HERMENÊUTICA JURÍDICA Professor Daniel Tempski Ferreira da Costa
LEIS X LEIS (Antinomia ou conflito – Lei de Introdução ao Código Civil): Validade das leis (Reale: Não basta que uma regra jurídica se estruture, pois é indispensável que ela satisfaça a requisitos de validade, para que seja obrigatória.) 3 aspectos: validade formal ou técnico-jurídica (NÃO OFENDE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL – regras e/ou princípios, expressos ou implícitos), validade social (eficácia ou efetividade), validade ética (fundamento). Validade não se confunde com a vigência: Art. 1o LICC ”Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar (LEI ESTARÁ VIGENTE) em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”. (Hoje, pela LC nova, deve a lei fixar prazo certo).
Vigência Requisitos: Ser elaborada por um órgão competente (União, Estados, DF e Municípios); Matéria objeto da lei se contenha na competência do órgão (competência ratione materiae) Legitimidade do procedimento (due process of law) Art. 59 e ss. CONCLUINDO: Uma lei pode estar vigente (plano da vigência), mas ser inválida (plano da validade).
EFICÁCIA OU EFETIVIDADE A regra de direito deve, por conseguinte, ser formalmente válida e socialmente eficaz. Eficácia compulsória: Art. 3o LICC: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.” OBS: Deve um juiz deixar de aplicar uma lei por entender ser ela inconstitucional? SIM!!! Explicado na sala de aula como isso se dá: lei é vigente, mas inválida!
Início e fim da vigência das Leis Início da Vigência: LICC Art. 1º Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada. § 1o Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada. (Vide Lei 2.145, de 1953) § 2o A vigência das leis, que os Governos Estaduais elaborem por autorização do Governo Federal, depende da aprovação deste e começa no prazo que a legislação estadual fixar. (HOJE NÃO TEM + APLICAÇÃO ESTE PARÁGRAFO, EM FACE DA NOVA CF). § 3o Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação. § 4o As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.
Vigência das Leis - Revogação Fim da vigência: “Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. § 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. § 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. § 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.” (REPRISTINAÇÃO)
Revogação: Ab-rogação: uma nova lei regula de forma total matéria regulada por lei antiga. Derrogação: uma lei nova regula de forma parcial matéria regulada por lei antiga. Revogação expressa: No corpo da lei há dispositivo que determina a ab-rogação ou derrogação de outra lei. Revogação tácita: A lei nova regula novamente ou de forma diferente a mesma matéria regulada por lei antiga, de forma que se tornam antinômicas as regras, derrogando ou ab-rogando a disposição antiga. (revogam as disposições em contrário)
Repristinação: § 3o LICC Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. Lei A é revogada pela lei B; DEPOIS Lei B é revogada pela lei C; PORÉM Lei A não volta automaticamente a ter vigência, salvo se a Lei C assim prever.
Conflitos Temporais das Leis Art. 6º LICC “A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.” VIDE ART. 467, CPC
Conflitos Temporais das Leis Art. 5º CF/88 Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; (...) XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; IMPORTÂNCIA: A SEGURANÇA JURÍDICA AO CIDADÃO; DE QUE SEUS DIREITOS ESTÃO RESGUARDADOS.
Hermenêutica: art. 5º, LICC O Juiz paranaense Alberto Marques coloca a hermenêutica como uma ciência: “Ela não cria regras no sentido que usualmente utilizamos esse termo”, ou seja, “regra” como uma “norma imperativa e garantida por sanção”, pois a “hermenêutica estuda o fenômeno interpretativo” (interpretação é o objeto de estudo da hermenêutica). A hermenêutica, então, vai sugerir procedimentos para tornar mais eficaz essa interpretação. Tais “procedimentos” são as chamadas “regras” de hermenêutica.
Resumo de Alberto Marques: “Regras de hermenêutica” Conceito: “não são normas obrigatórias. São idéias, procedimentos ou conclusões sugeridos pela experiência de séculos.” (Alberto Marques). Utilidade: dar ferramentas para que auxilie o intérprete no processo de interpretação, a partir de um grupo de “premissas aceitas pela comunidade jurídica” a fim de “fundar uma tese”.
CLASSIFICAÇÃO das regras de hermenêutica: Há 3 (três) grupos de regras de hermenêutica: 1)LEGAIS 2) DOUTRINÁRIAS 3) JURISPRUDENCIAIS
1) LEGAIS: Regras legais de hermenêutica, que estão em nosso ordenamento jurídico: o artigo 5º da LICC (“Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.)” + O PREÂMBULO E OS ARTS. 1º E 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”. OUTRO EX.: ART. 6º, ECA: “Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.”
OBSERVAÇÕES - LICC Art. 5o ”Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”: AQUI SIM HÁ UMA REGRA DE HERMENÊUTICA, UM PROCEDIMENTO INTERPRETATIVO, AUXILIANDO O JUIZ, DEPOIS DE INTERPRETAR, A APLICAR A LEI AO CASO CONCRETO. O art. 5º, LICC, condena o método puramente literal, pois cabe ao juiz interpretar o que é atender aos fins sociais (“não serve a interpretação que desamparar o valor que a norma quer proteger” – é a interpretação TELEOLÓGICA) e valoriza a busca do bem comum (é o bem de todos ou da maioria, e não para atender grupos isolados por motivos escusos). LEMBRAR: a lei pode estar vigente, mas será inválida se ofender a Constituição Federal. O positivista ou legalista puro não enxerga essa conquista do Estado Democrático de Direito!
LICC Exemplo de um procedimento hermenêutico, como meio de extrair a essência da lei, uma leitura constitucional da mesma: Art. 155, CP – furto – sempre? O fim social do crime de furto é tutelar o patrimônio, porém, hoje em dia os tribunais interpretam o Direito Penal como tutelador de graves ofensas, as intoleráveis, afastando o crime de furtos insignificantes (um vidro de shampoo, R$ 15,00 etc). O réu é absolvido do crime em face do princípio da insignificância! OBS: O ART. 4º, LICC (“LEI OMISSA”), É REGRA DE INTEGRAÇAO (PREENCHE LACUNAS DA LEI, OU SEJA, O APLICADOR DO DIREITO – JUIZ – NÃO ENCONTRA UMA NORMA LEGAL PARA TAL CASO, TENDO QUE USAR ANALOGIA, COSTUMES OU PPIOS GERAIS DO DIREITO); NÃO É REGRA DE INTERPRETAÇÃO.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL OBS 2: SE UMA LEI FERE O PRECEITUADO NA CF (ARTS. 1º E 3º), SERÁ INCONSTITUCIONAL. ASSIM COMO SERÁ INCONSTITUCIONAL UMA INTERPRETAÇÃO QUE FIRA TAIS NORMAS. É UMA APLICAÇÃO DO MÉTODO SISTEMÁTICO: “É INADEQUADA TODA INTERPRETAÇAO QUE ROMPA A HARMONIA ENTRE O TEXTO DA NORMA E O ARCABOUÇO CONSTITUCIONAL”. (Alberto Marques)
2) DOUTRINÁRIA – tradição romana e da hermenêutica do Direito Português e Brasileiro – Alberto Marques: A eqüidade é de Direito Natural e não permite que alguém se locuplete com prejuízo alheio. Vide Art. 127, do Código de Processo Civil: “O juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei.” Obs: o autor Alberto Marques coloca como regra de hermenêutica, porém, para o professor, a eqüidade (bom senso do juiz quando a lei é omissa) é regra de integração do Direito (art. 4º, LICC).
Violentas interpretações constituem fraude da lei. Ex1: Lei Maria da Penha é inconstitucional? Fere a isonomia? Ex2: recurso “precoce” ou “prematuro” x STF – ilógico e contraditório! Nas proposições ambíguas deve-se atender principalmente ao sentido que lhes quis emprestar aquele que as pronunciou. Ex: conflito entre princípios constitucionais (depende do caso concreto, evitando a ambigüidade). Direito à vida x tortura (bomba no centro de São Paulo); Direito de liberdade de imprensa x intimidade (top less praia).
Deve-se evitar a supersticiosa observância da lei que, olhando só a letra dela, destrói a sua intenção. O que é conforme ao espírito e à letra da lei se compreende na sua disposição. O caso omisso na letra da lei se compreende na disposição quando há razão mais forte. Vide art. 128, CP: “Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.” E o atentado violento ao pudor? E o aborto do feto anencefálico?
Corpus Juris Civilis - Justiniano Sempre que seja dúbia a interpretação referente à liberdade, a favor desta deve ser o pronunciamento. Nas causas penais, a interpretação deve ser a mais benigna. Ex: princípio do “in dubio pro reo” ou “favor rei” – processo penal = absolvição.
3) JURISPRUDENCIAL – repercutem as lições da doutrina a respeito da interpretação do Direito (Obs: há uma certa relatividade em tais regras, não são absolutas, não é sempre que serão aplicadas): Na interpretação deve-se sempre preferir a inteligência que faz sentido à que não faz. Ex: RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. PENA. É consabido que há imperfeições (formal e material) no § 1º do art. 180 do CP quanto ao crime de receptação qualificada, pois o fato menos grave é apenado mais severamente. Inclusive, é da tradição brasileira e estrangeira uma menor punibilidade para a receptação em relação ao crime tido por originário. Porém, devido à atual redação do § 1º, determinada pela Lei n. 9.426/1996, o dolo eventual (que também determina o reconhecimento da prática de receptação culposa) transformou a punibilidade de menor (menos grave) em maior (mais grave). Fala-se na inconstitucionalidade do referido § 1º, mas melhor aqui seria desconsiderar esse preceito secundário. Com esse entendimento, adotado pela maioria, a Turma concedeu a ordem a fim de substituir a reclusão de três a oitos anos prevista no § 1º pela de um a quatro anos do caput do art. 180 do CP, e fixou a pena, definitivamente, em um ano e dois meses de reclusão, ao seguir as diretrizes originalmente adotadas pela sentença, considerada aí a reincidência e a multa lá fixada. Note-se que o início de cumprimento da pena privativa de liberdade dar-se-á no regime aberto. HC 101.531-MG, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 22/4/2008.
Deve-se preferir a inteligência que melhor atenda à tradição do Direito. Ex: Ministério Público como fiscal obrigatório em processo que pede o reconhecimento da união estável. Onde a lei não distingue, o intérprete não deve igualmente distinguir. Ex: Anterioridade da Lei - Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. Art. 121, CP: Homicídio qualificado § 2° Se o homicídio é cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; (...)V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
Deve ser afastada a exegese (= INTERPRETAÇÃO) que conduz ao vago, ao inexplicável, ao contraditório e ao absurdo. Ex: aplicação do princípio da motivação nas decisões judiciais (art. 93, IX, da Constituição Federal) – fato + direito + lógica. Como se deve fazer uma petição inicial, uma denúncia, uma decisão interlocutória, uma sentença, um acórdão, um voto etc...
Métodos ou técnicas de Interpretação (ferramentas da hermenêutica) Métodos Hermenêuticos; Gramatical: regras da língua que é feita a lei, “revelados pelo exame imparcial do texto” (REALE) Lógico: Análise do dispositivo dentro do conjunto do qual ele faz parte. Ontológico: busca a ratio legis, a essência da lei, seu valor intrinseco Histórico: Analisa a lei dentro do contexto histórico que ela foi concebida (Savigny) Sistemático: Viria após a exegese gramatical e lógica, diz Reale, porém o autor não diferencia da interpretação lógica. Analisa a Lei dentro do sistema ao qual ela pertence (CF). Teleológico: Busca a finalidade da lei, o motivo pelo qual a lei foi criada com vista a uma distribuição de justiça, art. 5º LICC
Resultados do Processo Hermenêutico: Declarativo: A Lei disse o que queria. Extensivo: A Lei falou menos que queria. Restritivo: A Lei falou mais do que queria.
Método Hierárquico; Método da Especialidade; Método Cronológico. Antinomias (= Conflitos) na LICC (lembrar que não é o mesmo que ocorre nas antinomias entre regras e princípios expressos ou implícitos na Constituição Federal): Método Hierárquico; Método da Especialidade; Método Cronológico.