Nefroesclerose benigna e insuficiência renal crônica

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Transcrição da apresentação:

Nefroesclerose benigna e insuficiência renal crônica Bruno Eduardo Pedroso Balbo Juliana de Paiva Paschoal

Introdução Historicamente, a relação entre hipertensão e insuficiência renal é reconhecida deste 1873 (Jonhson, G. Lectures on the pathology, diagnosis and treatment of Bright´s disease. Lecture III. Chronic Bright´s Disease. BMJ 1:161-165, 1873). Entretanto, ainda existe controvérsia se doença renal primária precede hipertensão ou se esta resulta secundariamente em dano renal. Dados recentes, tanto de registros americanos (United States Renal Data Systems – USRDS) como de europeus ou latino-americanos, têm indicado que a nefroesclerose hipertensiva (NH) é causa presumível (e em franco crescimento) de insuficiência renal crônica necessitando de terapia substitutiva da função renal. Na prática, nefroesclerose refere-se a doenças com alterações patológicas que ocorrem predominantemente na microvasculatura pré-capilar e envolvem, secundariamente, o glomérulo e o interstício. Usualmente, o diagnóstico de NH baseia-se apenas em dados clínicos, sem biópsia renal ou qualquer evidência segura de que a hipertensão realmente precede o quadro.

Introdução Conseqüentemente, a NH pode ser confundida com nefropatias primárias ou isquêmicas, as quais também podem apresentar natureza insidiosa. Esta revisão objetiva respaldar a associação entre nefropatia hipertensiva e insuficiência renal crônica, particularmente no que se refere à entidade nefroesclerose benigna, haja visto que sua contraparte maligna tem relação com insuficiência renal crônica já bem definida na literatura.

Conceitos O termo nefroesclerose é usado para descrever as alterações renais presumivelmente decorrentes de hipertensão benigna. Entretanto, por não refletir plenamente as alterações arteriais e por enfatizar em demasia a fibrose intersticial, Theodor Fahr chegou a propor novo termo - nefroangioesclerose hipertensiva - ainda pouco utilizado na literatura. Na prática, a síndrome clínica utilizada para descrever esta condição é denominada nefropatia hipertensiva. Conseqüentemente, o diagnóstico de nefroesclerose benigna é sujeito à críticas pois é inferido a partir dos dados clínicos, uma vez que a biópsia renal é raramente indicada. Embora a nefroesclerose benigna seja vista no envelhecimento normal (mesmo em pacientes sem hipertensão), a mesma é usualmente associada e claramente exacerbada pela hipertensão crônica. Outros fatores individuais também estão implicados, a citar: raça negra (risco oito vezes maior de doença renal em estádio terminal induzido pela hipertensão) e fatores genéticos.

Conceitos Do ponto de vista anátomo-patológico, na nefroesclerose benigna destacam-se alterações vasculares, glomerulares e túbulo-intersticiais. As alterações vasculares caracterizam-se por hialinose arteriolar e arterial, hipertrofia da média e fibrose intimal. As alterações glomerulares nem sempre estão presentes na nefroesclerose benigna. A alteração mais precoce é o colapso das alças capilares, com espessamento aparente de suas paredes, que na verdade decorre do enrugamento da membrana basal glomerular. Com o tempo, o glomérulo se retrai para o pólo vascular; tal processo é acompanhado do preenchimento da cápsula de Bowmann por material PAS negativo, refletindo presença de colágeno. Outras alterações glomerulares são descritas, por exemplo: aumento da matriz mesangial, que resulta em esclerose segmentar ou global do tufo glomerular.

Conceitos Nefrite intersticial, freqüentemente grave, associa-se às anormalidades vasculares e glomerulares anteriormente descritas. Tais alterações são, em parte, decorrentes de um processo imunológico ativo iniciado pelas alterações de expressão de antígenos induzidos pela isquemia na superfície das células epiteliais tubulares.

Epidemiologia Conforme já exposto, a NH tem se tornado causa expressiva de insuficiência renal crônica. Paradoxalmente, alguns estudos epidemiológicos da década de 90 mostraram que baixo percentual de pacientes hipertensos essenciais efetivamente desenvolviam lesão renal. Realmente, na ausência de fatores de risco (raça negra, maiores níveis tensionais e doença renal crônica subjacente, particularmente diabetes) relativamente poucos pacientes evoluem para insuficiência renal crônica. No MRFIT (Multiple Risk Factor Intervention Trial) menos de 0,2% dos pacientes hipertensos essenciais dobraram a creatinina para mais de 2,0 mg/dL em 7 anos de seguimento. Para o Hypertension and Follow-up Program a incidência, em 5 anos de seguimento, de aumento de creatinina em 25%, foi de 1,3 a 1,4%. Para resolver tal paradoxo, algumas teorias - não mutuamente exclusivas - tem conseguido explicar alta incidência de nefroesclerose hipertensiva benigna com causa de insuficiência renal crônica (IRC). Ei-las:

Epidemiologia Pelo fato de a população hipertensa ser enorme, mesmo ínfima parte de pacientes com doença “benigna” evoluiria para a IRC, refletindo um dos extremos de uma curva de Gauss. Em virtude da evolução lenta da nefropatia, tempos curtos de seguimento, como 5 ou 7 anos, não seriam suficientes para detecção de um caso incidente. Pacientes com fatores de riscos diferentes apresentariam, quando expostos à níveis tensionais semelhantes, respostas diferentes que determinariam, a longo prazo, a evolução ou não para a IRC. Estudos em afro-americanos têm demonstrado tal observação. Conforme já exposto, o caráter clínico do diagnóstico da NH frequentemente dificulta diagnósticos diferenciais, como nefropatia isquêmica ou mesmo glomerulopatia primária, causando incerteza nas análises epidemiológicas.

Epidemiologia Para agravar a situação, poucos estudos baseados em biópsia sobre nefropatia hipertensiva foram até então realizados. Destes, destaca-se o de Caetano et al. (Hypertension 2001; 171-176). Neste estudo, foram biopsiados 81 pacientes hipertensos (PA maior ou igual a 160/95 mmHg) seguidos em ambulatório, com insuficiência renal moderada, referidos ao serviço do Hospital das Clínicas da USP entre 1988 a 1998. Pacientes com causas conhecidas de hipertensão foram excluídos. Em 65% dos pacientes, NH foi a única anormalidade histológica associada com insuficiência renal. Nefroesclerose benigna e maligna foram encontradas em 22 e 43% da amostra, respectivamente. Em 16% dos pacientes, glomerulopatia primária não diagnosticada previamente foi detectada com a biópsia; glomeruloesclerose segmentar e focal, tanto primária quanto secundária à hipertensão, foi diagnosticada em 19% dos pacientes. Estes achados sugeriram que a NH (tanto em sua forma benigna quanto maligna) pode ser causa importante de IRC; além disso, parcela substancial de pacientes, outrora “rotulados” como portadores de NH são, na realidade, portadores de glomerulopatias primárias.

Manifestações Clínicas Por definição, o diagnóstico de NH deveria ser baseado nos achados histológicos; entretanto, conforme já exposto, o diagnóstico na maioria das vezes é clínico. Uma vez que a maioria dos pacientes são idosos, e com proteinúria frequentemente inferior a 0,5g/24h, biópsia renal raramente torna-se indicada. Pacientes com NH tipicamente apresentam-se com historia de hipertensão de longa data, elevações lentamente progressivas nos níveis de uréia e creatinina, além de leve proteinúria. Hiperuricemia é achado freqüente, e parece refletir diminuição do fluxo sangüíneo renal induzido pela doença vascular. O exame de urina mostra poucas alterações, com poucas células e cilindros. Schlessinger et al. definiu critérios para o diagnóstico de NH:

Manifestações Clínicas Critérios clínicos: história familiar de hipertensão (parente de primeiro grau) hipertrofia ventricular esquerda ou presença de retinopatia hipertensiva proteinúria hipertensão de longa data precedendo qualquer evidência de doença renal ausência de exposição a nefrotoxinas ausência de doença renal intrínseca ou congênita ausência de doença sistêmica associada com doença renal

Manifestações Cínicas Critérios patológicos hipertrofia miointimal, duplicação da lâmina elástica interna, hipertrofia da camada média depósitos eosinofílicos, hialinos, na parede arterial e arteriolar artério- e arteríoloesclerose túbulos microcísticos atróficos contendo cilindros proteicos esclerose glomerular focal ou global espessamento das paredes capilares

Conclusões Há muito já se sabia de nefroesclerose maligna como causa de insuficiência renal crônica; por sua vez, o impacto da nefroesclerose benigna neste contexto apenas recentemente tem sido valorizado, principalmente após estudos epidemiológicos realizados na década de 90. Estudos como o MRFIT e o Hypertension and Follow-up Program, que acompanharam as alterações de função renal em pacientes hipertensos benignos por períodos variáveis de tempo, observaram que, mesmo pequena fração da população hipertensa benigna poderia evoluir para IRC. Diante da enorme prevalência de hipertensão na população, frações aparentemente sem significado, como 0,2% - que no MRFIT representou a porcentagem de pacientes que dobraram a creatinina para mais de 2,0 mg/dL em 7 anos de seguimento – representam significativo número absoluto, que explicaria em parte a alta prevalência de NH como causa de IRC necessitando de terapia substitutiva de função renal. Em suma, cada vez mais a nefroesclerose benigna ganha destaque como causa presumível de IRC.

Bibliografia The link between Hypertension and Nephrosclerosis. Freedman et al. AJKD Vol 25 No 2 (Feb) 1995: pp 207-221 Multifactorial Determination of Hypertensive Nephroangiosclerosis. Tyclicki et al. Kidney Blood Press Res 2002; 25: pp 341-353 Hypertensive Nephrosclerosis as a Relevant Cause of Chronic Renal Failure. Caetano et al. Hypertension 2001; pp 171-176 Accuracy of the diagnosis of hypertensive nephrosclerosis in African Americans: a report from African American Study of Kidney Disease (AASKD) Trial. Fogo, A, Breyer, JA, Smith, ACC, et al. Kidney International. 1997; 51:244