TRABALHO E SOFRIMENTO DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000, prefácio e capítulos 1, 2 e 3, p.13-59.

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Transcrição da apresentação:

TRABALHO E SOFRIMENTO DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000, prefácio e capítulos 1, 2 e 3, p.13-59.

DEJOURS, prefácio, p.13-18. Encontra-se largamente difundida a idéia de ameaça de uma derrocada econômica, que impõe a aceitação de meios drásticos, sob risco de fazer algumas vítimas: situação de guerra “econômica”. Em nome dessa “justa causa” são usados, no mundo do trabalho, métodos que visam excluir, através de demissão, os que não estão aptos a combater nessa guerra e exigir produtividade, disponibilidade, disciplina e abnegação daqueles que estão aptos. A “guerra sã” (pela saúde das empresas) justifica remanejamentos, rebaixamento, marginalização ou dispensa, com sacrifícios coletivos impostos e sacrifícios individuais consentidos.

DEJOURS, prefácio, p.13-18. Na “guerra sã” há mais vencidos que vencedores, contudo, os dirigentes insistem em não mudar de rumo por acreditarem que serão os vitoriosos e os outros padecerão. Por que a máquina de guerra funciona tão bem? Há duas respostas: Porque a guerra é inevitável e se auto-reproduz em virtude da lógica do sistema, do mercado, estando além da vontade dos homens. Porque há leis econômicas construídas pelos homens, instituídas, que atendem a interesses de alguns, num cálculo estratégico. E, os que não são “decisores” contribuem para o seu funcionamento ativa ou passivamente. É necessário concentrar o esforço de análise nas condutas humanas que produzem essa máquina de guerra.

DEJOURS, prefácio, p.13-18. A questão central do livro é: “Quais as motivações subjetivas da dominação? Por que uns consentem em padecer sofrimento, enquanto outros consentem em infligir tal sofrimento aos primeiros?”

DEJOURS, prefácio, p.13-18. Se a maquinaria é poderosa, é porque consentimos em fazê-la funcionar, mesmo quando isso nos repugna! É por intermédio do sofrimento no trabalho que se forma o consentimento para participar do sistema, que gera, por sua vez, um sofrimento crescente entre os que trabalham. O sofrimento aumenta porque os que trabalham vão perdendo gradualmente a esperança de que a condição que hoje lhes é dada possa amanhã melhorar.

DEJOURS, prefácio, p.13-18. O sofrimento aumenta com o absurdo de um esforço no trabalho que em troca não permitirá satisfazer expectativas materiais, afetivas, sociais e políticas. A relação para com o trabalho vai-se dissociando paulatinamente da promessa de felicidade e segurança compartilhadas. O sofrimento não paralisa a maquinaria de guerra econômica, ao contrário alimenta-a.

DEJOURS, capítulo 1, p. 19-25: Como tolerar o intolerável? Quem perde o emprego sofre: a dessocialização progressiva ataca os alicerces da identidade, provocando doença física ou mental. Hoje, partilha-se um sentimento de medo diante da ameaça de exclusão. Mas nem todos concordam que as vítimas do desemprego, da pobreza e da exclusão social sejam também vítimas de uma injustiça (há uma clivagem entre sofrimento e injustiça).

DEJOURS, capítulo 1, p. 19-25: Como tolerar o intolerável? Clivagem entre sofrimento e injustiça: o sofrimento é visto como uma adversidade, que não reclama necessariamente reação política. Pode justificar compaixão, piedade ou caridade; mas não suscita indignação, cólera ou apelo à ação coletiva. O sofrimento só suscita um movimento de solidariedade e de protesto quando se estabelece uma associação entre o sofrimento alheio e a injustiça. Ocorre resignação diante de um fenômeno visto como fatalidade e sobre o qual ninguém tem responsabilidade.

DEJOURS, capítulo 1, p. 19-25: Como tolerar o intolerável? A psicodinâmica do trabalho sugere que a adesão à causa economicista, que separa o sofrimento da injustiça, seria uma manifestação do processo de “banalização do mal”. Em que consiste o processo de “banalização do mal”?

DEJOURS, capítulo 2, p. 27-36: O trabalho entre sofrimento e prazer Relação sofrimento-emprego: o sofrimento dos desempregados. Relação sofrimento-trabalho: o sofrimento dos que continuam a trabalhar. “ Há o sofrimento dos que temem não satisfazer, não estar à altura das imposições da organização do trabalho: imposições de horário, de ritmo, de formação, de informação, de aprendizagem, de nível de instrução e de diploma, de experiência, de rapidez de aquisição de conhecimentos teóricos e práticos e de adaptação à ‘cultura’ ou à ideologia da empresa, as exigências do mercado, às relações externas …” A banalização do mal repousa precisamente sobre o processo de reforço recíproco de um pelo outro.

DEJOURS, capítulo 2, p. 27-36: O trabalho entre sofrimento e prazer O MEDO DA INCOMPETÊNCIA O “real do trabalho” é o que resiste ao conhecimento, ao saber, à técnica, ao domínio. Se faz conhecer pela defasagem entre a organização prescrita do trabalho e a organização real do trabalho. A execução rigorosa das instruções e procedimentos leva á “operação padrão” ou “operação tartaruga”, em que o trabalho é executado com zelo excessivo. A gestão concreta da defasagem entre o prescrito e o real depende da mobilização dos impulsos afetivos e cognitivos da inteligência.

DEJOURS, capítulo 2, p. 27-36: O trabalho entre sofrimento e prazer O caso do médico: em situações de trabalho comuns, é freqüente verificarem-se incidentes e acidentes cuja origem não se consegue entender e que abalam até os mais experientes. Muitas vezes não se tem como saber se as falhas se devem à incompetência ou à anomalias técnicas. Isso é fonte de angústia, que toma forma de medo de se mostrar incompetente ou incapaz de enfrentar situações incomuns ou incertas.

DEJOURS, capítulo 2, p. 27-36: O trabalho entre sofrimento e prazer 2. A PRESSÃO PARA TRABALHAR MAL O caso do técnico de manutenção: aqui não estão em questão a competência e a habilidade, mas as pressões sociais do trabalho (colegas criam obstáculos, o ambiente social é péssimo, cada qual trabalha por si, sonegam-se informações, prejudica-se a cooperação). O caso do engenheiro: ser constrangido a executar mal o seu trabalho ou a agir de má fé é fonte importante e freqüente de sofrimento no trabalho.

DEJOURS, capítulo 2, p. 27-36: O trabalho entre sofrimento e prazer 3. SEM ESPERANÇA DE RECONHECIMENTO O trabalho exige total concentração da personalidade e da inteligência de quem trabalha. Quando a energia e o investimento pessoal aplicados ao trabalho não são reconhecidos, gera-se sofrimento mental. O reconhecimento não é uma reivindicação secundária dos que trabalham. Ao contrário, mostra-se decisivo na dinâmica de mobilização subjetiva da inteligência e da personalidade no trabalho (motivação). O reconhecimento do trabalho pode ser reconduzido pelo sujeito ao plano da construção de sua identidade. Pelo sentimento de alívio, de prazer ou até de elevação, o trabalho se inscreve na dinâmica da realização de ego. Não podendo gozar os benefícios do reconhecimento de seu trabalho, o sujeito se vê reconduzido ao seu sofrimento: a crise de identidade leva à doença mental.

DEJOURS, capítulo 2, p. 27-36: O trabalho entre sofrimento e prazer 4. SOFRIMENTO E DEFESA Se o sofrimento não se faz acompanhar de descompensação psicopatológica (ruptura do equilíbrio psíquico que se manifesta pela eclosão de doença mental), é porque contra ele o sujeito emprega defesas que lhe permitem controlá-lo. Daí o surgimento das “estratégias coletivas de defesa”. A “normalidade” apresentada pela maioria dos trabalhadores resulta de uma composição entre o sofrimento e a luta (individual e coletiva) contra o sofrimento no trabalho.

DEJOURS, capítulo 2, p. 27-36: O trabalho entre sofrimento e prazer “Normalidade sofrente”: a normalidade não é o efeito passivo de um condicionamento social, de algum conformismo ou de uma “normalização” obtida pela interiorização da dominação social, e sim o resultado alcançado na dura luta contra a desestabilização psíquica provocada pelas pressões do trabalho. As estratégias defensivas podem também funcionar como uma armadilha que insensibiliza contra aquilo que faz sofrer. Além disso torna tolerável o “sofrimento ético”, que o indivíduo experimenta ao cometer, por causa de seu trabalho, atos que condena moralmente.

DEJOURS, capítulo 3, p. 37-59: O sofrimento negado Somente o sofrimento físico e as reivindicações relativas aos acidentes de trabalho e às doenças profissionais foram assumidas pelas organizações políticas e sindicais. Afora a saúde do corpo, as preocupações relativas à saúde mental, ao sofrimento psíquico no trabalho, ao medo da alienação, à crise do sentido do trabalho não só deixaram de ser analisadas e compreendidas, como também foram freqüentemente rejeitadas e desqualificadas. Tidas como antimaterialistas, tais preocupações tolheriam a mobilização coletiva e a consciência de classe.

DEJOURS, capítulo 3, p. 37-59: O sofrimento negado Conseqüências da negação da dimensão subjetiva do sofrimento no trabalho: Surgimento, nos anos 80, do novo conceito de “recursos humanos”: ali onde os sindicatos não queriam se aventurar, patrões e gerentes formulavam novas concepções e introduziam novos métodos concernentes à subjetividade e ao sentido do trabalho: cultura empresarial, projeto institucional, mobilização organizacional etc., alargando o fosso entre a capacidade de iniciativa de gerentes, de um lado, e a capacidade de resistência e de ação coletiva das organizações sindicais, de outro. Tais organizações contribuíram para a desqualificação do discurso sobre o sofrimento e, logo, para a tolerância ao sofrimento subjetivo.

DEJOURS, capítulo 3, p. 37-59: O sofrimento negado Os que geravam sofrimento e injustiça social (por meio de especulação, concessão de benefícios fiscais aos rendimentos financeiros em detrimento dos rendimentos do trabalho e redistribuição desigual das riquezas), eram também os únicos a se preocuparem em forjar novas utopias sociais. Essas novas utopias sustentavam que a promessa de felicidade não estava mais na cultura, no ensino ou na política, mas no futuro das empresas (e nas novas formas de gestão dos “recursos humanos”). A empresa passa a acenar com a promessa de felicidade e realização àqueles que soubessem adaptar-se à ela e contribuir substancialmente para seu sucesso e sua excelência.

DEJOURS, capítulo 3, p. 37-59: O sofrimento negado Numa situação de desemprego e injustiça ligada à exclusão, a mobilização coletiva e política dos trabalhadores é dificultada por: A inculpação pelos “outros”: efeito do juízo de desaprovação proferido por políticos, intelectuais, executivos e mídia (“luta de privilegiados”). A vergonha de protestar quando outros são muito mais desfavorecidos.

DEJOURS, capítulo 3, p. 37-59: O sofrimento negado À primeira fase do processo de tolerância ao sofrimento, representada pela recusa sindical de levar em consideração a subjetividade, segue-se uma segunda fase: a da vergonha de tornar público o sofrimento gerado pelos novos métodos de gestão do pessoal. O sujeito que luta contra a expressão pública de seu próprio sofrimento assume uma postura de indisponibilidade e de intolerância afetiva para com a emoção que nele provoca a percepção do sofrimento alheio. A impossibilidade de exprimir e elaborar o sofrimento no trabalho constitui importante obstáculo ao reconhecimento do sofrimento dos que estão sem emprego.

DEJOURS, capítulo 3, p. 37-59: O sofrimento negado Surge a necessidade de resistir às mais difíceis situações de trabalho. Os trabalhadores vivem constantemente sob ameaça de demissão. As variações do ritmo de produção são absorvidas por empregos precários. Assim, o trabalho se precariza pelo recurso possível aos empregos precários para substituí-lo e às demissões pelo mínimo deslize.

DEJOURS, capítulo 3, p. 37-59: O sofrimento negado Efeitos da precarização (e da ameaça de demissão): Intensificação do trabalho e aumento do sofrimento subjetivo. Neutralização da mobilização subjetiva contra o sofrimento, a dominação e a alienação. Estratégia defensiva do silêncio, da cegueira e da surdez (negando o sofrimento alheio e calando o seu). Individualismo (“a miséria não une: destrói a reciprocidade” – Sofsky apud Dejours).

DEJOURS, capítulo 3, p. 37-59: O sofrimento negado O medo como motor da inteligência: sob a influência do medo e da ameaça de demissão, a maioria dos que trabalham se mostra capaz de acionar um cabedal de inventividade para melhorar sua produção e para ficar em posição mais vantajosa que os colegas nos processos de dispensas. Os gerentes, então, apresentam-se como colaboradores zelosos da organização e sua gestão.