O processo cautelar
O devido processo legal se traduz na exigência de que toda e qualquer interferência judicial na esfera jurídica de alguém seja resultado de um processo inspirado nos valores integrantes do modelo constitucional do processo
Por essa razão, qualquer tipologia de tutelas jurisdicionais, construída com base na natureza da interferência operada na esfera jurídica das partes, corresponde, necessariamente, a uma tipologia de processos jurisdicionais. –Tipo X de tutela jurisdicional é prestada através de tipo X de processo
Sendo as providências urgentes ou cautelares maneiras especiais de intervenção do juiz na esfera jurídica dos jurisdicionados, o devido processo legal exige que elas sejam o resultado de um processo, enquanto seqüência de atos estruturada em obediência aos valores integrantes do modelo constitucional do processo.
Processo urgente ou cautelar é a seqüência de atos, estruturada em obediência aos valores integrantes do modelo constitucional do processo, através da qual se presta a tutela urgente ou cautelar (= através da qual as providências urgentes são emitidas e efetivadas).
Atenção: é fundamental não confundir o conceito de processo urgente ou cautelar, acima oferecido, com a noção de processo autônomo.
A noção de processo autônomo é uma noção formal ou meramente burocrática: a autonomia de um processo está associada à característica dele ser iniciado por petição inicial e citação específicas e receber autuação própria.
Se um tipo de processo qualquer, identificado com base em tipologia de tutelas jurisdicionais (tipo X de tutela jurisdicional requer tipo X de processo) é ou não processo autônomo é algo que independe, totalmente, de suas características estruturais e funcionais.
Assim, uma seqüência de atos voltadas à prestação de um determinado tipo de tutela jurisdicional – por exemplo, tutela urgente – corresponde igualmente a um determinado tipo de processo – por exemplo, processo urgente ou cautelar – seja disciplinado como processo autônomo ou não.
Um determinado tipo de processo, no sentido indicado acima, quando não é dotado de autonomia formal, consiste em mera fase de um processo formalmente híbrido (denominado, na doutrina brasileira atual, processo sincrético).
O processo urgente ou cautelar é disciplinado, no direito brasileiro, quer como processo autônomo, quer como mera fase de processo híbrido (ou sincrético)
A opção do legislador pela forma autônoma ou não de disciplinar determinado tipo de processo é irrelevante, quando respeitados, de maneira adequada, os valores integrantes do modelo constitucional do processo civil. Isso também quer dizer que, à luz desses valores, não se pode extrair a preferência pela disciplina autônoma ou não de determinado tipo de processo.
A identificação do conceito de processo urgente ou cautelar como o devido processo legal exigido para a prestação de tutela urgente e cautelar é fundamental no direito brasileiro contemporâneo, na medida em que o legislador de 94 optou pela prestação de tutela urgente antecipatória pela forma não autônoma, mas não especificou o iter processual a ser seguido, devendo o intérprete suprir tal lacuna com base, precisamente, no conceito de processo cautelar extraído do modelo constitucional de processo.
A função específica das providências urgentes é bastante para identificar as atividades básicas que devem ser desenvolvidas pelo juiz e pelas partes a fim de que se possa, racionalmente, prestar tutela urgente.
Identificar o periculum in mora Escolher a providência adequada, exigível e proporcional Implementar tal providência.
A] deve ser assegurada a participação simétrica e efetiva de ambos os litigantes [i.e. os destinatários da providência cautelar] em cada uma dessas três etapas: diagnóstico, escolha da solução e implementação da solução escolhida.
B] o juiz deve justificar racionalmente o diagnóstico da situação e a escolha da solução, o que se desdobra no seguinte: –B1] o juiz deve buscar, o máximo possível, respeitados outros valores e certos limites impostos pela situação, a verdade das afirmações de fato que ele utiliza em seu raciocínio justificativo de sua decisão. –B2] o juiz deve buscar, o máximo possível, a solução que seja adequada à situação e traga menos prejuízos do que outras igualmente adequadas, devendo ainda, o juiz, determinar se, no caso concreto, o valor constitucional realizado com a solução seja mais relevante (de maior peso) que outros com ele eventualmente conflitantes.
C] o juiz deve se valer, respeitados outros valores e certos limites impostos pela situação, de medidas (ou providências) aptas a assegurar a plena implementação da solução escolhida.