Estudos etnográficos: pesquisa de cunho étnografico

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Transcrição da apresentação:

Estudos etnográficos: pesquisa de cunho étnografico "O narrador conta o que ele extrai da experiência - sua própria ou aquela contada por outros. E, de volta, ele a torna experiência daqueles que ouvem a sua história" Walter Benjamin

O método etnográfico, sistematizado por Malinowski (1976) em suas pesquisas nas ilhas Trobriand, tem como característica destacada a consideração das subjetividades em interação na situação de pesquisa. Justamente as subjetividades que, em condições objetivas de investigação, deveriam ser controladas, neutralizadas e, por que não dizer, desconsideradas.

A pesquisa etnográfica, o chamado trabalho de campo da antropologia, é fundamentalmente uma pesquisa qualitativa, embora não exclua inteiramente a utilização de dados quantitativos. A antropologia, disciplina diferenciada da sociologia, é a ciência social que elegeu como objeto de estudo sociedades de menores portes, procurando apreendê- las em suas expressões culturais, atenta a valores coletivos, a grupos, a interações, a pessoas, considerando contextos sócio-culturais abrangentes. Desenvolvendo técnicas de pesquisa que buscam dar conta da complexidade, o método etnográfico fundamenta-se no que os antropólogos definem como o “olhar antropológico”, treinado no paradigma do relativismo cultural, que veio por sua vez se contrapor, ainda nos tempos iniciais da formação da disciplina, ao evolucionismo social, com as cargas de etnocentrismo que sustentava.

As técnicas ensinadas por Malinowski e pelos outros antropólogos que iniciaram o trabalho de campo etnográfico fundam-se nesse olhar atento e interativo que compõe o que ficou nomeado como “observação participante”, a observação que pressupõe o ouvir e o dialogar, a relação de alteridade, a interação de subjetividades, a aceitação do diferente.

Como pontua Da Matta (1978, p. 28), em texto já clássico na antropologia brasileira, o estudo etnográfico pressupõe um exercício de mão dupla: tornar exótico o que é familiar e transformar em familiar o que o pesquisador percebe como exótico, estranho. O exercício de estranhamento se faz ainda mais presente quando o campo etnográfico – em investigações de grupos, comunidades, associações, pessoas, no estudo das diferenças culturais, da alteridade – se desloca das sociedades ágrafas indígenas distantes para a própria sociedade do pesquisador (Velho, 1978).

"Na realidade, não há percepção que não esteja impregnada de lembranças" Henri Bérgson

As entrevistas etnográficas, em sociedades próximas ou distantes, buscam idealmente obter histórias de vida nos encontros intersubjetivos, embora às vezes precisem contentar-se apenas com depoimentos dos informantes (Queiroz, 1998). Oliveira (2000), referindo-se às etapas que compõem o trabalho etnográfico, e inspirado em Geertz (1996), discorre sobre o olhar e o ouvir, faculdades do entendimento exercitadas no trabalho de campo “estando lá”, e sobre o escrever “estando aqui”. Nesta etapa, os relatos contidos nas entrevistas são analisados/interpretados e o recurso às anotações nos diários de campo e a leitura, discussões acadêmicas, estudos teóricos e outros, resultam na elaboração de uma etnografia.

A etnografia, conforme definida por Geertz (1978) é uma “descrição densa” que se fundamenta numa concepção simbólica de cultura. A descrição densa seria, para o autor, o esforço intelectual de que o pesquisador lança mão para apreender, entre as estruturas significantes interpostas e entrelaçadas, a rede de significados, a hierarquia de significações mais apropriadas para a sua interpretação – não a verdadeira ou a única – dos fatos culturais pesquisados. Embora se detendo no estudo de realidades sociais mais circunscritas que as visadas pela sociologia ou pelas ciências políticas, a antropologia persegue a universalização do conhecimento, via comparações etnográficas (Peirano, 1995).

Assim, é um instrumento bastante utilizado em pesquisas realizadas no campo da educação; na psicologia, especialmente a psicologia social; na área de letras e comunicação, com ênfase especial na crítica literária, entre outros campos de estudos centrados nos seres humanos, suas alteridades e nas questões subjetivas envolvidas nas interações sociais.

Fonseca (1999) alerta sobre desvios que costumam ocorrer na apropriação do método etnográfico por outras áreas disciplinares, quando desconsideram (ou desconhecem) os pressupostos teóricos que o sustentam, especialmente seus fundamentos nas concepções do RELATIVISMO CULTURAL. Segundo estas concepções cada povo (ou diferentes segmentos de uma sociedade complexa) produz seus próprios valores culturais, os ritmos e direções de suas transformações e desenvolvimento social, não podendo ter suas características, valores ou práticas analisadas pela ótica de outras culturas, com outros valores, crenças e práticas sociais. No texto, a autora explicita o método em seus diferentes momentos, partindo da observação participante, que busca a interpretação da realidade observada com um olhar comparativo alimentado pela leitura de outras pesquisas. Ou seja, um percurso que caminha na direção do particular ao geral.

As etapas identificadas por Fonseca (1999) são: 1) o estranhamento de algum acontecimento no campo que se constitui no objeto de estudo; 2) a esquematização dos dados empíricos obtidos através da observação participante e registrados no diário de campo, de forma a “mapear” a realidade investigada; 3) a desconstrução dos estereótipos preconcebidos e das estruturas conceituais que podem “enviesar” desde a percepção do fato a ser observado até sua interpretação; 4) a comparação sistemática com outras pesquisas sobre o mesmo tema, via revisão da literatura e procura por dinâmicas análogas à observada; 5) a constituição de modelos alternativos quando o pesquisador busca a sistematização do material com o intuito de “entender a lógica que subjaz e ordena as várias partes do sistema” (p. 73).

Neste esforço pode mesmo elaborar novos modelos para a interpretação de comportamentos e atitudes sem, contudo, isolar os sujeitos de seu contexto. Os modelos, neste caso, são “criações abstratas para ajudar-nos (...) A fazer sentido daqueles ‘outros’” (p. 76). Nesta perspectiva metodológica, é importante considerar que a quantidade de informantes em si mesma não é relevante, assim como a representatividade a priori do grupo ou sujeito investigado.

O dado particular é o ponto de partida para interpretações mais abrangentes, à medida que o sujeito/grupo é situado em seu contexto histórico e social. Neste caso, a contextualização do comportamento dos investigados e do próprio pesquisador torna-se fundamental para evitar o subjetivismo estéril. Conforme ressalta Fonseca (1999), o método etnográfico não se confunde com o estudo do indivíduo. Trata-se de abordar os fenômenos como fatos sociais e compreender como, em cada grupo humano, determinados comportamentos e significados são construídos, delineando suas práticas. Neste caso, a observação participante ocupa o lugar de destaque, uma vez que não é possível descobrir a relação entre os diferentes elementos da vida social através apenas dos relatos verbais insuficientes para permitir a contextualização das informações obtidas nas entrevistas realizadas em campo

Trata-se de um método que tem se mostrado extremamente útil para as pesquisas que pretendem abordar universos simbólicos distintos, considerando-se seus contextos de produção histórica e social. É, portanto, referência em inúmeros estudos de Psicologia Social, sobre temas como: subjetividades, gênero, geração, saúde reprodutiva, masculinidade e juventude.

Como exemplos de trabalhos etnográficos realizados na área da psicologia social, podemos citar o clássico estudo de Ecléa Bosi (1979), Memória e Sociedade: lembranças de velhos, que trabalhou com histórias de vida, pode servir de exemplo para a realização de entrevistas etnográficas e para a explicitação das trocas intersubjetivas na situação de pesquisa, com o profundo respeito pelo sujeito pesquisado, seus valores, individualidades e a valorização de seus relatos, no trabalho de rememoração que empreenderam para contar sobre a cidade de seus tempos de infância e juventude.

"(...) não pretendi escrever uma obra sobre memória, nem uma obra sobre velhice. Fiquei na interseção dessas realidades: colhi memórias de velhos” (Ecléa Bosi, 1979),

Referências BOSI, E. Memória & sociedade: lembrança de velhos São Paulo, SP. T.A. Editor, 1979. ZANELLA, A. SOARES, D. H. P, AGUILAR, F., MAHEIRIE, K., PRADO FILHO, K., LAGO, M.C.S., COUTINHO, M. C., TONELI, M. J., SCOTTI, S., Diversidade e diálogo: reflexões sobre alguns métodos de pesquisa em psicologia. Interações, vol. Xll, núm. 22, julho- dezembro, 2006, pp. 11-38, Universidade São Marcos. Brasil.