vocação hereditária Carlos Fernando Brasil Chaves

Direito Sucessório Ramo do direito civil que mais se transformou Opositores: ROUSSEAU / MONTESQUIEU: a sucessão contraria princípios de justiça e interesse social, gerando desigualdade necessidade de a fortuna privada reverter-se à coletividade, cabendo ao Estado dar-lhe a adequada destinação EUGENIO RIGNANO: ESCOLA SOCIALISTA

Defensores: D’AGUANO: Direito sucessório é justificado por critérios de biologia e antropologia. Progenitores transferem caracteres orgânicos, físicos, virtudes e defeitos. A transmissão hereditária é continuação bio- psicológica.

COGLIOLO A Família e a Propriedade são institutos admiravelmente harmônicos. Negar sua relação é sinal de regresso social

CIMBALI O direito sucessório é combinação de 3 fatores: Individual (testamentária) Familial (legítima) Social (legítima)

GROTIUS, PUFFENDORF E WOLF A Sucessão testamentária é corolário da liberdade de dispor da propriedade A Sucessão legítima é uma manifestação de vontade presumida do defunto e do direito eminente do Estado, constituindo elementos familial e social

Para Cunha Gonçalves: 1. Sua aniquilação favoreceria o desperdício, 2. Eliminaria uma das bases da coesão familiar, 3. constituiria incentivo ao egoísmo personalista.  

Para Manoel Ubaldino de Azevedo: “A fortuna privada é o suporte da organização estatal e suas iniciativas alimentam a Fazenda Pública”.  

Sucessão Legítima Não obstante tenha caráter supletivo é a mais aplicada no direito brasileiro Busca estabelecer os sucessores de acordo com o sentimento comum e os interesses do Estado

Ordem da vocação hereditária: Norma de ordem pública: não pode ser afastada ou mitigada pela autonomia da vontade. É a ordem em que se convocam os sucessores (inexistindo testamento)

Evolução da ordem de vocação hereditária: Justiniano: Levou em consideração apenas a vontade presumida do defunto – sucessão familial

Ordenações Filipinas: I – Descendentes até o infinito II – Ascendentes até o infinito III – Colaterais até o 10º grau IV – Cônjuge sobrevivente V - Fisco

Lei 1839, de 31 de dezembro de 1907. I – Descendentes até o infinito II – Ascendentes até o infinito III – Cônjuge sobrevivente IV - Colaterais até o 6º grau V - Fisco

Código Civil 1916: Art. 1603. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes II – aos ascendentes III – ao cônjuge sobrevivente IV – aos colaterais V – aos Municípios, ao Distrito Federal ou à União

Como se vê: Houve uma evolução da posição do cônjuge em sede sucessória Contudo, o cônjuge não era compreendido como herdeiro necessário (art. 1721)

Cenário Atual: Quase 100 anos para o novo CC Como ficou a ordem da vocação hereditária e qual foi o intuito do legislador com a nova redação?

Art. 1829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens; ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais.

Alteração significativa na sucessão do cônjuge. Passa a concorrer com descendentes Passa a concorrer com ascendentes Herda sozinho em caso de inexistência de ascendentes ou descendentes

E o que mais veio a favorecer o cônjuge? 1830. Defere-se a ele a sucessão mesmo separado de fato (sendo menos de 2 anos) ou se a convivência tenha se tornado impossível sem sua culpa 1831. Direito real de habitação no imóvel de residência da família (qualquer que seja o regime adotado)

1832. Quinhão não inferior a 25% se for herdeiro dos descendentes com que concorrer. Inclusão como herdeiro necessário: “Art. 1845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.”

Mas e o companheiro? Defere-se ao COMPANHEIRO o mesmo tratamento? Ou seja: Concorre nos termos do 1829? Garante-se a ele quinhão não inferior a 25%? Impede-se que seja ele afastado pelo testamento?

Absolutamente, não: Se o legislador assim desejasse, faria expressamente. Contudo, preferiu colocar a sucessão do companheiro em norma específica, fora do contexto da sucessão legítima. Encontra-se no título “Da sucessão em geral”, no art. 1790.

Art. 1790. “A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:” Maria Helena Diniz: trata-se de sucessor regular.

Mas, SERIA INJUSTA ESSA POSIÇÃO? AFRONTARIA A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA? CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL ESTÃO EM MESMO NÍVEL DE PROTEÇÃO ESTATAL?

Art. 226, § 3º, da CF. “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento” O Estado visa, com o reconhecimento da União Estável, reconhecer as uniões de fato e possibilitar a facilitação de sua conversão em casamento.

Resp. 992749, 3ª Turma do STJ: Ministra Nancy Andrighi, relatora: Analisa Recurso acerca do contexto da aplicabilidade do artigo 1790. O voto, contudo, passa também a realizar análise do contexto do cônjuge no direito sucessório.

Voto da Excelentíssima Ministra Nancy Andrighi: Análise crítica A Excelentíssima Ministra denomina sua interpretação como : “A consideração da vontade manifestada no casamento, para a interpretação das regras sucessórias”

Ao texto da decisão: “Até o advento da Lei n.º 6.515/77 (Lei do Divórcio), considerada a importância dos reflexos do elemento histórico na interpretação da lei, vigeu no Direito brasileiro, como regime legal de bens, o da comunhão universal, no qual o cônjuge sobrevivente não concorre à herança, por já lhe ser conferida a meação sobre a totalidade do patrimônio do casal. A partir da vigência da Lei do Divórcio, contudo, o regime legal de bens no casamento passou a ser o da comunhão parcial, o que foi referendado pelo art.1.640 do CC/02.”

Primeira questão: É correto tomar por base o regime patrimonial entre os cônjuges para o estudo do direito sucessório? O que é regime de bens e quando ele vigora?

Regime de Bens: Washington de Barros Monteiro: “É o complexo de normas aplicáveis às relações econômicas entre marido e mulher, durante o casamento.”

“Assim, quando os nubentes silenciam a respeito de qual regime de bens irão adotar, a lei presume que será o da comunhão parcial, pelo qual se comunicam os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, consideradas as exceções legais previstas no art. 1.659 do CC/02. Se em vida os cônjuges assumiram, por vontade própria, o regime da comunhão parcial de bens, na morte de um deles, deve essa vontade permanecer respeitada, sob pena de ocorrer, por ocasião do óbito, o retorno ao antigo regime legal: o da comunhão universal, em que todo acervo patrimonial, adquirido na constância ou anteriormente ao casamento, é considerado para efeitos de meação.”

Segunda questão: Está correta essa conclusão? Admitir que herdando o cônjuge casado no regime da comunhão parcial transmuta-se o regime em comunhão universal?

“A permanecer a interpretação conferida pela doutrina majoritária de que o cônjuge casado sob o regime da comunhão parcial herda em concorrência com os descendentes, inclusive no tocante aos bens particulares, teremos no Direito das Sucessões, na verdade, a transmutação do regime escolhido em vida – comunhão parcial de bens – nos moldes do Direito Patrimonial de Família, para o da comunhão universal, somente possível de ser celebrado por meio de pacto antenupcial por escritura pública.”

“Não se pode ter após a morte o que não se queria em vida “Não se pode ter após a morte o que não se queria em vida. A adoção do entendimento de que o cônjuge sobrevivente casado pelo regime da comunhão parcial de bens concorre com os descendentes do falecido a todo o acervo hereditário, viola, além do mais, a essência do próprio regime estipulado.”

Mas, O regime de bens é estipulado para valer depois da morte? É o regime de bens quem define situação sucessória?

“Por tudo isso, a melhor interpretação é aquela que prima pela valorização da vontade das partes na escolha do regime de bens, mantendo-a intacta, assim na vida como na morte dos cônjuges.” Nossa opinião: Seria necessário Testamento

“Desse modo, preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o postulado da autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o direito à meação, além da concorrência hereditária sobre os bens comuns, haja ou não bens particulares, partilháveis, estes unicamente entre os descendentes.”

Contudo, Tal determinação é diretamente contrária ao disposto no artigo 1829, I, causando resultado diverso do estabelecido no mandamento legal.

Sobre a Separação de bens “A separação de bens, que pode ser convencional ou legal, em ambas as hipóteses é obrigatória, porquanto na primeira, os nubentes se obrigam por meio de pacto antenupcial – contrato solene – lavrado por escritura pública, enquanto na segunda, a obrigação é imposta por meio de previsão legal.”

“Sob essa perspectiva, o regime de separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.829, inc. I, do CC/02, é gênero que congrega duas espécies: (i) separação legal; (ii) separação convencional. Uma decorre da lei e a outra da vontade das partes, e ambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado o regime de separação de bens, à sua observância.”

“Dessa forma, não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meação, salvo previsão diversa no pacto antenupcial, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário.”

Mas é o que reza o art. 1829? I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens; ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente

Será que aquele que opta pela separação de bens no pacto antenupcial realmente não quer comunicação patrimonial por força do casamento? Aliás, ele tem querer? Está correto dizer que o cônjuge casado em tal regime não é herdeiro necessário?

“Art. 1845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.”

“Entendimento em sentido diverso, suscitaria clara antinomia entre os arts. 1.829, inc. I, e 1.687, do CC/02, o que geraria uma quebra da unidade sistemática da lei codificada, e provocaria a morte do regime de separação de bens. Por isso, entre uma interpretação que torna ausente de significado o art. 1.687 do CC/02, e outra que conjuga e torna complementares os citados dispositivos, não é crível que seja conferida preferência à primeira solução.”

Assim, estabelece o seguinte quadro interpretativo: Regimes Meação Cônjuge/Companheiro herda bens particulares? Cônjuge/Companheiro herda bens comuns? União Estável Sim Não Sim, em concurso com descendentes Comunhão Universal Comunhão Parcial Separação de Bens

Em nosso entender, a tabela: Regimes Meação Cônjuge/Companheiro herda bens particulares? Cônjuge/Companheiro herda bens comuns? União Estável Não por força de morte, mas de dissolução Não Sim, nos termos do art. 1790 e incisos Comunhão Universal Sim Comunhão Parcial Sim, nos termos do art. 1829, I Separação Obrigatória Separação Convencional