Possibilidades da Quase-Experimentação no Estudo da Evolução Cultural

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Transcrição da apresentação:

Possibilidades da Quase-Experimentação no Estudo da Evolução Cultural Angelo A. S. Sampaio (Psicologia Experimental – PUC-SP) Profa. Dra. Maria Amalia P. A. Andery XVI Encontro da ABPMC Brasília, Setembro de 2007

Estudos sobre Evolução Cultural Estudos empíricos voltados explicitamente para o tema ainda são raros Só recentemente, por ex., surgem os primeiros experimentos (Vichi, 2004, 2005; Baum e cols., 2004; Ward, 2006) Alguns autores ressaltam a possibilidade de utilização de quase-experimentos (Kunkel, 1985, 1986; Kunkel & Lamal, 1991; Lamal, 1991; Pierce, 1991; Andery & cols., 2005) Maior parte dos textos são interpretativos

Definindo Quase-Experimentação Também “método comparativo” ou “experimento natural” Assemelha-se à experimentação Busca estabelecer relações funcionais Difere da experimentação Limites à manipulação das VIs Quando introduzi-las A quem aplicá-las Como exatamente aplicá-las Dificuldade de controle de VEs Dificuldades para a afirmação dos efeitos das VIs Busca estabelecer relações funcionais  Não é pesquisa descritiva nem apenas correlacional Limites à manipulação das VIs  Mesmo que seja o experimentador a introduzí-las

Por que Utilizar Quase-Experimentos Impossibilidade de realização de experimentos – por questões éticas ou logísticas Busca de relações funcionais sem manipulação de VIs (Reaves, 1992) Sugerir variáveis relevantes para análise experimental posterior (Diamond, 1983) Pode haver interesse descritivo também Podem ser conduzidos com toda a população de interesse (Kidder, 1987) Ao menos para o estudo da evolução cultural

Por que Utilizar Quase-Experimentos Lidar com dados de outras épocas e povos Uso de documentos históricos (Kunkel, 1985; Kunkel & Lamal, 1991) Lidar com longos períodos de tempo e com grandes números de pessoas Dados independem do recrutamento de participantes e são coletados mais rapidamente (Diamond, 1983; Kunkel, 1986; Kunkel & Lamal, 1991) Avaliação de reformas sociais Método para pesquisas aplicadas e desenvolvimento de tecnologias de intervenção (Revisor C, Schnelle & Lee, 1974) Reformas sociais implementadas sem interesse por sua avaliação Kunkel (1985) analisou dados do séc. XVII -XVIII da Itália, por cerca de 150 anos Kunkel (1986) estudou uma vila com cerca de 1700 pessoas; No exemplo a ser apresentado, havia uma média de 1900 por mês, com mudanças nos participantes ao longo dos 30 meses estudados

Um ex.: Schnelle e Lee (1974) Avaliar retrospectivamente uma mudança na política de um presídio com cerca de 1.900 reclusos Delineamento de série temporal interrompida VI = introdução da política de transferência VDs 1) freq. média de infrações de conduta/mês; 2) tipos de infrações cometidas; 3) punições aplicadas a tais infrações; 4) no de transferências para o outro presídio Fontes de informação = Livros de registro da penitenciária Em julho de 1969, a direção da penitenciária analisada instituiu uma política de transferência de presos com histórico de problemas de conduta para outra penitenciária, considerada pelos administradores e guardas como menos atrativa para os presos. De uma prisão de segurança média para uma de segurança máxima  semelhante às recentes discussões aqui no Brasil sobre o Regime Disciplinar Diferenciado. Não houve possibilidade de, por ex., distribuir os presos aleatoriamente entre pelo menos dois grupos (experimental e controle) Nesse delineamento medidas repetidas de um mesmo grupo são obtidas antes, durante e após a introdução de certo tratamento. As medidas pré e pós-tratamento são então comparadas considerando-se as tendências envolvidas

Schnelle e Lee (1974): Análise dos dados Permitir comparações válidas pré e pós tratamento Somente dados de detentos não transferidos para a outra penitenciária durante o período investigado Controlar diferenças nas características da população antes e após a nova política Dados foram convertidos em média mensal de infrações diárias por detento Controlar mudanças no número total de presos NA experimentação variáveis estranhas seriam controladas com manipulações específicas, na quase-experimentação elas são controladas com transformações dos dados Sem essa providência dados poderiam incluir diferenças devido à seleção envolvida na implementação da nova política de transferência. Assim, os dados principais foram relativos apenas a presos sem muitas infrações que nunca foram transferidos.

Schnelle e Lee (1974): Resultados Antes nova política Após nova política Nº médio de infrações diárias por detento redução estatisticamente significativa entre julho e agosto de 1969, coincidindo com a introdução nova política “Fig. 1. Número médio de infrações por detento ao longo de um período de 30 meses. A política de transferência para Brushy Mountain foi introduzida em 28 de julho de 1969. Dados mensais multiplicados por uma constante de 1000.”

Schnelle e Lee (1974): Resultados Separaram o número total de presos com: Apenas uma infração Duas infrações Três ou mais infrações Classificaram os diferentes tipos de infração em onze categorias, calcularam freqüências mensais de cada tipo e a diferença no modo como tais infrações eram punidas Inconsistência na aplicação das punições (inclusive da transferência para a outra prisão) Aumentou Diminuiu Após a nova política, número de presos com duas ou mais infrações diminuiu enquanto a de presos com apenas uma infração aumentou

Schnelle e Lee (1974): Discussão Ameaças plausíveis à conclusão da efetividade da nova política História - fim da aplicação de “dieta restrita” como medida disciplinar Instrumentação – relato de infrações pelos guardas não foi controlado Regressão estatística - política foi iniciada no mês com 2a maior freqüência de infrações na fase pré-tratamento Dado que fortalece a hipótese de que a redução deveu-se à nova política: transferências para o outro presídio em relação a outras punições aplicadas aumentou de 3% em julho para 33% em agosto/1969 História - Considerar improvável essa medida contribuir para a queda no número de infrações, Schnelle e Lee (1974) afirmam que esse fator não pode ser excluído como explicação alternativa. Instrumentação - (por ex, através de testes de fidedignidade) Se esse foi o caso, entretanto, tanto as classes de infrações mais arbitrariamente reportadas (como “insubordinação”) quanto todas as outras foram uniformemente afetadas Regressão estatística - situação favorável a uma diminuição subseqüente como mero artefato estatístico. Autores não podem descartar definitivamente essas três hipóteses Esse aumento confirmaria que a implementação da nova política não “ficou só no papel” e apoiaria a tese de que ela teve algum efeito no comportamento dos presos.

Schnelle e Lee (1974): Conclusão “Erros na implementação desta mudança de política penitenciária dificultam sua avaliação.... A contribuição do estudo está na descrição do modelo quase-experimental de avaliação que foi aplicado aos dados. Este modelo previne conclusões infundadas sobre os dados, define limites para a interpretação dos dados e também sugere métodos pelos quais conclusões definitivas podem ser alcançadas.” (p. 493-94)

Resumindo Quase-experimentação = busca sistemática por relações funcionais quando há limites à manipulação de VIs e ao controle de VEs Vantagens Evita certas dificuldades éticas e logísticas Sugere variáveis relevantes para análise experimental Também gera dados descritivos Permite lidar com dados de outras épocas e povos, com longos períodos de tempo e com grande número de pessoas Método interessante para pesquisas aplicadas e desenvolvimento de tecnologias de intervenção

Obrigado! angsampaio@uol.com.br Grupo de Estudos Análise do Comportamento e Cultura (PUC-SP) http://accultura.wordpress.com angsampaio@uol.com.br

Referências Andery, M. A. P. A., Micheletto, N., & Sério, T. M. de A. P. (2005). A análise de fenômenos sociais: Esboçando uma proposta para a identificação de contingências entrelaçadas e metacontingências. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 1 (2), 149-165. Baum, W. M., Richerson, P. J., Efferson, C. M., & Paciotti, B. M. (2004). Cultural evolution in laboratory microsocieties including traditions of rule giving and rule following. Evolution and Human Behavior, 25, 305-326. Diamond, J. M. (1983). Laboratory, field and natural experiments. Nature, 304, 586-587. Kunkel, J. H. (1985). Vivaldi in Venice: An historical test of psychological propositions. The Psychological Record, 35, 445-457. Kunkel, J. H. (1986). The Vicos Project: A cross-cultural test of psychological propositions. The Psychological Record, 36, 451-466. Kunkel, J. H. & Lamal, P. A. (1991). The road ahead. Em P. A. Lamal (Ed.), Behavioral analysis of societies and cultural practices (pp. 243-247). New York: Hemisphere.

Referências Lamal, P. A. (1991). Behavioral analysis of societies and cultural practices. Em P. A. Lamal (Ed.), Behavioral analysis of societies and cultural practices (pp. 3-12). New York: Hemisphere. Pierce, W. D. (1991). Culture and society: The role of behavioral analysis. Em P. A. Lamal (Ed.), Behavioral analysis of societies and cultural practices (pp. 13-37). New York: Hemisphere. Vichi, C. (2004). Igualdade ou desigualdade em pequeno grupo: Um análogo experimental de manipulação de uma prática cultural. Dissertação de mestrado, Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento, PUC-SP, São Paulo. Vichi, C. (2005). Igualdade ou desigualdade: Manipulando um análogo experimental de prática cultural em laboratório. Em J. C. Todorov, R. C. Martone, & M. B. Moreira (Orgs.), Metacontingências: Comportamento, cultura e sociedade (pp. 86-100). Santo André, SP: ESETec. Ward, T. A. (2006). An experimental analysis of Harris’s Cultural Materialism: The effects of various modes of production on metacontingencies. Dissertação de Mestrado, Experimental Psychology Master’s Program, Stephen F. Austin State University, Nacogdoches, TX.