Ciência, Tecnologia e Sociedade: Aula 6

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Transcrição da apresentação:

Ciência, Tecnologia e Sociedade: Aula 6 A Ciência como atividade social: Pierre Bourdieu e o Campo Científico Professor Adalberto Azevedo São Bernardo do Campo, 01/04/2014

Os campos sociais Interpretações de racionalidades de cada campo: externas e internas Racionalidades da modernidade: Cognitivo-instrumental (C&T, ciências naturais/sociais) Moral-prática (direito, humanidades) Estético-expressiva (arte, humanidades) Racionalidades estão representadas em espaços híbridos: Universidades, empresas, associações profissionais, etc; Como elas se comunicam? E como se relacionam? E como os agentes de um determinado campo estabelecem relações de poder (trocas) ?

Pierre Bourdieu e os campos sociais Sociólogo: sociologia rural, cultura, educação, ciência Livros: A especificidade no campo científico e as condições sociais do progresso da razão (1975) Homo academicus (1984) As regras da arte- gênese e estrutura do campo literário (1992) Teoria dos campos sociais e do habitus das comunidades APLICAÇÕES Reflexões (autoanálises) coletivas sobre as comunidades dos campos sociais (pelas próprias comunidades) Modo de funcionamento (injustiças, iniquidades) Autonomia relativa: funções sociais Análise transversal: fatores cognitivos e sociais Homo academicus em seu habitat natural PROPOSTAS DE MELHORIAS!

Os campos sociais Campo social: espaço onde se desenvolve uma determinada produção social (ciência, música, literatura, esporte...) Campo: espaço de cada jogo, com suas próprias regras (formais e informais) internas e graus de influência externa Interpretações dos campos sociais: internalistas (conteúdos das produções sociais) e externalistas (contexto das produções sociais) Ciência é produzida num espaço intermediário, que inclui regras internas e externas, e suas interações: o campo científico Influências externas Regras internas

O campo científico Relativamente autônomo: regras internas X influências externas (autonomia parcial, ou heteronomia) Diferentes graus de autonomia (diferenças de autonomia entre disciplinas científicas, instituições, períodos, países) Pressões externas (fundos, ordens, ética social, etc.) versus resistências internas (complexidade, monopólio do conhecimento, competência técnica, etc.). Não existe “ciência pura” ou “ciência escrava”: a produção científica ocorre por intermédio das lutas no campo científico Capacidade de refração: tradução das pressões e demandas externas, de acordo com a lógica do campo social e as influências sociais Integrantes de um campo tendem a buscar maior Autonomia, que significa maior capacidade de refração/retradução de acordo com suas diretrizes

O campo científico Quanto mais autônomo é um campo, maior seu poder de refração (resignificação das pressões externas em suas respostas- produção científica/tecnológica) Quanto menos autônomo (heterônomo), mais o campo traduz literalmente as pressões externas, especialmente as políticas e econômicas Adesão a uma influência externa pode (ou não) ser desqualificada como “não-científica” ou “mercantilizada” Espaço de lutas pela conservação ou transformação do campo Agentes de transformação: podem ter grande influência (Por exemplo, Einstein, a Monsanto, grandes artistas) Relações entre os agentes: determina o que eles podem ou não podem fazer dentro do campo (para além das classes sociais)

O campo científico Por exemplo, cientistas que defendem a indústria de tabaco

O capital científico Cada campo produz formas específicas de capital para seus agentes Capital científico é simbólico: reconhecimento pelos integrantes do campo (citações, prêmios, financiamento...)- gera poder e altera a estrutura do campo (cumulativo) Distribuição do capital determina a estrutura do campo científico Maior o capital, maior a autonomia. Atores com maior capital determinam as características do campo (por exemplo, as áreas de pesquisa de interesse, cursos/publicações de prestígio, etc.). Obs: capital científico pode estar mais “valorizado” em função do contexto social Os atores produzem os fatos científicos, mas isso depende de sua posição em termos de capital científico

O campo científico Campo científico: espaço ocupado pelos atores sociais (cientistas, empresas, governos, etc.) onde estes atores se relacionam (negociam, lutam, se aliam, se atacam, etc. trocando recursos em relações de cooperação e competição). Atores influentes transformam os campos, os atores e as relações, ao disponibilizar recursos cognitivos, materiais e simbólicos (legitimação) Relações no campo científico: determina o que os atores podem e não podem fazer (temas importantes, resultados aceitáveis, distribuição de recursos...) Importância da participação dos stakeholders do campo (tanto os protagonistas ativos, como os influenciados passivos) Conhecer o campo e o comportamento de seus participantes é importante para planejar intervenções (seja uma política de C,T&I, seja a gestão de um projeto de inovação empresarial)

O capital científico Acumulação de capital científico: treinamento científico, oportunidades científicas e tecnológicas, políticas públicas e de empresas privadas estabelecem as regras do jogo! Escolhas científicas: dependem desse capital e das estratégias conhecidas pelos atores de cada campo Dificuldade de mudar de paradigmas, áreas de pesquisa, etc.: necessidade de construir novo capital (em geral, se utilizam capitais já construídos) Habitus: convicções permanentes que opõe os cientistas a paradigmas diferentes e forças externas. O habitus também pode se transformar, em função da ação de agentes com novos procedimentos Diferença do campo social para um jogo: as próprias regras estão sempre em questão, dependendo do poder relativo dos atores e da conjuntura externa (por isso ocorrem revoluções)

O capital científico Efeito Mateus: “A todo aquele que tem, será dado mais, e terá em abundância. Mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado.” (Mateus, 25, 28-29): iniquidade no campo científico Efeitos externos somados à lógica interna dos campos científicos: quanto mais um ator ocupa uma posição favorecida dentro do campo, mais tende a se favorecer Interesse pelo desinteresse, antieconômico: regra do campo científico que orienta a ação dos atores Objetivo de se destacar no campo, muitas vezes sem recompensa palpável Recompensa é obtida pela adequação a forças externas (heteronomia) e segundo regras internas (método científico, lógica dos campos): varia entre campos científicos Armas na luta: objetivação de argumentos (lógica e prova empírica coletivamente aceitos) e poder institucional

O capital científico Similaridade estrutural com o mundo econômico: relações de força, concentração do capital científico, monopólios. Dois tipos de capital científico: Capital institucional, ligado à ocupação de posições de influência sobre os meios de produção e reprodução do capital científico (recursos físicos, financiamentos, nomeações, etc.) Capital simbólico (mérito): capacidade de realização pessoal, com base nas regras do campo (conhecimento do paradigma) Pesquisadores atuam com base numa mistura desses dois tipos de capital, desenvolvendo estratégias para reforçar suas posições, baseadas em objetivos políticos e científicos Autoridade científica: depende das duas formas de capital, que são acumulados de maneiras diferentes (reconhecimento científico X poder institucional- político/econômico)

O capital científico Quanto menos autônomo um campo científico, maior a influência do capital científico institucional, em geral outorgado por poderes externos (p. ex., nomeações em cargos de 1º e 2º escalão nas instituições de C&T) Controle tirânico por agentes dotados de capital institucional: tirânico por não se basear nas regras científicas internas

O capital científico Consequências: escolha de áreas de pesquisa, recursos para diferentes disciplinas, etc. Exemplo: recursos para ciências duras X formação da maioria dos dirigentes de instituições de pesquisa Consequências: cessão (outorga) de poder a agentes que podem comunicar e agir legitimamente (com autorização e autoridade) Exemplo: controvérsia da fluoridização da água Conflito entre health offcials e cidadãos opositores: argumento de que a oposição ultrapassa seu campo de competência Verdade social: reconhecimento como palavra autorizada e autoridade

O capital científico: o exemplo de Charles Darwin 1825: Faculdade de medicina em Edimburgo, foco em taxidermia, geologia e estudos sobre evolução (Lamarck) 1827: Mudança para teologia (paradigma das ciências biológicas- estudar as “maravilhas da criação”): estudos naturalistas em que já se questionava o paradigma criacionista Estudo de geologia/paleontologia 1831-1835- Viagem do Beagle. Publicações na área de biologia (fauna e flora tropicais) e geologia (formação dos atóis)- permitem a construção de capital científico e simbólico Lenta publicação da teoria da evolução (“fracionada” sobre a ancestralidade comum, condições locais específicas, etc.) 1848: Primeira versão da origem das espécies, experimentos para reforçar suas teses, relutância em publicar 1859: Publicação da Origem das espécies(perspectiva de publicação de ideias similares por outros cientistas)

O capital científico: o exemplo de Charles Darwin Aceitação parcial da teoria global: Evolução e Ancestralidade encontram forte apoio, mas a seleção natural e a transmissão de características (genética), especialmente ao incluir o ser humano, foram muito combatidas (Fonte: https://www2.cead.ufv.br/sistemas/pvanet/files/conteudo/777/darwinbiografiailustrado.pdf)

O capital científico Invocação da “realidade objetiva”: pode gerar conflitos de métodos “Realidade objetiva”: representações que utilizam o mundo social e as descrições empíricas para reforçar argumentos Representações limitam-se às regras do jogo previamente definidas em um campo, exceto no caso de revoluções científicas que colocam em questões os pressupostos Trabalho de objetivação de elementos abstratos (teorias, medições, observações, instrumentos, etc.), que são organizados em função das regras do jogo para exprimir vereditos (verdades científicas) Importância das bases disciplinares (paradigma): limite do que é admissível

O campo científico Exemplo: nanotecnologia Campo heterogêneo (bionano, física-nano), com pontos de contato Pouco conhecimento sobre impactos Resposta à escassez de recursos físicos (anos 70): Promessa da nanomanufatura (legitimação) Nanosensores, fármacos nanoestruturados, ... Avanços na ciência dos materiais, instrumentação (força cognitiva) Conceitos do paradigma da física quântica, com novos significados e tratamentos (foco nos materiais e sua estrutura- químicos, metalurgistas, cristalógrafos, cientistas da computação, biofísicos, bioquímicos, ...) 1986

O campo científico Circulação em outros campos, para a aquisição de conhecimentos específicos Sinergia: união de especialidades para resolver problemas Também específicos Modelagem (simulação) de ações sobre a matéria inerte (física) e viva (biologia, genética) 1986