Prof. Dr. Alexandre Guerra Faculdade de Direito de Sorocaba Aula 2 Direito dos contratos – Princípios, constitucionalização e interpretação Prof. Dr. Alexandre Guerra Faculdade de Direito de Sorocaba
PRINCÍPIOS DO DIREITO CONTRATUAL 2 PRINCÍPIOS DO DIREITO CONTRATUAL PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE (autonomia privada ou liberdade contratual) CC Francês, art. 1.134: “as convenções legalmente constituídas têm o mesmo valor que a lei relativamente às partes que a fizeram” Autoriza a celebração do contratos atípicos (inominados) Liberdade contratual: A) faculdade de contratar ou não contratar; B) liberdade de escolha do outro contratante e B) poder de fixação do conteúdo do contrato
3 PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DA ORDEM PÚBLICA Liberdade contratual deve prevalecer desde que não fira a lei, ordem pública, boa-fé, bons costumes, fim social e econômico do contrato e interesse coletivo. Cláusulas gerais Dirigismo contratual CC. Art. 2.035 – (...) Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.
4 PRINCÍPIO DO CONSENSUALISMO Ao contrato, basta, como regra, o acordo de vontades Sem CONSENSO não há contrato CC. Art. 482 - A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e no preço. Contratos reais (depósito, doação, estimatório) PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS EFEITOS DO CONTRATO Em regra, o contrato somente produz efeitos entre os contratantes Exceções: estipulação em favor de terceiro, contratos de seguro com indicação de beneficiário, dever de respeitar o contrato, dever de não impedir o adimplemento da relação contratual (BENACCHIO, Marcelo. Responsabilidade civil contratual. São Paulo: Saraiva, 2011).
5 PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DOS CONTRATOS (intangibilidade dos contratos ou da força vinculante das convenções) Celebrado o contrato válido e eficaz, as partes devem cumpri-lo. A parte não pode deixar de honra-lo a menos que haja concordância da parte contrária (bilateralidade). Exclui-se, tradicionalmente, a possibilidade de revisão judicial do contrato. Irreversibilidade da palavra empenhada “Pacta sunt servanda” Fundamentos: 1) segurança jurídica; 2) imutabilidade do contrato. Exceção: Art. 393 - O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir. PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO DOS CONTRATOS Interpretação contratual deve ser no sentido de conferir validade e eficácia Observância da equidade, equilíbrio contratual, boa-fé objetiva e função social do contrato
6 PRINCÍPIO DA REVISÃO DOS CONTRATOS (ou onerosidade excessiva) Mitiga o princípio da obrigatoriedade dos contratos. Extrema proteção ao liberalismo econômico gerou excessos/abusos prejudiciais a toda a ordem jurídica. Possibilidade de recurso ao Poder Judiciário para equilibrar as prestações e para garantir a função social, a solidariedade social e o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. Cláusula “Rebus sic stantibus”. Obrigatoriedade do cumprimento pressupõe a inalterabilidade da situação de fato verificada quando da celebração Contrato de execução diferida ou trato sucessivo. Acontecimentos extraordinários. Prestação excessivamente onerosa. Possibilidade de revisão judicial do contrato I Grande Guerra Mundial CC, art. 478-480.
7 PRINCÍPIO DA BOA-FÉ E PROBIDADE CC. Art. 422 - Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. Boa-fé objetiva: lealdade (concepção ética da boa-fé. Regra de conduta. Norma de comportamento contratual. Modelo jurídico de agir com honestidade) Fases pré-contratual e contratual Presume-se a boa-fé. Prova-se a má-fé. Cláusula geral de aplicação do direito obrigacional Deveres contratuais laterais decorrentes do princípio da boa-fé objetiva (violação positiva do contrato). Deveres de informação, segurança, esclarecimento efetivo, proteção, conservação, lealdade e cooperação Vedação de comportamento contraditório (“venire contra factum proprium”) Tutela da confiança e proteção contra quebra de expectativas legítimas.
8 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO CONTRATO Estado Liberal vs. Estado Absolutista França, EUA: Ausência de controle estatal da atividade econômica. “Laissez faire” econômico gerou degradantes condições de trabalho humano Liberdade ampla de iniciativa econômica, de transferência e concentração de propriedade e de celebração do contrato “Entre o forte e o fraco, a liberdade escraviza e a lei liberta” Estado social: “Constituição deixou de ser apenas a fonte suprema do direito público, reguladora da organização do Estado e garantidora dos direitos dos cidadãos (...) para converter-se, também, na lei fundamental do direito privado, reguladora das diretrizes essenciais das relações entre os privados, com eficácia direta e imediata” (LOBO, Paulo. Direito civil. Contratos. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 42). Contrato como categoria da ordem econômica constitucional. Proteção contratual como meio necessário à circulação de riquezas com primazia da valorização do ser humano Proteção dos direitos fundamentais, os quais não podem ser feridos pelo contrato
9 Interpretação dos contratos Conceito: Identificação do sentido e do alcance do conteúdo da declaração de vontade Interpretação contratual declaratória Lacuna contratual: Interpretação contratual construtiva/integrativa (integração contratual) CC. Art. 112 - Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. Equilíbrio entre as teorias da declaração e da vontade (negócios jurídicos em geral) Atenção aos princípios da boa-fé e conservação dos contratos CC. Art. 423 - Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. CC. Art. 424 - Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.
10 Interpretação contratual CC. Art. 113 - Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. (“quarto requisito de validade de todo negócio jurídico”) Princípios do CC/2002 (Miguel Reale): Operabilidade, eticidade e sociabilidade (e atividade – Renan Lotufo) Preferência, sempre, à revisão contratual e não à extinção (rescisão) contratual (princípio da conservação dos negócios jurídicos) Art. 114 - Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente. Valor jurídico do silêncio: Art. 111 - O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.
11 Regras gerais de interpretação As normas restritivas de direito não comportam interpretação ampliativa (extensiva) A intenção dos contratantes deve ser aferida a partir do exame do modo pelo qual as partes vem se comportando ao longo do tempo, consensualmente Na dúvida, deve-se interpretar o contrato de modo menos oneroso ao devedor (“favor debitoris”) Não se interpreta o contrato “em tiras”, mas conjuntamente (“sistemicamente”) A obscuridade da cláusula é de ser interpretada em desfavor daquele que a redigiu Quando passível de dois significados, preferência ao que preserve o contrato (princípio da conservação dos negócios jurídicos). Proibição contratual no CC (limite à autonomia privada): “pacta corvina” CC. Art. 426 - Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.
12 Interpretação contratual no CDC Destaque ao dever de informação Art. 46 - Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance. 2. Art. 47 - As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. 3. CDC. Art. 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. (...) 4. CDC. Art. 54 - Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. (...) Parágrafo terceiro - Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. Parágrafo quarto - As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.