Teoria Geral do Direito Privado Patrícia da Guia Pereira 15.10.2009 Abuso do Direito o direito cessa quando começa o abuso Planiol.

Slides:



Advertisements
Apresentações semelhantes
Direito Empresarial Professor: Otto Eduardo Fonseca Lobo
Advertisements

CCAH - 30 de Julho de 2009 NOVO REGIME CONTRATOS DE CRÉDITO A CONSUMIDORES.
22 de Outubro de Direito da Comunicação Orientações da Comissão Nacional de Protecção de Dados Parecer n.º 26/ 2001 Parecer n.º 2/03 Autorização.
Exercício do Direito Noção Actos Limites.
Teoria Geral do Direito Civil I
Responsabilidade Civil
COMPETÊNCIA DECLARATIVA DOS TRIBUNAIS COMUNS
Situações Jurídicas.
ABUSO DE DIREITO CONFLITO DE DIREITOS
Teoria Geral do Direito Privado
Serviços Públicos Essenciais
Património.
Introdução ao Direito II
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25 DE MARÇO DE 2009 PROCESSO N.º 08A1992 (CARDOSO DE ALBUQUERQUE) JOANA CAMEIRA (2324) DIREITO DO CONSUMO.
DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL
Exercício do Direito Noção Actos Limites. Noção Actuar as faculdades que integram o conteúdo do direito subjectivo Direito subjectivo: poder jurídico.
COMPETÊNCIA DECLARATIVA DOS TRIBUNAIS COMUNS
Situações Jurídicas.
Introdução ao Direito II
Direitos de Propriedade
Teoria Geral do Direito Privado
Princípio básico – prescrição – 298.º/1 Prazo – 298.º/2 – ou referência a prescrição ou aplica-se a caducidade.
Introdução ao Direito II
Contratos no Domicilio e Equiparados (Contrato de Crédito)
Valores negativos dos actos e negócios jurídicos
27 de Setembro de Princípio geral Artigo 219.º do Código Civil: Liberdade de Forma. A regra geral é, portanto, a da liberdade de forma.
ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
DIREITO & SOCIEDADE DISCIPLINA: SOCIOLOGIA JURÍDICA TURMA: C-02 PROF
O TIPO PENAL NOS CRIMES DOLOSOS
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A RESPONSABILIZAÇÃO DOS ADMINISTRADORES NÃO-SÓCIOS DAS SOCIEDADES LIMITADAS FRENTE AO NOVO CÓDIGO CIVIL Professora Francini.
Elementos da relação jurídica
Modalidades de obrigações
Análise do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 4 de Fevereiro de 2010.
1. OS ÂMBITOS JURÍDICOS DA RESPONSABILIDADE
30/03/2017.
30/03/2017.
Analise do Acordão do STJ
A RELAÇÃO JURÍDICA.
Sociedade Pernambucana de Ensino e Cultura Bacharelado em Direito
NEOCONSTITUCIONALISMO
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto – 30/6/2009.
Celebração de contrato de crédito ao consumo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa Processo 7333/
Unidade 5- Alteração, Suspensão e Interrupção do Contrato de Trabalho
O ACESSO À INFORMAÇÃO DE SAÚDE
PROF. SIDNEY PEREIRA DE OLIVEIRA
-Actividade social (980) Artigos do código comercial
DICOTOMIA Direito Objetivo (norma agendi)
Contrato.
DIVISÃO DO DIREITO POSITIVO
PROFESSORA KARINE DAMIAN
Fontes formais estatais
ELEMENTOS DA ILICITUDE CIVIL
RESPONSABILIDADE JURÍDICA NO INTERNATO MÉDICO XI Congresso Português de Ginecologia Aveiro, 3 de Junho de 2009 Paulo Sancho Advogado / Consultor Jurídico.
Nova Teoria Contratual
Profº Carmênio Barroso
RESPONSABILIDADE CIVIL
Princípios Gerais do Direito Contratual
PROAB DIREITO CIVIL – AULA 02 PROAB DIREITO CIVIL PROFESSORA: RACHEL DELMÁS LEONI Aula 2 PROAB DIREITO CIVIL PROFESSORA: RACHEL DELMÁS.
Direito das Pessoas e das Situações Jurídicas 7. Direito subjectivo Situações jurídicas activaspassivas direito subjectivo direito potestativo direito-
DIVISÃO DO DIREITO POSITIVO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL I
Processo Coletivo AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Consumidor Aspectos gerais.
DIRETIO E JORNALISMO Tutela Civil no âmbito do Jornalismo Parte 01
- MARCHA AVANTE - CAMINHADA - SEGUIR ADIANTE. - Latim “PROCEDERE”
ATOS ILÍCITOS Os atos ilícitos- produzem obrigações para os agentes.
Teoria Geral do Direito Civil
Introdução | Princípio da igualdade
INTRODUÇÃO AO DIREITO PENAL. Direito Penal Objetivo e Direito Penal Subjetivo O Direito Penal objetivo é o conjunto de normas penais editadas pelo Estado.
AÇÃO CONCEITO: é o direito de provocar o exercício da tutela jurisdicional pelo Estado, para a solução de dado conflito entre determinadas pessoas. É o.
Transcrição da apresentação:

Teoria Geral do Direito Privado Patrícia da Guia Pereira Abuso do Direito o direito cessa quando começa o abuso Planiol

Manifestação do princípio da boa fé A expressão abuso do direito (abus de droit) é devida a um Autor belga, que com ela se referia à jurisprudência francesa dos finais do séc. XIX, que veio decidir questões de vizinhança Definição: Actuação que, de uma perspectiva formal, se enquadra nos termos de um direito, mas que é condenada por corresponder a um exercício anómalo ou disfuncional deste Há uma utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita o fim próprio ou do contexto em que ele deve ser exercido

Boa fé: duas acepções 1) Sentido subjectivo ou psicológico: convicção acerca de um facto; desconhecimento; ignorância desculpável (art. 243.º, n.º 2, do CC; art. 291.º, n.º 3, do CC) 2) Sentido objectivo: regra de conduta (conceito indeterminado) Algumas manifestações legais da boa fé em sentido objectivo: -Art. 227.º do CC - Art. 762.º, n.º2, do CC

Artigo 334.º do CC (Abuso do direito) É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. O abuso do direito constitui um limite à autonomia privada no exercício jurídico Apesar da sua designação, o abuso de direito reporta-se ao exercício de qualquer posição jurídica

Tipos de condutas abusivas: a) Exceptio doli b) Venire contra factum proprium c) Inalegabilidades formais d) Suppressio e surrectio e) Tu quoque f) Desequilíbrio no exercício

a) Exceptio doli É uma forma de reacção muito antiga, já usada no direito romano, contra as actuações dolosas (que hoje se inscrevem no domínio do abuso de direito) Faculdade de paralisar o exercício do direito de outrem, que assenta genericamente na violação da boa fé e dos bons costumes O seu carácter muito vago veio a esbater a sua relevância, em detrimento de outras tipologias de abuso do direito, tendo exceptio doli sido alvo de muitas críticas, designadamente por constituir uma interpretação dissimulada

b) Venire contra factum proprium Constitui uma protecção da confiança e das legítimas expectativas criadas Consubstancia uma reprovação dos comportamentos contraditórios (valorização da estabilidade) 1.º comportamento Facto próprio (anterior) 2.º comportamento Facto que contraria (vem contra)

Venire positivo: comportamento que gera a convicção de que não irá praticar um certo facto, e depois pratica-o Venire negativo: comportamento demonstrativo de que se vai desenvolver certa conduta, depois negada Ac. Rel. Coimbra de Constitui venire vir resolver um contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento das rendas quando, durante três anos, o inquilino depositou, sem problemas, a renda em local diferente do devido Ac. Rel. Coimbra de Há venire contra factum proprium quando o vendedor, decorrido o prazo de caducidade, aceita perante o comprador reparar a coisa e, depois, na acção proposta por este, invoca a excepção de caducidade da garantia

Importância do venire contra factum proprium como tipo de abuso do direito Doutrina da confiança (orientação mais seguida do venire) Elementos tendenciais: 1.º Situação de confiança: traduzida na boa fé própria da pessoa que acredite numa conduta alheia (no "factum proprium) 2.º Justificação dessa confiança: existência de elementos susceptíveis de provocar a crença de uma pessoa normal 3.º Investimento da confiança: desenvolvimento de uma actuação baseada na confiança criada (a mera convicção sem actuação não é relevante) 4.º Imputação da confiança: a situação tem de ser devida à acção ou omissão de alguém

c) Inalegabilidades formais Invocação da invalidade formal de um negócio pela parte que o provocou intencionalmente Ex: A, jurista da sociedade B, celebra com esta um contrato de mútuo para aquisição de um cartão de férias. Nos termos do regime do crédito ao consumo (art. 12.º do DL 133/2009), o contrato tem de ser celebrado por escrito, sob pena de nulidade. No entanto, A convence B da dispensabilidade legal daquele formalismo, assegurando-lhe que não se aplica aquele diploma aos referido contrato. A não poderá arguir a nulidade do contrato, porque tal constituiria abuso do direito Na jurisprudência portuguesa, estes casos são muitas vezes tratados como venire contra factum proprium

d) Suppressio (e surrectio) Suppressio: quando uma posição jurídica, não tendo sido exercida durante um certo tempo, não possa mais sê-lo, por, de outra forma, se atentar contra a boa fé Surrectio: surgimento de uma possibilidade numa esfera jurídica, em virtude da boa fé, que, de outro modo, não lhe assistiria (contraface da suppressio)

A figura da suppressio teve um grande desenvolvimento no período entre guerras do séc. XX, na Alemanha, em virtude da depreciação monetária. Veio então a considerar-se um direito à valorização monetária. Todavia, a demora por parte do credor em pedir a correcção poderia levar a cifras muito elevadas. Assim, perante a ausência de prazos legais para requerer essa correcção, veio a considerar-se que a demora injustificada levaria à limitação ou preclusão da revalorização. Papel complementar no sistema de repercussão do tempo nas relações jurídicas (caducidade e da prescrição)? ou Recondução ao venire contra factum proprium (na perspectiva da abstenção)?

e) Tu quoque* *Também tu! (frase usada por César quando se apercebeu que Brutus, seu filho adoptivo, estava entre os seus assassino) Ideia subjacente: quem violar uma norma não pode tirar partido da violação Alguns exemplos de consagrações legais do tu quoque: - Art. 438.º do CC: a parte em mora não goza do direito de resolução ou modificação do contrato - Art. 570.º, n.º 1, do CC: Culpa do lesado reduz ou exclui a indemnização Exemplo de aplicação jurisprudencial: Ac. Rel. Lx de : um condómino que não queira assinar a acta da assembleia não pode prevalecer-se disso para a impugnar: seria abuso de direito

f) Desequilíbrio no exercício Sub-espécies: 1)Exercício danoso inútil 2) Exigência de algo que deva ser imediatamente restituído (dolo agit qui petit quod statim redditurus est) 3) Desproporcionalidade

1) Exercício danoso inútil É abusivo, por contrário à boa fé, o exercício da posição jurídica sem que este represente qualquer vantagem para o seu titular, quando dele resultem consequências negativas para outrem Caso da chaminé falsa de Colmar (1855): Um proprietário construiu no seu prédio uma chaminé falsa inútil, com o propósito de tapar uma janela do vizinho Há quem distinga, a este propósito, o exercício emulativo, quando este é movido apenas pelo objectivo de prejudicar outrem (PPV)

2) Exigência de algo que deva ser imediatamente restituído (dolo agit qui petit quod statim redditurus est) É contrário à boa fé, e, assim, abusivo, exigir o que de seguida se deva restituir Partilha de fundamento com a figura da compensação (art. 847.º do CC) Assim, outros casos que não comportem compensação poderão estar cobertos pelo dolo agit, por força da boa fé

3) Desproporcionalidade Desproporção (considerável) entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem Exemplos: - Compra de um automóvel novo, sem que o vendedor entregue ao comprador o livrete e o título de propriedade, apesar de instado. Após km o automóvel tem um acidente. O comprador vem resolver o contrato por incumprimento do dever acessório de entrega daqueles documentos (Ac. STJ de ) - Condómino que, detendo mais de 667 dos votos numa assembleia, vota a assunção de apenas 50% dos encargos (Ac. STJ de )

Notas gerais sobre a tipologia clássica do abuso de direito Fragmentária: não abrange todos os casos de abuso do direito Os diversos tipos foram sendo criados ao longo do tempo pela doutrina e jurisprudência, e reflectem essa heterogeneidade Representa as situações mais comuns, emblemáticas, que apresentam um mínimo de unidade Os tipos apresentados são frequentemente sobreponíveis, com fronteiras imprecisas

Artigo 334.º do CC (Abuso do direito) É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Consequências do abuso do direito IlegitimidadeIlicitude

Multiplicidade de consequências: - Supressão do direito (hipótese comum, designadamente na suppressio) - Cessação do exercício abusivo, mantendo-se o direito - Dever de restituir - Dever de indemnizar (quando se verifiquem os restantes pressupostos da responsabilidade civil) Elenco aberto: o aplicador deverá decidir, in casu, qual a consequência mais adequada Nalguns casos, a lei determina a consequência Ex: art. 58.º, n.º1, al. b) do CSC (deliberações abusivas): anulabilidade